Congresso partido

 

Imersa numa crise política e econômica que se arrasta desde o começo do ano, a presidente Dilma Rousseff segurou a boia jogada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDBAL), e, ontem pela manhã, elogiou a iniciativa do Senado de apresentar uma agenda de propostas para a retomada do crescimento. O realinhamento da relação entre os dois irritou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), que deixou clara sua contrariedade com o protagonismo do correligionário na agenda anticrise. Mantendo o tom incendiário, Cunha enfatizou que nada irá prosperar no Congresso sem sua concordância. Renan, no entanto, manteve o novo figurino de moderado e alfinetou o colega de partido dizendo que os parlamentares devem “ser vistos como facilitadores e não como sabotadores da nação”.

— Muitas das propostas do presidente Renan coincidem plenamente com as nossas. São propostas muito bem- vindas. Eu queria dizer que, para nós, é a melhor relação possível do Executivo com o Legislativo. Nós olhamos essas propostas com grande interesse e valorizamos muito a presença delas. Essa sim é a agenda positiva para o país. Mostra por parte do Senado uma disposição de contribuir para o Brasil sair das suas dificuldades o mais rápido — disse Dilma, após cerimônia para a apresentação do Programa de Investimento em Energia Elétrica.

DESONERAÇÕES VOLTAM À PAUTA DO SENADO

Cunha reagiu ao chegar à Câmara. Há três semanas, ele aderiu à oposição e desde a retomada dos trabalhos legislativos, há dez dias, permitiu a aprovação de uma ampla pauta contra o governo. O presidente da Câmara responsabilizou Renan por ter ajudado a piorar o ambiente econômico do país. Em março, quando o governo mandou para o Congresso uma medida provisória aumentando impostos das empresas, Renan devolveu a matéria e obrigou o Executivo a reenviar a proposta como projeto de lei. Até hoje a votação não foi concluída.

— Não adianta só aprovar lá ( no Senado). Vivemos, pela Constituição, num sistema bicameral e não unicameral, e, obviamente, as duas Casas têm que aprovar. Não dá para achar que só o Senado funciona ou só a Câmara e nem achar que tramitou no Senado, acabou, não existe Câmara — afirmou, estocando Renan em seguida:

— Quem devolveu a MP das desonerações foi o Senado há seis meses. Se não tivesse sido devolvida, teria R$ 6 bilhões a mais no ano. O Senado teria contribuído mais se não tivesse devolvido a MP.

Apesar de ter avisado na semana passada que a proposta que acabou com as desonerações da folha de pagamento das empresas dificilmente entraria em vigor antes do fim do ano, Renan voltou atrás e, em mais uma demonstração de aliança com o governo, nomeou o líder do PMDB Eunício Oliveira ( CE), como relator da MP. A medida, a última do ajuste fiscal, já pode ser discutida e votada a partir de hoje. No fim da tarde, o presidente do Senado fez um discurso no plenário e disse que as propostas da Casa, chamadas de Agenda Brasil, não significam um apoio ao governo.

— Minha obrigação como presidente do Congresso é procurar caminhos novos, mesmo correndo o risco de errar. O único erro imperdoável numa crise é a inação, a abulia. Não estamos estendendo a mão a um governo, que é efêmero e falível, mas debatendo uma agenda a todos os governos do futuro, a toda a Nação, que é permanente — afirmou.

O presidente do Senado voltou a citar os movimentos pela retirada da presidente. Na véspera, Renan já havia dito que dar prioridade a esse assunto seria colocar “fogo no país”:

— Discutir o impeachment todos os dias não resolve a crise econômica. O que achamos inadiável é separar as crises. O governo Dilma não é o Brasil. Estamos atacando os problemas nacionais com um reducionismo impróprio. O governo Dilma tem data para acabar e o Brasil vai continuar existindo.

Horas antes, em mais uma crítica a Renan, Cunha havia rebatido o senador nesse aspecto:

— Impeachment não é um troço que passa pela análise dele neste momento. Então, não tem a ver com ele. Desde quando cumprir a nossa obrigação é tacar fogo em alguma coisa? Não cumprir é que responsabiliza como omissão.

Um dos formuladores da agenda com Renan e a equipe econômica, o senador Romero Jucá ( PMDB- RR) disse que a intenção não é salvar Dilma, mas “tirar o Brasil do buraco”: — Eu não quero afundar com o Titanic de camarote. Quero mudar o rumo do navio que está em marcha batida para o iceberg. Quero salvar todo mundo. Se vai salvar Dilma, o povo é quem vai dizer. Entre os tucanos reunidos ontem com o presidente do partido, Aécio Neves ( MG), a interpretação é que as propostas foram gestadas no governo.

— Amanhecemos com Renan primeiro ministro. Semana passada era Temer o salvador da pátria, não sabemos quem será depois das manifestações do dia 16 — disse o líder da minoria na Câmara, Bruno Araújo ( PSDB- PE).

 

Renan deve ficar fora de primeiras denúncias do MP na Lava- Jato

A primeira leva de denúncias da Lava- Jato, feitas pelo procuradorgeral da República, Rodrigo Janot, não deve incluir Renan Calheiros. - BRASÍLIA- O presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL), deve ficar fora da primeira leva de denúncias do procuradorgeral da República, Rodrigo Janot, dentro da Operação Lava- Jato, previstas para o fim deste mês. Os investigadores vêm encontrando mais dificuldades em obter provas da participação do senador no esquema do que em relação a outros políticos investigados, como o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ).

Cunha, o senador Fernando Collor ( PTB- AL) e pelo menos mais três parlamentares relacionados na Lava- Jato devem ser denunciados ao Supremo Tribunal Federal ( STF) ainda em agosto, como noticiado pelo GLOBO. Outros 29 políticos são investigados em inquéritos em curso no STF desde março deste ano.

Renan é suspeito de crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. O inquérito aberto está na fase de análise de quebras de sigilo bancário autorizadas pelo STF. Essas quebras se referem ao episódio do depósito de R$ 5,7 milhões na conta de um escritório de advocacia em Brasília. O dinheiro seria o resultado de um acordo favorável ao Sindicato dos Práticos na Petrobras e teria como destino final o presidente do Senado, passando pelo deputado federal Aníbal Gomes ( PMDB- CE), conforme a delação do ex- diretor da estatal Paulo Roberto Costa. As investigações tentam mapear o destino do dinheiro.

Fontes com acesso ao inquérito relatam que a falta de delatores no caso de Renan vem dificultando a produção de provas. É uma situação diferente do caso de Cunha, em que o consultor Júlio Camargo decidiu detalhar um suposto pagamento de propina de US$ 5 milhões ao deputado e fornecer documentos que provariam a entrega do dinheiro. Júlio é um dos delatores da LavaJato e correu o risco de anulação dos benefícios do acordo de colaboração, diante da recusa inicial em delatar o presidente da Câmara.

Mesmo com uma dificuldade maior de produção de provas, investigadores não trabalham com hipótese de pedido de arquivamento do inquérito aberto para investigar Renan. A apuração, porém, deve consumir bem mais tempo do que a necessária para as primeiras denúncias.

Reportagem publicada pelo GLOBO em maio mostrou que os sócios do escritório de advocacia romperam a sociedade diante da identificação de um depósito de R$ 5,7 milhões na conta do escritório.

 

Agenda do Senado retoma reformas, mas gera dúvidas

A Agenda Brasil, apresentada pelo Senado, recoloca as reformas na ordem do dia, mas contempla propostas ambiciosas e de difícil aprovação. AAgenda Brasil lançada pelo Senado para retomar o crescimento do país recoloca as reformas da economia na ordem do dia. Especialistas são categóricos em lembrar que, passada a fase do ajuste fiscal de Joaquim Levy, só mudanças estruturais vão garantir uma decolagem do Brasil. E este documento toca em alguns dos pontos fundamentais para a nação, como questões fiscais, trabalhistas e formas de dar maior celeridade ao estado.

Mas há na agenda uma série de ideias que são polêmicas, complexas e pouco críveis, pois alguns temas não economizam na ambição. Por exemplo: se a reforma tributária não saiu em período de calmaria política, bonança econômica e paz institucional, como agora as propostas da área vão avançar em um dos momentos mais delicados da política nacional?

Os três primeiros dos 28 pontos dos senadores falam em “blindar” contratos, “aperfeiçoar” marcos legais e “profissionalizar” as agências reguladoras. Música para os ouvidos de economistas, empresários e investidores. Mas há uma semana esta mesma casa aprovou para a Anac o genro do líder do PMDB, de 28 anos, sem nenhum questionamento de fôlego sobre seu conhecimento na aviação civil, área que vai fiscalizar.

Outro risco é a grandiloquência da agenda, que abarca pontos do mais diversos. Afinal, quem tem 28 prioridades, na prática, não tem prioridade nenhuma.

Há no documento uma combinação de pautas difusas, das quais se percebe, à distância, o DNA de seus autores e beneficiários, como a flexibilização de áreas indígenas e de licenciamento ambiental ( agronegócio); aumento do imposto sobre heranças ( PT e movimentos de esquerda); terceirização ( empresários); limitação dos gastos que a União impõe aos outros entes do país ( estados e municípios). E há os assuntos que chegam a ser utópicos no atual cenário político, como elevar a idade mínima da aposentadoria e criar uma “instituição fiscal independente”.

Crítico, o professor Fernando Luis Schuler, do Insper, vê uma coleção de frases de efeito. E cita como exemplo a proposta do aumento do imposto sobre heranças: neste caso a agenda fala em “convergência internacional” de alíquota, mas silencia sobre os impostos onde o Brasil é campeão de cobrança.

O economista Cláudio Frischtak, da Inter B. Consultoria, lembra que sem agenda de reformas, o país vai amargar resultados medíocres mesmo após o choque fiscal apresentar resultados: ele avalia o crescimento potencial do país atualmente entre 1%e 2% ao ano. Se este ato do Senado servir para colocar o debate das reformas na ordem do dia, já terá servido à nação.