Estrelas e listras em Cuba

 

Em cerimônia que teve a presença do secretário de Estado, John Kerry, a bandeira americana volta a tremular em Havana, com a reabertura oficial da Embaixada dos EUA, 54 anos após seu fechamento. Pela primeira vez em 54 anos, as 13 listras e 50 estrelas da bandeira americana tremularam oficialmente na capital cubana. Símbolo da retomada de relações entre os antigos adversários, a reabertura da embaixada dos EUA em Havana contou com a presença do secretário de Estado, John Kerry, que sinalizou o novo momento afirmando que os dois países passavam a se enxergar não mais como inimigos.

PABLO MARTINEZ MONSIVAIS/AFPReconciliação. Fuzileiros navais hasteiam a bandeira americana na Embaixada dos EUA em Havana sob o olhar do secretário de Estado, John Kerry, e de outros convidados

— Obrigado por se juntarem a nós neste momento tão histórico, 54 anos depois — declarou Kerry. — Este é um dia que derruba antigas barreiras. Não há nada a temer, já que serão muitos os benefícios quando pudermos ter nossas relações e trocar ideias. Os Estados Unidos e Cuba não são mais inimigos ou rivais, mas vizinhos. E é hora de o mundo saber disso.

Kerry ressaltou que o momento “invariavelmente relembra” as tensões no início dos anos 1960 — mas parabenizou a iniciativa corajosa do governo cubano em sair “das prisões do passado”.

— Uma geração inteira cresceu sob a separação, assim como nos lembramos do Muro de Berlim e do Vietnã. Pudemos superar, através da reconciliação, estes conflitos. O tempo chegou para seguirmos adiante. O futuro cubano deve ser moldado pelos cubanos.

DISSIDENTES DIVIDIDOS

A polêmica envolvendo a ausência de opositores na cerimônia não ficou esquecida. Embora o secretário tenha reiterado que se encontraria com integrantes da oposição durante a viagem, detalhes sobre o encontro não foram revelados, e figuras como a líder das Damas de Branco, Berta Soler, e o fundador do coletivo Estado de Sats, Antonio Rodiles, afirmaram que não se encontrariam com Kerry.

— Não fomos convidados à cerimônia oficial, e as ações do governo Obama, empenhado em melhorar as relações com Cuba, estão legitimando o regime cubano, que é antidemocrático. Por isso decidimos declinar do convite para o encontro com Kerry — afirmou Rodiles ao GLOBO. — A violência do regime contra a oposição se intensificou muito desde o anúncio (da reaproximação) de dezembro, e mesmo com o aumento na repressão, o governo americano deu declarações tímidas.

Já a economista e jornalista independente Karina Gálvez reconheceu a importância da cerimônia, mas afirmou que a aproximação com Washington não é solução para os problemas do país.

— O problema de Cuba não é com os Estados Unidos, e sim com seu próprio regime, que deve ser legitimado pela vontade do povo cubano — afirmou. — É claro que se trata de um momento histórico, especialmente no caso de dois países que tiveram uma relação tão complicada, mas não faz sentido acreditar que relações normalizadas com os Estados Unidos serão uma solução.

Durante o discurso de Kerry, democracia e direitos humanos, principais pontos de discussão nas negociações para a normalização das relações voltaram a ser mencionados, com o secretário afirmando que “serão pautas acompanhadas de perto pelos Estados Unidos, que beneficiarão ambas as sociedades”.

— Continuamos convencidos que o povo de Cuba estaria mais bem servido por uma democracia genuína, na qual as pessoas são livres para escolher seus líderes — declarou. — Continuaremos a exortar o governo cubano a cumprir suas obrigações nas convenções Interamericana de Direitos Humanos e da Organização das Nações Unidas, obrigações compartilhadas pelos Estados Unidos e todos os outros países das Américas.

Suas palavras foram traduzidas para o espanhol e transmitidas ao vivo na TV estatal cubana. Mais tarde, no encontro com seu homólogo cubano, Bruno Rodríguez, Kerry ouviu críticas.

— Reiterei ao secretário que o levantamento total do bloqueio é essencial à normalização das relações, assim como a devolução do território usurpado em nosso país pela base naval na baía de Guantánamo — disse o chanceler.

Questionados sobre as esperanças para o futuro com os avanços da reaproximação com Washington, opositores expressaram sentimento conflitantes.

— Não vejo um cenário positivo. Muito se fala sobre a possibilidade do fim do embargo, mas na atual configuração, as empresas que poderão negociar são aquelas que estão em poder de militares e de uma elite política — conta Rodiles. — No campo da justiça e dos direitos humanos, acho que os negociadores estão tentando deixar de lado um assunto que não pode, de forma alguma, ser ignorado quando se quer discutir a transição de uma nação para a democracia.

Já Karina, moradora de Pinar del Río, a 165 quilômetros da capital, diz já ter percebido sinais de mudança na população.

— Há expectativa no ar, e as pessoas, mesmo as mais cautelosas, já demonstram esperanças de que a situação melhore, especialmente na economia — conta. — Com relação aos direitos humanos, só o fato de o governo cubano estar disposto a discutir o assunto, já é um passo, ainda que pequeno.

A economista no entanto, criticou a resposta de Rodríguez a Kerry.

— Direitos humanos não são uma questão de interpretação. São convenções universais que Cuba assinou, assim como os outros países. Os direitos humanos são violados diariamente no país, e não interessa se o mesmo acontece ou não nos Estados Unidos. Em algum momento teremos que colocar esse problema na mesa e falar sobre ele.

REPUBLICANOS CRITICAM CERIMÔNIA

Apesar de Kerry ter se mostrado esperançoso com a retomada de relações, afirmando não acreditar que o próximo presidente americano “vá jogar tudo pela janela”, pré-candidatos do Partido Republicano à Presidência voltaram a criticar a reaproximação. O ex-governador da Flórida Jeb Bush classificou a cerimônia como “um presente de aniversário para Castro” (o líder da Revolução Cubana, Fidel Castro, completou 89 anos anteontem), enquanto o senador Marco Rubio, descendente de exilados cubanos, não hesitou em afirmar que reverteria todo o processo de retomada das relações caso o regime continue “reprimindo sua gente”.