‘Era um mar de sangue’, diz filho de uma das vítimas de chacina em SP

 

A vingança de PMs pela morte de um colega pode ser, segundo os investigadores, a causa da maior chacina que São Paulo viu este ano. Em duas horas, 18 pessoas foram assassinadas em duas cidades da Região Metropolitana. Os criminosos usavam motos pretas e estavam encapuzados. -BRASÍLIA E SÃO PAULO- A polícia de São Paulo trabalha com duas hipóteses para a maior chacina deste ano no estado, em que 18 pessoas foram mortas anteontem em duas cidades da Região Metropolitana. Investigadores acreditam que os assassinatos podem ter sido provocados por um grupo de vingadores motivado pela morte de um policial militar, em Osasco, ou pela morte de um agente da Guarda Civil Municipal, em Barueri. Outra suspeita é que seria ação do crime organizado que controla o tráfico.

MARCOS ALVESViolência. Corpos no pátio do IML: homens com idade entre 17 anos e quase 60 anos foram mortos; crimes aconteceram num raio de sete quilômetros, em SP

Os assassinatos aconteceram em uma série de ataques em Osasco e Barueri, que espalharam pânico pela região, inclusive com a distribuição de mensagens com toque de recolher em redes sociais.

A polícia já sabe que, em Osasco, onde houve 15 mortos em oito locais diferentes, o grupo de executores agiu com uma moto preta, com duas pessoas, e um veículo prata, com quatro ocupantes. Já em Barueri, onde três pessoas foram mortas, os assassinos estavam em um veículo prata. Ao todo, seis pessoas ficaram feridas e foram levadas a hospitais da região. Os ataques, feitos por homens encapuzados, foram registrados em um raio de sete quilômetros e em um período de pouco mais de duas horas.

“FILME DE TERROR”

As vítimas eram homens, com idades de 17 anos a quase 60 anos. Seis tinham passagens pela polícia por motivos tão diversos quanto Lei Maria da Penha e receptação. Parentes e amigos que esperavam pela liberação dos corpos estavam atônitos.

— Meu filho tinha acabado de ter um bebê, trabalhava registrado, nunca fez mal para ninguém. É uma barbaridade — dizia, entre soluços, Antônia José, mãe do jovem Presley Gonçalves, de 26 anos, executado em frente de casa por dois homens em uma moto por volta das 21h30m.

Antes que os atiradores matassem Gonçalves, eles fizeram várias vítimas no bairro Munhoz Júnior, na periferia de Osasco. Por volta das 20h40m, dez pessoas foram atingidas por disparos. Um deles era o pintor A. C., de 54 anos. Alcoólatra, na noite de anteontem, ele bebia no bar de azulejos brancos ao lado de casa, como fazia quase todos os dias. Acabou dormindo na cadeira por conta da embriaguez. E foi nessa posição que o filho, de 28 anos, o encontrou, com dois tiros na boca e um no pescoço.

— Tenho certeza de que ele nem acordou. Os caras desceram do carro e descarregaram as armas. Foram mais de 60 tiros. Meu pai é trabalhador, nunca teve passagem pela polícia. Seu único defeito é a bebida — diz F., que socorreu o pai, levado para um hospital da região, onde permanece em estado grave.

F. descreve a cena que viu como de “um filme de terror”:

— Um mar de sangue, um caído sobre o outro. E foi execução porque um dos meninos estava sentado e o assassino teve a ousadia de tirar o boné dele antes de dar um tiro na cabeça. Não consigo esquecer.

Sem geladeiras para comportar todos os corpos, o Instituto Médico Legal de Osasco manteve ontem os cadáveres em condições precárias, em um pátio aberto nos fundos do prédio. Muitos estavam com os lençóis que as famílias usaram para cobrir os parentes. A direção do IML não foi encontrada para comentar o caso.

Uma força-tarefa com cerca de 50 policiais entre delegados e investigadores foi montada para investigar o crime. O governador Geraldo Alckmin (PSDB) qualificou como “gravíssimo” o episódio e esteve na Delegacia de Osasco. A polícia pretende agora fazer exames de balística em cápsulas e projéteis para tentar descobrir de quais armas partiram as balas de calibre 380, 38 e 9mm, além de analisar imagens de celulares e câmeras e ouvir testemunhas. Segundo o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, o comportamento dos bandidos é recorrente em atos de extermínio.

Ontem, em Brasília, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que ofereceu a ajuda da Polícia Federal em conversa com o secretário de Segurança:

— Contactei o secretário e coloquei à disposição a Polícia Federal no que for necessário.

Em julho, 37 pessoas foram assassinadas em Manaus durante o fim de semana de 17 a 19 daquele mês. De acordo com Sérgio Fontes, secretário de Segurança do estado, as mortes podem ter sido uma retaliação ao assassinato de um policial militar, morto em uma saidinha de banco. Ninguém foi preso.