Título: Historiador e cientista político
Autor: Nogueira, Octaciano
Fonte: Correio Braziliense, 08/09/2011, Opinião, p. 21

O voto secreto é a maior garantia do cidadão, assegurada pelos regimes democráticos e, por isso mesmo, consta explicitamente da Constituição em vigor, no capítulo IV, dedicado aos direitos políticos, art. 14: "A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com igual valor para todos e, nos termos da lei, mediante: I ¿ plebiscito; II ¿ referendo, III ¿ iniciativa popular". Mais que um direito, no entanto, o voto é, também, mais que um dever, uma obrigação, conforme dispõe o § 1º desse mesmo artigo da Constituição em vigor: "O alistamento eleitoral e o voto são: I ¿ obrigatórios para os maiores de 18 anos; II ¿ facultativos para: a) os analfabetos, b) os maiores de 70 anos e c) os maiores de 16 e menores de 18 anos".

Não é só aos cidadãos que a Constituição assegura o sigilo do voto. A seus representantes nas câmaras municipais, assembleias legislativas e, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado, esse direito também é assegurado. Essa prerrogativa é que garante a inviolabilidade dos mandatos parlamentares para que, em questões cruciais, eles possam decidir com independência, e livres de ameaças. A inviolabilidade parlamentar está assegurada e tem sido respeitada, em todos os períodos democráticos sob os quais vivemos. Na Constituição em vigor, está prescrita no art. 53: "Os deputados e senadores, desde a expedição do diploma, são invioláveis civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos". Como garantia dessa inviolabilidade, desde a expedição dos diplomas, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, a mais alta instância do Poder Judiciário e, além de guardião, intérprete da Constituição.

Essa garantia não é absoluta. Ao contrário, impõe restrições a que nós, os eleitores, não estamos sujeitos. Elas estão previstas no art. 54 do texto constitucional: "Perderá o mandato o deputado ou senador que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior". São elas: a) "firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes" ¿ é o caso dos contratos de fornecimento de água, luz ou telefone, por exemplo; b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis ad nutum (ou seja sumariamente), nas entidades constantes da alínea anterior. Essas proibições valem desde a expedição do diploma do parlamentar.

Há outras restrições que vigoram desde a posse: a) ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada; b) ocupar cargo ou função de que sejam demissíveis ad nutum, nas entidades acima referidas (no art. 55, alínea a); c) patrocinar causa em que seja interessada qualquer das entidades a que se refere a línea a) do art. 54. Finalmente: "Ser titulares de mais de um cargo ou mandato público eletivo".

As restrições não cessam aí. Além dessas, a Constituição prevê pena ainda maior: a perda do mandato do deputado ou senador nas condições seguintes: "I ¿ que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior; II ¿ cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar; III ¿ deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada; IV ¿ que perder ou tiver suspensos os direitos políticos; V ¿ quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos na Constituição; VI ¿ que sofrer condenação criminal, em sentença transitada em julgado", ou seja, da qual não couber mais recurso a uma instância superior".

Há uma questão que surge no inciso II: "Procedimento declarado incompatível com o decoro parlamentar". O que se deve entender por decoro? O Dicionário Aurélio define: "Correção moral, compostura, decência, dignidade, honradez, brio, pundonor". O Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, de Caldas Aulete, vai mais adiante: "Decência, respeito de si mesmo e dos outros; acatamento (guardar o decoro nas obras e nas falas); dignidade moral, brio, honradez; pundonor; beleza moral que resulta do respeito a si próprio, a honestidade)".

Não foram poucos, na história do parlamento brasileiro, os que perderam o mandato por falta de decoro, e em maior quantidade os que tiveram os mandatos cassados, nos regimes autocráticos, igualmente punidos por suas crenças, ideias ou convicções políticas ou ideológicas. Esse tempo, felizmente, já passou. Hoje, o desafio que enfrenta o eleitor brasileiro é o de saber eleger aqueles que, por suas posturas, pelas posições que adotam e pelos votos que dão, quando das decisões que cabem ao Congresso Nacional, ou a qualquer de suas Casas, respondem a esse requisito fatal que se espera de qualquer parlamentar: ter postura irrepreensível, posições claras e vida pregressa ilibada.