O governo fez do jiló uma sobremesa, ao converter em boa notícia o rebaixamento da nota de crédito do Brasil por uma das três principais agências de classificação de risco. Na escala da Moody’s, o País está agora no mais baixo nível do grau de investimento. Se descer mais um degrau, perderá o certificado de pagador confiável. Os papéis emitidos pelo Tesouro nacional serão rotulados como “junk bonds”, isto é, títulos tão bons quanto o lixo. A Standard & Poor’s já havia levado a nota brasileira ao patamar-limite dos países com selo de seriedade. Se a Fitch seguir o mesmo caminho, as três mais importantes sinalizadoras do mercado terão posto o Brasil na mesma posição desconfortável. Mas onde está a novidade bem recebida? Ao rebaixar o Brasil, a Moody’s mudou a perspectiva da nota de negativa para estável, dando ao País uma chance a mais para melhorar sua imagem.
Uma chance a mais, nesse caso, é sinônimo de ultimato. De toda forma, um ultimato generoso, porque os analistas da Moody’s, ao rever a nota e a perspectiva da economia brasileira, já deram como certo um cenário ruim neste ano e no próximo, com a recuperação de algum crescimento no semestre final de 2016. Com a retomada, embora modesta, a arrecadação de impostos deverá aumentar e assim ficará mais fácil a administração das contas públicas. Só com uma expansão econômica de pelo menos 2%, com um superávit primário de 2% do PIB (para pagamento de juros), será possível estabilizar a dívida pública, mas esses números só deverão ser alcançados a partir de 2017, segundo o economista Mauro Leos, vice-presidente da agência.
O prazo pode ser generoso, mas será preciso agir com rapidez para desencalhar o País e iniciar a reparação das contas de governo até o meio do próximo ano. A nota será mantida neste ano, disse Leos em entrevista ao Estado, exceto se algo inesperado ocorrer. Não se deve desprezar esse risco. Os problemas enumerados para justificar o rebaixamento da nota envolvem complicações técnicas e políticas. O informe da agência menciona, ao explicar a decisão, o fraco desempenho da economia, a redução da receita, o aumento de gastos e as dificuldades para formar um consenso a respeito do ajuste.
Esses dados compõem boa parte do noticiário do dia a dia, num cenário de estagnação dos negócios, de desemprego em alta, de piora das contas públicas, de inflação persistente e de muita incerteza quanto à evolução das condições econômicas e políticas. Ministros podem reafirmar suas boas intenções, a cada 24 horas, prometendo medidas para conter as despesas, controlar a dívida e retomar o rumo da prosperidade. Não conseguirão mudar a percepção dos brasileiros nem dos investidores e dos analistas internacionais de risco, porque os problemas envolvem todos os Poderes da República, os partidos, os sindicatos e boa parte do empresariado.
Nada se resolverá sem um acordo mínimo pelo menos a respeito dos objetivos de curto e de médio prazos. As ações mais urgentes, necessárias ao ajuste, implicarão sacrifícios e imporão custos políticos ao governo e a quem apoiar as medidas de austeridade. A chamada Agenda Brasil, combinada entre a presidente da República e o presidente do Senado, continuará sendo uma vaga declaração de intenções enquanto faltar base política para sua aprovação na Câmara e no Senado.
O economista Mauro Leos chamou a atenção para um detalhe sempre evitado pela presidente da República: as condições fiscais, incluída a dívida pública, são bem piores que as da maior parte dos emergentes. O Brasil vai mal também na comparação com seus pares. A análise da Moody’s aponta como dado mais positivo a situação externa, com reservas elevadas e um déficit suportável na conta corrente do balanço de pagamentos. Mas também quanto a isso ninguém deve iludir-se. Se a imagem do País continuar piorando e os investidores ficarem mais assustados, também a segurança externa poderá esvair-se. O sacrifício será muito maior se for preciso ajustar também o balanço de pagamentos.