Estrada aberta aos gringos

 

DANILO FARIELLO

Colaboraram Glauce Cavalcanti e Danielle Nogueira

O globo, n. 29956, 13//08/2015. Economia, p. 19

 

Em meio à crise econômica e aos escândalos da Lava- Jato, o governo quer facilitar a presença de estrangeiros nos leilões de privatização de rodovias. Para isso, vai retirar dos editais a exigência de que os consórcios sejam liderados por empresas nacionais, informa - BRASÍLIA E RIO- Como forma de estimular a participação de estrangeiros nos leilões de rodovias da segunda etapa do Programa de Investimentos em Logística ( PIL 2), o governo federal vai retirar dos editais a exigência de que os grupos concorrentes sejam liderados por empresas nacionais. Na primeira fase do programa, o edital previa que, no caso de consórcio integrado por empresa estrangeira, a líder seria, obrigatoriamente, uma empresa nacional. Também deverá ser eliminada dos editais a vantagem a grupos brasileiros em caso de empate nos lances.

ANDRÉ TEIXEIRA/ 10- 6- 2015

Nova direção. BR- 101, uma das rodovias que terão trechos privatizados: mudança no edital visa a aumentar concorrência nos leilões

Já havia na primeira etapa do PIL a previsão de atuação de pessoa jurídica estrangeira nos leilões. O proponente estrangeiro deveria cumprir exigências específicas, como ter um representante legal no Brasil e uma declaração de que aceitaria se submeter à legislação brasileira, abdicando de reclamação por via diplomática.

As mudanças nos editais foram antecipadas ao GLOBO pela secretária- executiva do Ministério dos Transportes, Natália Marcassa. Entre as 50 empresas habilitadas pelo governo a oferecer estudos para as rodovias que serão concedidas pelo PIL 2, ao menos nove têm participação estrangeira. Muitas delas, porém, são empresas de consultoria ou projeto, o que não assegura a atuação de empresas de fora nos leilões. Estão previstos leilões de trechos de rodovias como BR- 101, BR- 262 e BR- 364, entre outras.

‘ GUINADA NA POSIÇÃO DO GOVERNO’

Para Claudio Frischtak, fundador da consultoria Inter. B, captar investimento estrangeiro para o setor de infraestrutura é uma das possíveis saídas para a crise que o país atravessa. Frischtak pondera que existe um cenário de dificuldade na engenharia pesada no Brasil e enfatiza que a decisão funciona como uma espécie de medida preventiva, de forma a garantir leilões concorridos num momento em que grandes companhias do setor enfrentam problemas:

— A medida vai trazer competição ao setor. O governo vai liberalizar as regras de entrada para não ter um leilão vazio. A abertura do setor é uma tendência em vários mercados no mundo. Ainda temos empresas brasileiras capazes de liderar o processo. Muitos dos grupos envolvidos na Lava- Jato têm grande expertise na área. Mas é preciso viabilizar negócios para retomar crescimento.

Para Paulo Fleury, presidente do Instituto de Logística e Supply Chain ( Ilos), trata- se de um recado importante para os potenciais investidores estrangeiros:

— A decisão marca uma guinada na posição do governo federal, quebrando um tabu no mercado brasileiro. Sinaliza fortemente o interesse de viabilizar outras oportunidades de investimento de fora em setores com grande potencial.

Para Paulo Resende, especialista em infraestrutura da Fundação Dom Cabral, a decisão do governo deve- se ao fato de que há uma redução de players no mercado de privatizações de infraestrutura, basicamente por três razões: a crise econômica, que reduz a confiança do investidor; o envolvimento de empreiteiras na Operação Lava- Jato, e o comprometimento das empresas com concessões anteriores, o que reduz sua capacidade de investimento. — É uma quebra de paradigma — disse. O especialista diz que esta foi uma decisão acertada e alerta para a necessidade de se respeitar os contratos:

— A confiança do investidor estrangeiro está escorada na estabilidade de contratos de longo prazo.

Segundo Resende, países desenvolvidos como Estados Unidos, Alemanha, Austrália e Japão não impõem travas ao investidor estrangeiro. Entre as nações em desenvolvimento, Chile, Índia e África do Sul também permitem a presença majoritária de capital estrangeiro em projetos de infraestrutura.

GATILHO PARA DUPLICAÇÃO DE RODOVIA

Segundo a secretária- executiva do Ministério dos Transportes, a partir da análise de cada empreendimento, o governo vai rever condições que, na primeira fase do programa, eram consideradas pétreas. Outra hipótese em análise é retirar o prazo de cinco anos para a duplicação total das rodovias, substituindoo por um “gatilho”, em que o concessionário deverá duplicá- las conforme o avanço do tráfego no trecho, sem definição específica de prazos.

— Isso ( o gatilho) é uma saída para alguns projetos, estamos analisando — disse a secretária.

O governo estuda reduzir a exigência de duplicação de 10% do trecho privatizado, no primeiro ano de concessão, para o empreendedor dar início à cobrança de pedágios, conforme antecipou o GLOBO na edição de segunda- feira.

A Secretaria de Acompanhamento Econômico ( Seae) do Ministério da Fazenda apresentou sugestões à Agência Nacional de Transportes Terrestres ( ANTT) na audiência pública da BR- 476, conhecida como Rodovia do Frango em Santa Catarina e Paraná, no sentido de flexibilizar regras.

REGRA DEFINIDA DE ACORDO COM A RODOVIA

A Seae defende flexibilizar exigências dos editais para assegurar concorrência maior nos leilões, diante da crise econômica, que foi agravada no setor de infraestrutura pela Operação LavaJato. A BR- 476 será a primeira rodovia — de uma série de quatro do PIL 2 — que deverá ser leiloada este ano. O seu edital será publicado até o fim do mês pela ANTT. Natália explicou que cada rodovia está sendo analisada de um jeito. O edital da BR- 476 sairá com exigência de 100% de duplicação e percentual de 10% para cobrança de pedágio. Mas a ideia para a BR- 163, de Mato Grosso e Pará, é flexibilizar as regras.

— O mais importante naquele projeto é terminar de implantar ( o pavimento). Ali tem 150 quilômetros que não estão implantados. Vamos botar 100% de duplicação, sendo que a rodovia não está pronta? Então, está sendo feito esse refinamento — explicou Natália.

A BR- 163 tem distância total de 976 quilômetros e volume de investimento estimado em R$ 6,6 bilhões, o maior entre as quatro rodovias previstas para serem leiloadas este ano. Desde o Programa de Aceleração do Crescimento ( PAC) 1, no governo Lula, existe a previsão de conclusão do pavimento da BR- 163 pelo governo federal, o que ainda não ocorreu. Com o PIL, ficou decidido que a estrada iria ser concedida mesmo antes de ser concluída.

Com as discussões sobre a flexibilização das exigências dos leilões, a Empresa de Planejamento e Logística ( EPL) suspendeu, no mês passado, o processo de contratação de estudos ambientais para a BR- 476 e para a BR- 364, de Minas Gerais a Goiás, que também irá a leilão este ano.

Indagada sobre a suspensão dos processos licitatórios, a EPL informou que “optou- se por dispor com maior riqueza de informações sobre o reajustamento de preços”. A estatal, ligada ao Ministério dos Transportes, informou, ainda, que, “após essa adequação, será conferida a continuidade do procedimento para contratação dos estudos ambientais das obras”.