Mudança no estatuto do desarmamento

 

O globo, n. 29960, 17//08/2015. Opinião, p. 16

 

Lei mais rígida

Semana passada, ao prender chefões do tráfico de drogas no Rio de Janeiro, a polícia fluminense encontrou no arsenal da quadrilha armas pesadas capazes de derrubar até helicópteros. É armamento de uso exclusivo das Forças Armadas, equipamento de guerra. Um exercício inevitável que o episódio suscita é descobrir como esse tipo de fuzil vai parar nas mãos do crime organizado — terreno da Inteligência dos órgãos de segurança. É o tipo de questão, no entanto, a ser tratada no âmbito da especulação ou, o mais correto, da investigação policial.

Também decorrente dessa ação, a defesa do secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, do endurecimento da legislação ( leia-se Estatuto do Desarmamento) para punir com mais rigor comércio e posse desse tipo de arma.

Bandidos, no Estado do Rio e, com certeza, em outras unidades da Federação, estão sofisticando o arsenal — e isso não pode ser tratado com leniência pelo Estado ou como circunstância normal por aqueles que defendem a desconstrução do Estatuto.

Há, na equivocada tese do incremento do armamentismo, um misto de ingenuidade e esperteza. No primeiro caso, situam-se faixas da sociedade para as quais armar os cidadãos seria um anteparo individual contra a violência. Essa visão não leva em conta que, diante de um bandido armado, o cidadão estará sempre em desvantagem pela surpresa do ataque ou inabilidade no manejo de uma arma, entre outras circunstâncias.

Embarcar nessa opção leva à degradação de princípios constitucionais, descambando-se para irreparáveis equívocos, por exemplo o justiçamento, a prática de justiça instantânea — com a particularidade de tais tipos de reação terem como principal agravo a possibilidade de deixar ao juízo da sociedade, e não do Estado e suas instituições, a decisão sobre a vida de alguém.

A esperteza se dá na manipulação que setores ligados à indústria armamentista, ou mesmo que comungam de ideologias estranhas à obediência a princípios constitucionais, fazem daquele tipo de ingenuidade para pôr combustível nos movimentos que visam a, pelo esvaziamento do Estatuto, multiplicar a venda de armas e munição. Esse lobby é particularmente atuante no Congresso, via bancada da bala — justamente de onde partem os mais concretos ataques contra o desarmamento. Não por acaso, boa parte desses parlamentares teve sua campanha financiada por empresas do setor. O secretário Beltrame está correto ao defender mudanças no Estatuto — porém, para torná-lo mais rígido, de modo a aumentar o poder punitivo, e, por decorrência, dissuasório da lei. É um caminho para ampliar a margem de pacificação do país, mas não o único. Restringir a circulação de armas passa também por outras políticas públicas, como o controle de fronteiras, a fiscalização de rodovias e ações de Inteligência que levem à descoberta de arsenais. São iniciativas que se juntam à legislação para coibir o armamentismo.

 

Direito de defesa

Alberto Fraga

 

Em meados de 2003, com o propósito de conseguir uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, o Brasil resolveu investir pesado na tese do desarmamento. Um movimento, liderado sobretudo por representantes do PT, defendia uma legislação mais dura e restritiva. Uma década depois, o balanço que se faz está aquém daquele que se pregava à época. O posto na ONU não foi alcançado, e o Estatuto do Desarmamento dá sinais de fracasso.

Lá atrás já era possível ter noção de que essa era uma “ilusória solução” para acabar ou diminuir a criminalidade. Até porque houve falhas no processo que culminou na aprovação da proposta. O Estatuto foi votado no Congresso na véspera do Natal, depois da meia-noite, em sessão tumultuada e atropelada, pois o então presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha (PT), tinha uma viagem agendada e necessitava levar essa “vitória” para a ONU.

Hoje, mais do que nunca, o país tem a oportunidade de alterar e atualizar o estatuto. Mesmo diante da pressão de desarmamentistas, que, inconformados com os pífios números, passam para a ofensiva, construindo mitos que não se sustentam, por falta de consistência. E mais: procuram, outra vez, confundir a sociedade brasileira, difundindo mentiras e ilações a respeito do projeto de lei 3.722, que atualiza, e não revoga, o Estatuto do Desarmamento.

São grupos que recebem polpudas verbas internacionais, e até mesmo do governo brasileiro, mas que, cinicamente, acusam a indústria bélica de financiamento de campanha de parlamentares ligados ao setor. Grandes mentiras foram lançadas oficialmente, e o pior: com o apoio do poder público. O Ministério da Justiça, de forma irresponsável, tem afirmado que 120 mil vidas foram salvas por causa da vigência do estatuto. Um dado fantasioso. A tese é repetir uma mentira mil vezes para que ela se torne uma verdade. As atualizações são necessárias, sim. A insensatez dos grupos contrários a essa proposta é tão grande que ignoram as discrepâncias existentes na legislação. Um exemplo? O policial que tiver menos de 25 anos não pode comprar uma arma. Ou seja: pode usar uma para defender a sociedade, mas não para defender sua família e sua própria vida. O porte tem que ser inerente à profissão, e não apenas enquanto ele está na ativa. Ou alguém acha que o policial só faz amizade durante seus longos anos de serviço? É preciso garantir ao cidadão de bem o direito de escolha — porque a sociedade sabe que bandido não compra arma nas lojas comerciais, não participa de campanha de desarmamento e não entrega sua arma a autoridades. Todos os parlamentares que defendem e pensam dessa forma só querem defender a sociedade brasileira. E resta ao governo a certeza de sua incompetência e inoperância na questão da segurança pública.