Renan, de criador de caso a bombeiro do Planalto

 

SIMONE IGLESIAS E CHICO DE GOIS

O globo, n. 29959, 16//08/2015. País, p. 5

 

A metamorfose do presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL), que passou de artífice de dificuldades para articulador de facilidades para a presidente Dilma Rousseff, começou na tarde do último dia 6, uma quinta-feira. O peemedebista estava em seu gabinete quando recebeu, por telefone, um convite para ir ao Palácio do Planalto se encontrar pessoalmente com a presidente. A ideia do chamado partiu do vice-presidente Michel Temer.

Naquele mesmo dia, Temer se reuniu com Dilma e colocou o seu cargo de articulador político à disposição da mandatária depois de se desdobrar em explicações sobre sua polêmica frase do dia anterior, na qual, depois de reconhecer que havia uma crise política no país, dissera que era preciso alguém para reunificar o país. Temer afirmou que havia sido mal- interpretado. Dilma e ele, então, discutiram o ambiente tenso no qual o governo se encontrava, quando Temer sugeriu:

— Presidente, não vale a pena investir na Câmara. O ideal é investir no Senado. Venho conversando com Renan, e, se a senhora chamá- lo e fizer um apelo, ele topa.

Renan estava afastado do Planalto desde fevereiro. Principal fiador do primeiro mandato de Dilma, virou um dos mais ferozes opositores, numa guerra não declarada. O distanciamento ocorreu após ser citado na Operação Lava-Jato. De ótima, a relação entre Renan e Dilma se deteriorou. A última conversa entre os dois tinha sido no dia 14 de julho, para tratar do pacote de ajuste fiscal, e foi considerada péssima. O recesso começou três dias depois com a promessa de que o segundo semestre seria um inferno para o governo no Congresso.

A conversa com Dilma fez Renan voltar a saltar para dentro do barco. Em vez de um abraço de afogados, a união de forças dos dois colocou a proa na mesma direção, pelo menos por enquanto. Renan sabe navegar bem, mesmo quando o mar não está para peixe. Em 2007, todos esperavam que seu barco iria a pique. Alvo de sete pedidos de cassação, enfrentou e se livrou de todos. Reuniu forças na sombra para depois voltar, transformado no tubarão que é. No início do segundo mandato da petista, porém, ela quis enlatá-lo. Mas acabou percebendo que não se pode aprisionar uma fera do tamanho de Renan num gabinete qualquer.

 

Com Agenda Brasil, uma rota para mudar o rumo da prosa

 

Quem convive com Renan Calheiros diz que, nas últimas semanas, ele também já estava cansado de rugir. E queria encontrar uma forma para voltar a falar em seu tom natural de voz. Por causa disso, o telefonema de Dilma deu oxigênio a ele e a ela, permitindo a ambos saírem das profundezas para a superfície.

Da reunião com a presidente, já revigorado, Renan passou a remar. Dilma lhe deu assento privilegiado — no qual, embora não seja o capitão da nau, função reservada a ela, é seu melhor navegador. Auxiliado por Romero Jucá ( PMDB- RR) e Eunício Oliveira ( PMDB- CE), com quem divide tarefas e domina o Senado, ele pensou num mapa para que a discussão mudasse de rumo. Por conta disso, passou a se reunir com o ministro Nelson Barbosa ( Planejamento) para formatar a Agenda Brasil, uma compilação de projetos — a maioria já em tramitação — com o objetivo de estancar a crise econômica.

RECONDUÇÃO DE JANOT

No dia seguinte, sexta- feira, numa viagem a Boa Vista ( RR), Dilma Rousseff ouviu de Jucá, de quem também havia se afastado, a garantia do apoio de Renan para a recondução do procurador- geral da República, Rodrigo Janot, ao cargo. Jucá também lhe afiançou que o processo no Senado seria o mais ágil possível.

A tal Agenda Brasil produziu, até agora, o efeito planejado: reduzir a densidade do nevoeiro político, permitindo que o governo possa enxergar um pouco melhor. Mas Renan, que sabe navegar em águas turbulentas, percebeu que para não deixar o barco afundar era preciso mais. Por isso, ele e Temer agiram para conter o julgamento das contas da presidente Dilma de 2014, em análise pelo Tribunal de Contas da União ( TCU), por uma série de irregularidades fiscais.

CONTRAPONTO A CUNHA

O armistício de Renan, naturalmente, não se deu apenas porque ele voltou a se apaixonar por Dilma. Está ancorado na quase convicção de que não estará na próxima lista de denunciados de Janot por corrupção; no contraponto à atuação hiperativa e beligerante do presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ); e na chance de ter ao seu lado o empresar iado que quer soluções mais rápidas para a cr ise econômica.

Nos últimos oito anos, Renan Calheiros foi ao inferno. Escapou da cassação após votação no plenário por 40 votos contra 35 que o consideraram culpado. Presidente do S enado em maio de 2007, foi acusado de ter as contas pessoais pagas por um lobista de empreiteira. Num acordão feito pelo PMDB, livrou- se da cassação, mas teve que renunciar à presidência da Casa para manter o mandato.

Na mais nova roupagem e demonstrando resiliência ímpar, o peemedebista agora se coloca como o potencial salvador de um dos governos mais impopulares da História da República.