Duas visões externas sobre a crise brasileira

 

Kenneth Maxwell

Como o senhor está vendo esta crise enfrentada pelo Brasil?

Há três níveis de crise. Uma que não tem muito a ver com o Brasil, mas que afeta a economia brasileira num contexto global. É a crise internacional, dos baixos preços do petróleo, da desaceleração da China. A segunda crise é institucional: a corrupção espalhada que vem sendo exposta pela Lava-Jato, a crise na Petrobras. E tem a crise politica que tem a ver com a credibilidade da presidente Dilma e do PT. É a tempestade perfeita contra Dilma. Essa combinação de fatores deixa a situação do Brasil muito complicada, num impasse, e os prognósticos são ruins. Espero não soar muito deprimido.

O senhor não vê saída, então?

Sempre há um caminho. Nenhum país acaba, sempre há soluções, só que por enquanto elas são nebulosas. Eu sinto que a Dilma pode sobreviver basicamente porque as alternativas a ela também são ruins. E mesmo os que desejarem vê-la fora, no final, podem preferir uma presidente fraca do que ver integrantes do Congresso controlando o país. O Brasil é um sistema tão federalizado, um país tão grande e complexo, que muitas vezes o que acontece em Brasília não afeta o resto. O que eu diria para os que pedem “Fora, Dilma” é: reflitam. Quais seriam as consequências disso? Para mim um impeachment seria quase tão ruim quanto se Dilma continuasse num governo tão fraco.

No quadro de hoje um impeachment seria um retrocesso?

Acho que sim. O problema é que quem sucederia a Dilma seria de um partido como o PMDB, que aparentemente está envolvido em um monte de escândalos. Não sei sobre o vice Michel Temer, mas o presidente da Câmara e do Senado já foram citados como alvo de diferentes investigações.

E os protestos de hoje, quais as consequências que eles podem trazer?

Será um protesto grande de classe média das grandes cidades? Ou será massificado, atingindo a sociedade como um todo? Eu, sinceramente, não sei que impacto eles terão, acho que o governo deve, sim, se preocupar com o tamanho e com a classe social que esses protestos vão acabar atingindo. A gente não entende muito essa massa. Será muito interessante observar quanta gente vai, como a polícia vai lidar.

E como o governo Dilma pode se fortalecer dentro deste contexto de crise?

Está muito difícil para ela se separar dos três níveis de crise. Vai ter que haver um pacto, buscar algum apoio politico nesse Congresso complicado que o Brasil tem, do qual você não conhece a verdadeira ambição de seus líderes. O Brasil tem que se fiar agora nos aspectos positivos que estão aí: a Lava-Jato mostra uma independência sem precedentes do Judiciário, a Polícia Federal funciona. Todo o mundo está sendo investigado: políticos, empresários, cartolas do esporte. O Brasil tem desenvolvido um modelo próprio de delação que está dando muitos resultados.

Como a comunidade internacional está vendo o que acontece aqui?

O Brasil foi, ao longo do governo Dilma, deixando de ser visto com a mesma importância internacional que tinha nos tempos de Fernando Henrique Cardoso e de Lula. Acho que por problemas internos e também pela falta de interesse do atual governo, que abandonou sua política externa de um ano para cá. É impressionante pensar como os Estados Unidos tomaram a dianteira em assuntos internacionais como a abertura de Cuba ou mesmo em relação ao Irã, país do qual o Brasil era bastante próximo no passado. O Brasil poderia estar surfando nesta onda otimista que atinge as Américas. A imprensa na Europa limita-se a cobrir a crise econômica e, secundariamente, aborda esta “internacionalização” da corrupção brasileira, afinal, a Petrobras e a Odebrecht têm negócios no exterior. Fora isso, o Brasil é como um balão que foi furado e desapareceu do cenário internacional.

 

Peter Hakin

Como o senhor vê esses protestos marcados para hoje?

Eles são uma consequência dos que começaram em 2013 e demonstram uma insatisfação social, que foi agravada nos últimos dois anos pela fraca economia e pelos escândalos de corrupção. Mas é muito difícil saber os impactos das manifestações. Meu sentimento é que a batalha por um impeachment será menos decidida nas ruas do que entre as lideranças políticas. Muito pouco é decidido nas ruas do Brasil, ao contrário de outros países, como a Argentina, em que marchas realmente derrubam presidentes. E minha impressão é que as próprias lideranças políticas estão divididas, há peças-chave sendo investigadas como o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Esta crise, ao menos a política, será decidida com o PMDB, com o Fernando Henrique, que pode influenciar o PSDB, e com o PT. Embora as ruas sejam um termômetro social importante, a crise não é decidida nelas na minha opinião.

Sim, talvez porque Dilma não possa continuar à frente de um governo tão fraco como está o atual e porque o impeachment seria, ao mesmo tempo, um retrocesso para o Brasil. Um afastamento da presidente seria pior para o Brasil do que para a maioria dos países, porque, de repente, começa a parecer que apenas superheróis, superlíderes são capazes de governar o Brasil. Em outras palavras, você não teria bons presidentes eleitos desde a redemocratização a não ser o Fernando Henrique e o Lula? Lula agora está enfraquecido (com as investigações da Lava-Jato) mas, mesmo assim, ele e Fernando Henrique foram dois dos mais brilhantes líderes da História da América Latina. Aí vem uma Dilma incapaz? O Brasil então só pode ser governado por super-heróis? Isso passa uma imagem muito ruim.

Como o Brasil está sendo visto internacionalmente?

O Brasil ficou deflacionado. Vi algumas pesquisas recentes feitas por entidades internamente aqui nos EUA que indicam que esta imagem de país amável, seguro para investimentos e institucionalmente mais sólido do que, por exemplo, o México, está começando a ruir. Há só notícias negativas sobre o Brasil nos EUA, país que tradicionalmente enxerga as coisas sob uma ótica muito parcial, é verdade. Mesmo assim, essa imagem do Brasil como joia da coroa dos países em desenvolvimento está ruindo. E olha que esta não é de longe as maiores crises econômica e nem política pelas quais o país já passou. A inflação está ainda controlável, assim como o desemprego, as dívidas. Os ganhos sociais dos últimos anos são inquestionáveis.

Quais são os cenários possíveis?

Um país sem Dilma ou com Dilma por mais três anos e meio. E as perguntas são inúmeras. S e Dilma fica, é impossível continuar governando do jeito que ela está. Além do pacto político, com partidos da coalizão e oposição, compromissos terão que ser feitos para deixála governar. Ela precisa tomar decisões, resolver os problemas da economia, implementar programas de infraestrutura, reestruturar a Petrobras e o programa nacional de petróleo. É bom lembrar que não existe país perfeito. Vejam os problemas da Europa, a tensão racial nos EUA... E o Brasil tem feito progressos, barreiras têm sido rompidas.

O senhor acha importante o país tentar recuperar uma imagem de líder regional?

O Brasil deve aprender que sua habilidade de liderar, de ser uma importante influência regional e, portanto, global, depende menos de diplomacia e boa vontade e mais da qualidade do governo e das instituições. Depende da qualidade do Brasil aqui dentro. Temos que esperar para ver qual imagem do país vai prevalecer: a de um país amplamente corrupto ou a de um que está sabendo combater seus problemas. O papel do Judiciário e da imprensa neste escândalo da Lava-Jato está sendo notável, independente, competente e agressivo.