O RACISMO NASCEU NAS AMÉRICAS

 

A ideia de raça baseada em características físicas nasceu no Novo Mundo. A afirmação é do historiador Bruno Silva, fluminense de Itaperuna, 37 anos, que acaba de defender a tese “Inventários do homem americano” no Departamento de História da UFF, com pesquisas feitas na Universidade do Texas, EUA.

Segundo ele, na Europa, a ideia era usada para separar “raças infectas, como mouros e judeus”.

— Na América, fugiu da base religiosa e focou no cheiro, no nariz, na pele, na “bile preta” que corria nas veias dos negros e fazia deles “seres imundos e inferiores, dotados de modos e culturas grotescas” porque carregavam a “marca da impureza de sangue” transmitida para as gerações seguintes — diz Bruno.

Em quatro anos de pesquisas, o professor — que é branco e leciona em escolas da rede pública, onde imensa parcela é de uma meninada negra — deparou com relatos abjetos de viajantes à América Latina. Eles, os viajantes, falavam (nos séculos XVII e XVIII) que “o cheiro do negro era horrível, e a carne do corpo deles era degenerada pelo ambiente, assim como a dos animais — e, por isso, os crocodilos amavam a carne dos negros”. Meu Deus... Aqui, Bruno Silva troca dois dedos de prosa com Marceu Vieira, mameluco da turma da coluna.

O que faz um país como os EUA, presidido por um negro, viver, volta e meia, a contradição de policiais brancos que matam negros inocentes?

Os EUA, na verdade, são considerados, desde sua fundação, o país mais segregacionista e racista de todos. Nós, no Brasil, tivemos a sociedade formada no mito de Gilberto Freyre (1900-1987) de que, aqui, o europeu branco não teve dificuldade para se deitar com negras e índias. Daí surgiu o mito de que há uma democracia racial no Brasil. Já nos EUA, a ascensão do negro Obama foi o ápice de uma luta recente, iniciada nos anos 1960. Mas, ainda assim, a contradição persiste lá. Nos EUA, até brancos do governo fazem piadas com Obama e a primeira-dama.

O Brasil transformou racismo em crime inafiançável e, ainda assim, convive com ataques como o ocorrido outro dia contra a jornalista Maria Júlia Coutinho (foto), a moça do tempo do “Jornal Nacional”. Por quê?

Eu me incomodo quando outros pesquisadores tentam disfarçar a realidade do racismo no Brasil. O que se diz é que só se pode falar de racismo ou injúria racial quando nasce a ciência, no século XIX. Por essa crença, o português branco estaria “absolvido”. Como imaginar que esses que escreveram aquelas coisas (nas redes sociais) contra Maria Júlia têm conhecimento de ciências como biologia etc.? Eles agiram assim guiados pela mentalidade deles. Foram bocós, projetaram ali a mentalidade que está nas famílias deles. O racismo não tem base na ciência, mas no popular, no jocoso, na piada, na ofensa. As escolas e os professores falham nesse aspecto por não conseguirem mudar isso.

É comum se dizer que aqui, até pela miscigenação, temos uma democracia racial maior que a dos EUA. Mas, lá, além de Obama, há muito mais negros em cargos-chave. Por que isso não ocorre no Brasil?

Não ter negros em cargos importantes é reflexo de uma sociedade na qual as mudanças vêm sempre de cima para baixo. Nos EUA, a partir da década de 1960, por causa da pressão de baixo, de movimentos como o de Martin Luther King Jr. (1929-1968), deu-se o anzol e se ensinou a pescar. Aqui, esse movimento é mais recente. Há as cotas, importantes para inserir o negro onde ele não se inseria. Mas as cotas precisam ter prazo de validade para que, no futuro, todas as classes tenham iguais condições de competir. Ter uma mulher na Presidência já foi um ganho imenso. Imagine um negro! Mas a gente chega lá.