Assentamentos são risco ambiental na Amazônia

 

O globo, n. 29959, 16//08/2015. Opinião, p. 20

Assentamentos de colonos são uma realidade na Amazônia desde o início da década de 1970. O que mudou, entre as primeiras famílias assentadas e a política atual, foi a filosofia por trás dos programas de ocupação da região. De início, estimular a migração para a floresta, com ofertas de terras e crédito subsidiado, atendia a um conceito estratégico de ocupação da mata, uma decorrência demográfica do Brasil Grande dos governos militares.

A partir do final do século passado, essa política para a região amazônica foi tratada, entre outros aspectos, como um fator de despressurização social, com o deslocamento populacional para reparar “injustiças sociais” de outras regiões do país. Daí as ações de reforma agrária promovidas pelo Incra.

O que de comum existe entre os dois conceitos de ocupação do solo amazônico é um fenômeno deletério: os assentamentos tornaram-se grandes vetores de desmatamento. Estudos mostram que, ao longo destas décadas, colônias agrárias ampliaram a devastação da floresta. Na maioria dos casos, a derrubada da cobertura vegetal nativa serve ao propósito de viabilizar a agricultura itinerante e a pecuária extensiva.

Mas há outros ingredientes: em dificuldades financeiras, donos de terras de produção familiar se desfazem de suas propriedades, entregando-as a comerciantes locais, madeireiros etc., que nelas empregam suas peculiares normas de exploração econômica, em geral ao largo da legislação ambiental e sem grandes cuidados com o ecossistema.

Resultado dessa equação são os constantes relatos de decisiva participação dos assentamentos na devastação da Amazônia. O mais recente estudo das consequências desses ataques à floresta, divulgado há cerca de dez dias por uma revista especializada (“Plus One”), dá conta de que os campos de colonos são responsáveis por 13,5% de todo o desmatamento da floresta. Os biólogos Carlos Peres e Maurício Schneider chegaram a este índice após analisar dados de satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e mapas do Incra. Com base nessas informações, esquadrinharam as mudanças da vegetação amazônica nas últimas quatro décadas.

O estudo evidencia que a tendência de agravos à mata já se tornou crônica — portanto, com causas que não podem ser atacadas com medidas pontuais. O desmatamento não é localizado, logo combatê-lo implica algum tipo de mudança de paradigma nos programas de assentamento do Incra. Relatos de devastação em áreas ocupadas para que se alcancem metas de reforma agrária, permanente válvula de escape de fins mais eleitoreiros que sociais, vêm se tornando cada vez mais frequentes desde fins do século passado, às vezes com picos de recrudescimento, mas em geral numa curva de preocupante ascensão. É preciso preservar, com políticas públicas adequadas, a floresta de mais esse vetor de degradação.