Barbosa defende regra para corte de gastos, sem fixar teto

 

MARTHA BECK

O globo, n. 29954, 11//08/2015. Economia, p. 17

 

O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, defende a criação de regra para conter gastos, a ser acionada em caso de déficit excessivo nas contas públicas. Em entrevista a MARTHA BECK, Barbosa afirma que os cortes de despesas não podem ser lineares. -BRASÍLIA- Diante da arrecadação em queda livre e do Orçamento fortemente engessado, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, defende que os ajustes nas despesas sejam feitos de acordo com o perfil de cada uma delas. Em entrevista ao GLOBO, o ministro afirmou que cada gasto do governo tem uma dinâmica que precisa ser respeitada, e, por isso, não é possível simplesmente fixar um teto e passar a tesoura indiscriminadamente. A proposta de fixar um limite para o gasto tem sido defendida por analistas diante do agravamento da situação das contas públicas.

JORGE WILLIAM/18-06-2015Ajuste. Barbosa diz que cortes feitos agora vão se refletir nas contas daqui a dois ou três anos

— Tem gente que tem uma postura ingênua sobre o controle de gastos, que acha que o controle do gasto é simplesmente criar uma lei dizendo que ele não pode ultrapassar tantos por cento do PIB (Produto Interno Bruto). O gasto do governo é composto de vários itens, cada um deles com sua dinâmica própria. O que estamos propondo é ter uma regra de controle de gastos, de acordo com a especificidade de cada um deles — afirmou o ministro.

Ele citou como exemplo o mecanismo que existe nos Estados Unidos, onde o governo aplica cláusulas de cortes de despesas a partir do momento em que a dívida pública atinge um teto.

— Vários países têm isso. Se ocorrer um déficit excessivo, por exemplo, você aciona uma cláusula de cortes de gastos, mas não é um corte linear. Você começa a controlar. Primeiro vai na despesa discricionária. Por exemplo, se houver um déficit excessivo, automaticamente a despesa terá que ser igual à do ano anterior. Se não for suficiente, não pode ter aumento real de nenhum benefício ou salário e assim por diante — explicou Barbosa.

GASTOS OBRIGATÓRIOS EM FOCO

Essa é uma das discussões em curso na área econômica em meio à difícil tarefa de se efetuar um ajuste fiscal que depende de um Congresso em pé de guerra com o governo. Barbosa rebate as críticas de que a equipe econômica não tem se dedicado à reforma estrutural dos gastos públicos. O ministro lembrou que o governo tem um limite para atuar nas despesas, pois as discricionárias (gastos que não são obrigatórios) respondem por apenas 20% do total. Assim, é preciso ter ajuda do Legislativo para avançar:

— Do lado da despesa, é preciso atuar tanto sobre os gastos discricionários, como nós já atuamos, como sobre os gastos obrigatórios da União. Os gastos discricionários, que no ano passado estavam em 4,7% do PIB, este ano devem se situar em 4%. Nosso plano é manter isso ou continuar reduzindo nos próximos anos. Mas o gasto discricionário é no máximo 20% do total. Então é preciso atuar sobre os gastos obrigatórios da União. E qualquer mudança exige a atuação do Congresso Nacional.

Barbosa lembrou que o governo já propôs medidas que restringem o acesso a benefícios como o abono salarial e o seguro-desemprego. E, agora, trabalha para que o Congresso aprove a chamada fórmula 95/85 para a Previdência. Ela representa a soma da idade da pessoa e do tempo de contribuição. No caso dos homens, a combinação precisa ser de 95 anos, e, no caso das mulheres, de 85. O governo defende que esse valor possa ir subindo gradativamente, conforme o envelhecimento da população. O limite constitucional é de 100/ 90, mas poderia ser alterado para ser ajustado periodicamente.

No caso de pessoal, o ministro lembrou que o governo vem trabalhando para evitar a aprovação de propostas que concedem reajustes muito altos e elevam o teto salarial de várias categorias. A equipe econômica propõe para os servidores um reajuste de 21,3% em quatro anos.

— O segundo maior gasto primário depois da Previdência é o da folha de pagamento. Como todos podem perceber, esse é um esporte diário do ministro do Planejamento. Estamos em negociação com os nossos funcionários públicos, em negociação com o Poder Judiciário, em negociação com o Congresso para evitar a aprovação de medidas insustentáveis de remuneração. Tudo isso é parte de uma estratégia que tem por objetivo manter a folha de pagamento do governo estável ou decrescente em percentual do PIB — afirmou o ministro.

Barbosa destacou, ainda, que o governo reduziu os gastos públicos com subsídios. Houve aumento das taxas cobradas em programas como o de Sustentação do Investimento (PSI), do BNDES, do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), do Pronaf (voltado para a agricultura).

— Essas medidas vão reduzir os gastos do governo nos próximos anos. Nós estamos pagando mais de R$ 20 bilhões por ano em subsídios em função dos empréstimos subsidiados contratados no auge da crise. Essa decisão de agora vai se refletir mais fortemente a partir de dois ou três anos — afirmou ele.