Dirceu é acusado de criar esquema
Carolina Leal
04/08/2015
O ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, preso na manhã de ontem pela Operação Lava-Jato, é apontado pelo Ministério Público Federal como o responsável por instituir o esquema de corrupção na Petrobras, enquanto era ministro no governo Lula. De acordo com o que afirmaram os investigadores, Dirceu teria sido responsável pela indicação de Renato Duque e Paulo Roberto Costa a cargos de diretoria na estatal, dando início a um esquema que envolveria empresas, políticos e funcionários da Petrobras. Os dois se tornaram diretores em 2004. Dirceu foi ministro entre 2003 e 2005.
Para o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, Dirceu não só permitiu que o esquema ocorresse, replicando o "modus operandi" o de repasse de recursos públicos a políticos que marcou o escândalo do mensalão, como se beneficiou dele pessoalmente, inclusive após ser condenado pelo STF.
Dirceu teria atuado junto com o lobista e operador ligado ao PT Fernando Moura, também preso ontem. Moura é quem teria recomendado o nome de Duque ao ex-ministro. No despacho do juiz Sergio Moro cita corrupção passiva, lavagem de dinheiro e associação criminosa para embasar o pedido de prisão de Dirceu e Moura.
Para o procurador, depoimentos de delatores indicam que a partir do governo Lula a corrupção na Petrobras ficou mais "sistematizada" e "fácil de controlar". Além de Dirceu e Moura, foram presos também o irmão e sócio do ex-ministro, Luiz Eduardo de Oliveira e Silva, o ex-assessor de Dirceu Roberto Marques, conhecido como "Bob", Olavo de Moura e Pablo Kipersmit. A Justiça também bloqueou bens no valor de R$ 20 milhões para cada preso.
As investigações baseiam-se em documentos e delações do operador Milton Pascowitch e do lobista Julio Camargo e apontam que Dirceu teria recebido propina de empresas ligadas à Petrobras para facilitar contratos com a estatal.
O repasse de valores foi feito por depósitos à empresa de Dirceu, a JD Assessoria e Consultoria, pagamentos mensais em espécie diretamente ao ex-ministro ou a pessoas ligadas a ele, compra de imóvel em nome da filha do ex-ministro e até o pagamento de uma reforma em um apartamento usado por Dirceu. Segundo o MPF, o irmão do ex-ministro foi diversas vezes a empresas para receber dinheiro quando Dirceu já estava preso pelo mensalão.
Um fator decisivo para a prisão, mencionado por Camargo em sua delação, foi o pagamento de R$ 4 milhões em dinheiro vivo a Dirceu, que o lobista disse ter sido feito a pedido de Duque. A propina viria de empresas que atuam na área de prestação de serviços da Petrobras, a Hope e a Personal Service. Já Pascowitch mencionou, em delação, que Dirceu teria recebido ao menos R$ 1 milhão em pagamentos para facilitar contratos da empreiteira Engevix, também investigada na Lava-Jato, com a Petrobras.
O operador também citou o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto e relatou que ele recebia propina na sede do partido, em São Paulo. Por conta dessa delação, a operação também investiga diversos contratos com a estatal que resultavam em dois pagamentos de propina diferentes: um para a consultoria de Dirceu e outro para o ex-tesoureiro do PT, alimentando o caixa do partido.
O Ministério Público diz que entre 2006 e 2013, só a JD Consultoria recebeu R$ 29 milhões em pagamentos por supostos serviços prestados. Para a Lava-Jato, a origem dos valores é ilícita e configura lavagem de dinheiro.
A defesa de Dirceu vem sistematicamente negando as acusações. Ao longo da investigação, a defesa sempre argumentou que os pagamentos feitos a sua consultoria se referem a serviços prestados no exterior, em que ajudava empresas a prospectar negócios, e que não envolvia contratos com a Petrobras nem doações ao PT. Para a Polícia Federal, no entanto, a empresa nem teria nível técnico suficiente para prestar serviços tão abrangentes quanto os contratados. "A JD assessoria, de José Dirceu, não teve sequer uma prestação de serviços comprovada", afirma o delegado da PF Marcio Adriano Anselmo.
A 17ª fase da operação foi batizada de "Pixuleco", em referência ao termo que seria usado por Vaccari para pedir propina em forma de doação eleitoral oficial, segundo a PF. Nesta nova fase, os investigadores miram em pagadores e beneficiários de propinas no esquema da Petrobras. Celso Araripe D'Oliveira, funcionário da Petrobras, também foi preso ontem, mas em decorrência de investigações de fases anteriores da Lava-Jato.
Barroso autoriza transferência de ex-ministro para Curitiba
Maíra Magro,
Letícia Casado
Bruno Peres
O ministro do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso decidiu ontem à noite que o ex-ministro José Dirceu, preso ontem, em sua casa de Brasília, na 17ª fase da Operação Lava-Jato, será transferido para o Paraná, onde respondem ao processo os presos que não têm foro privilegiado. José Dirceu poderia seguir ontem à noite mesmo para Curitiba. Ao longo de todo o dia a questão alimentou discussões e pressões políticas para mantê-lo em Brasília, onde cumpre prisão domiciliar pelo envolvimento no escândalo do mensalão.
O juiz Sergio Moro, responsável pelos processos da Lava-Jato na primeira instância, havia pedido a transferência de Dirceu - como ele ainda cumpre pena determinada pelo STF por causa do esquema de corrupção no mensalão, cabia ao Supremo decidir onde Dirceu ficará preso. A defesa de Dirceu havia pedido para ele cumprir pena em Brasília, alegando que a decisão de Moro em prender o ex-ministro era desnecessária.
Barroso afirmou no despacho que essas razões não deveriam prevalecer. Segundo ele, as razões de Moro para decretar a prisão de Dirceu não se relacionam com o mensalão, e, portanto, o STF não teria que dar autorização para que a prisão fosse decretada. "Quanto aos demais pontos, entendo que a concentração dos atos de apuração criminal no foro do Juízo que supervisiona o inquérito é perfeitamente justificável, na medida em que é lá que se encontram em curso as investigações envolvendo as condutas imputadas ao sentenciado", escreveu Barroso.
Ao determinar a prisão preventiva do ex-ministro, Sergio Moro considerou seu "desprezo pela Justiça". Segundo ele, as provas indicam que Dirceu recebeu propina de empreiteiras mesmo enquanto cumpria pena no processo do mensalão. Já a defesa reclamou de atuação "política" no processo e disse que Dirceu é um "bode expiatório", entregue "como um grande prêmio" em um momento de "pressão popular".
Em sua decisão, Moro justificou que a prisão seria necessária para evitar "risco à ordem pública". Segundo ele, Dirceu "persistiu recebendo vantagem indevida durante toda a tramitação" da ação do mensalão. Ele concluiu que a conduta "caracteriza desprezo não só à lei e à coisa pública, mas igualmente à Justiça criminal e à Suprema Corte". E acrescentou: "Enquanto os eminentes ministros discutiam e definiam, com todas as garantias da ampla defesa, a responsabilidade de José Dirceu pelos crimes, o próprio acusado persistia recebendo vantagem indevida decorrente de outros esquemas criminosos, desta feita no âmbito de contratos da Petrobras".
Moro menciona que a JD Consultoria, empresa de Dirceu, teria recebido repasses de empreiteiras acusadas na Lava-Jato até 2014. "Há fundada suspeita de que esses contratos não refletem a prestação de serviços de consultoria reais".
No mensalão, o ex-ministro foi condenado a 7 anos e 11 meses de prisão por corrupção ativa, em julgamento finalizado em dezembro de 2012. Ele foi preso no dia 15 de novembro de 2013 e, em outubro do ano seguinte, obteve autorização do STF para cumprir pena em regime domiciliar, em Brasília. "A prova do recebimento de propina mesmo durante o processamento da Ação Penal 470 reforça os indícios de profissionalismo e habitualidade na prática do crime", escreveu Moro.
O advogado Roberto Podval, que defende Dirceu, alegou que não haveria fatos novos que justificassem a prisão. "A justificativa me parece muito mais política, como se precisasse dar uma lição. O que existe é uma antecipação de pena".
Podval sustentou que a empresa de consultoria do ex-ministro teve justificados todos os seus pagamentos. Segundo ele, os recursos recebidos por Dirceu, enquanto esteve preso em regime fechado, decorreram de contratos previamente estabelecidos".
Segundo delegados envolvidos na operação de ontem, Dirceu estava tranquilo no momento da prisão, pela qual já esperava. Ele recebeu roupas e lençol de sua esposa, Simone Patricia Pereira. Sua alimentação foi servida em marmita, como a de outros presos, porém sem sal. Não fez exame de corpo de delito porque seu médico particular forneceu um atestado dizendo que não havia nada de anormal em sua situação física, mas estava com pressão alta na hora da prisão. A expectativa era de que ele passaria a noite na carceragem da Polícia Federal em Brasília.
Valor econômico, v. 16, n. 3812, 04/08/2015. Brasil, p. A5