Contrapartida menor

 

O globo, n. 29953, 10//08/2015. Economia, p. 17

MARTHA BECK

 

Diante da crise econômica e dos impactos da Operação Lava- Jato no setor de infraestrutura, o governo federal estuda reduzir exigências a investidores em privatizações de rodovias e aeroportos. Uma das mudanças em análise é diminuir de 10% para 5% o percentual do trecho da estrada a ser duplicado para que a empresa possa começar a cobrar pedágio. - BRASÍLIA- Diante do agravamento da crise econômica e do impacto da Operação Lava- Jato no setor de infraestrutura, o governo estuda reduzir as exigências previstas nas privatizações da segunda fase do Programa de Investimento em Logística ( PIL 2). Na avaliação da área econômica, embora já exista um interesse genuíno pelos projetos do PIL 2, é preciso fazer ajustes que assegurem um nível mínimo de concorrência. Até agora, o governo recebeu nada menos que 414 Propostas de Manifestação de Interesse ( PMIs) para as obras de rodovias e aeroportos e aprovou 316. Mas esses pedidos não asseguram, na prática, a participação desses potenciais investidores nos leilões.

Uma das mudanças em estudo é diminuir a necessidade de investimentos dos grupos que vencerem as concessões de rodovias para a duplicação de estradas antes do início da cobrança de pedágios. Na proposta inicial, as empresas deveriam duplicar até 10% do trecho total num período mínimo de um ano para poder começar a cobrar as tarifas. Mas a Secretaria de Acompanhamento Econômico ( Seae) do Ministério da Fazenda já propôs à Agência Nacional de Transportes Terrestres ( ANTT) que o percentual seja reduzido pela metade, para 5%.

— Dadas as circunstâncias econômicas que a gente vive, valeria a pena considerar até que ponto se poderia flexibilizar algumas exigências — afirmou ao GLOBO o secretário de Acompanhamento Econômico, Paulo Corrêa.

A proposta foi apresentada formalmente na audiência pública do edital para a concessão da rodovia BR- 476, em Santa Catarina, mas a Seae defende que essa redução valha para todas as 15 rodovias incluídas no PIL 2.

SEGURO- GARANTIA MAIS FLEXÍVEL

Outra alteração proposta pela secretaria é a redução da exigência de aporte do segurogarantia durante o processo de construção das rodovias. Uma medida similar foi adotada pela Agência Nacional do Petróleo ( ANP) para os leilões da 13 ª rodada de campos de petróleo, previsto para outubro, tendo em vista o aumento do custo e a restrição de acesso a financiamento em razão da disparada dos juros.

Mesmo com a crise econômica, 50 diferentes grupos empresariais já indicaram vontade de elaborar estudos via propostas de manifestação de interesse para dez projetos de rodovias ( no mínimo 20 propostas para cada). Outros 11 grupos manifestaram interesse em relação a quatro aeroportos ( dez deles, em relação a todos). Entre os interessados estão ao menos 14 grupos com participação acionária estrangeira. Entre as empresas da LavaJato, apenas as concessionárias CCR e Invepar, com sócios envolvidos nas investigações, entraram no páreo para estudar os trechos.

Entre as rodovias, a que mais atraiu interesse até agora é o trecho da BR- 101 em Santa Catarina, com 36 pedidos de propostas de manifestação de interesse habilitadas pelo governo federal. Aquela que menos teve pedidos aprovados foi a estrada considerada o maior desafio de engenharia: a BR- 364, de Rondônia a Mato Grosso, com 20 pedidos. No caso dos aeroportos, dez grupos manifestaram interesse por Salvador, Fortaleza, Florianópolis e Porto Alegre e uma consultoria conseguiu habilitação para estudar unicamente o aeroporto de Florianópolis.

Segundo o secretário do Programa de Aceleração do Crescimento ( PAC), Maurício Muniz, o grande número de propostas de manifestação de interesse é uma sinalização importante de que o PIL 2 é um programa atraente para o setor privado. Ele lembrou que uma proposta de manifestação de interesse representa um estudo de viabilidade dos projetos e tem custos para ser elaborada. Apenas a empresa cujo estudo for selecionado para embasar os leilões será ressarcida pelo vencedor da concorrência.

— O autor da proposta de manifestação de interesse sabe que só vai ter retorno se a concessão der certo. Portanto, ele vai apostar em projetos que tenham atratividade — afirmou Muniz.

Para o secretário Paulo Corrêa, a demanda mostra que o governo está agindo no caminho certo:

— Não chega a ser uma surpresa porque foi feito um esforço nessa direção. São aeroportos em funcionamento e duplicação de rodovias. São bons ativos. As taxas internas de retorno foram bem recebidas pelo mercado. O programa foi feito para ser market friendly. É uma primeira demonstração de que a gente está no caminho certo.

Corrêa e Muniz admitem que os efeitos da Lava- Jato podem afetar a capacidade das grandes empreiteiras de competirem pelas obras do PIL 2, mas lembram que isso abriu oportunidades para a entrada de novos competidores no mercado, inclusive estrangeiros. Empresas de cinco países ( Reino Unido, Espanha, França, Estados Unidos e Argentina) apresentaram propostas de manifestação de interesse para os aeroportos, por exemplo.

DE OLHO EM ESTRANGEIROS

Foram apresentadas cem propostas de manifestação de interesse pelos terminais, sendo a maioria para Fortaleza e Salvador, e 41 foram aceitas. No caso das rodovias, a maior demanda foi pelo trecho de Santa Catarina na BR- 101.

— Como esse exemplo ( das propostas de manifestação de interesse) mostrou, vão surgir outras empresas ( além daquelas envolvidas na Lava- Jato) interessadas nesses leilões. O lado bom, se é que tem, é que vai haver muita oportunidade para novos entrantes, sejam internacionais, sejam domésticos, por pequenas que se juntam ou crescem. Não vai acontecer da noite para o dia, mas à medida que essas oportunidades estejam bem claras, vão começar a perceber a oportunidade, inclusive na área de construção — lembrou Paulo Corrêa, reforçando ainda: — Na medida em que seja bom para o país facilitar ainda mais a entrada de empreendedores estrangeiros, essas medidas ( de alteração dos editais) podem ser consideradas para promover mais concorrência nesse setor.

Os integrantes do governo sabem, porém, que a indicação de manifestação de interesse das empresas neste momento não implica, necessariamente, participação até o fim do processo e que muitas só oferecerão projetos ou serviços de consultoria, sem previsão de atuação nos leilões.

A Strata, consultoria que está habilitada a oferecer cinco estudos, reconhece que só poderá fazê- los integralmente se contar com novos investidores, segundo informou o gerente comercial Bernard de Assis Granja Campos. A Toniolo Busnello, que já atua em concessões de rodovias e se propôs a estudar a estrada do Rio Grande do Sul, também prevê uma análise criteriosa a partir dos estudos para, junto com eventuais parceiros, decidir sobre a viabilidade do negócio.

— Por enquanto, tivemos apenas um enunciado com a decisão política de se fazer as concessões. Agora é que entra a engenharia, quando vamos avaliar as oportunidades — disse Humberto Busnello, sócio- diretor da construtora.