Alheia às pressões

 

SIMONE IGLESIAS, GABRIELA VALENTE, DANILO FARIELLO E JÚNIA GAMA

O globo, n. 29953, 10//08/2015. País, p. 3

 

Na contramão dos pedidos da base aliada, ela não aceita mudanças, volta a falar na legitimidade do mandato e deixa sem resposta perguntas sobre corte nos ministérios

AILTON DE FREITAS/ 06- 08- 2015Futuro. Dilma: esta semana, a presidente enfrenta no Congresso temas espinhosos, com o risco de a União ser obrigada a ter novos gastos

A pressão dos aliados não surtiu efeito. Em reunião com 13 ministros, ontem, no Palácio da Alvorada, a presidente Dilma Rousseff frustrou a expectativa da base e ignorou a discussão em torno de uma reforma ministerial. A medida era considerada, por aliados, essencial para reconstruir a governabilidade. A presidente afirmou aos ministros que atuará na articulação política, conversando diretamente com os partidos. A reunião abre uma semana que deve elevar a tensão com a Câmara, onde serão votadas pautas- bomba que preocupam o governo. Antes do encontro, aliados pediram uma “revolução” no governo, e o líder do PMDB, Leonardo Picciani, disse que, sem mudanças imediatas, uma saída do partido da base seria o “caminho natural”. - BRASÍLIA - Imersa em uma crise política e econômica, apesar do aumento da pressão dos aliados por medidas concretas de reestruturação do governo, a presidente Dilma Rousseff sinalizou apenas com a necessidade de aumento do diálogo. Após três horas de reunião no Palácio da Alvorada, com o vice- presidente Michel Temer e 13 ministros, Dilma decidiu ontem fazer reuniões individuais com os partidos aliados, assumindo a linha de frente da articulação política junto ao vice. Segundo relatos de ministros ao GLOBO, a presidente se mostrou otimista que conseguirá vencer a crise política e cumprirá seus quatro anos de mandato.

A redução do número de ministérios foi um dos pontos da reunião. No entanto, não houve avanço. Ao menos dois cenários vêm sendo discutidos internamente: um mais brando, que diminui dos atuais 39 para 29 pastas e outro mais drástico, cortando para 24 ministérios. Um auxiliar presidencial afirmou que num grupo mais restrito dentro do governo, a reformulação vem sendo discutida.

Enquanto mudanças concretas não são anunciadas, Dilma disse aos ministros que cobrará que eles garantam o voto de seus deputados e senadores no Congresso. Segundo relatos de integrantes do governo, ela reclamou da falta de fidelidade das bancadas.

— A presidente vai liderar um amplo diálogo com as bancadas, com os partidos, empresários, movimentos sociais. Vai percorrer o país e não há chance de renunciar — disse o líder do governo na Câmara, José Guimarães ( PT- CE), ao sair da reunião.

O ministro Edinho Silva ( Comunicação Social) afirmou que o Executivo reconhece as dificuldades políticas e econômicas, mas que serão superadas em um curto espaço de tempo.

— Não estamos negando as dificuldades. Estamos reconhecendo, mas temos certeza que serão superadas com diálogo — disse ao deixar a reunião.

Edinho afastou qualquer possibilidade de Dilma deixar a Presidência antes de 2018.

— A presidente foi eleita para cumprir quatro anos de mandato e o Brasil é exemplo de democracia para o mundo. Não podemos brincar com a democracia — afirmou.

Na reunião, o mais exaltado era o ministro Miguel Rossetto, da Secretaria Geral da Presidência. Repetindo uma cobrança insistente dos petistas e do ex- presidente Lula, Rossetto disse que a retomada do diálogo com os movimentos sociais é o ponto central para resolver a crise de baixa popularidade da presidente Dilma e reaproximar o partido das bases. Na quarta- feira, Dilma participará da Marcha das Margaridas, com cerca de 50 mil mulheres sem terra na Esplanada. Dilma também terá reuniões com lideranças das centrais sindicais esta semana.

Todos os participantes da reunião se esforçaram para desfazer o clima de mal- estar entre Dilma e Temer, depois que o vice declarou que era necessária uma pessoa para unificar o país.

PERSPECTIVAS SOMBRIAS ENTRE ALIADOS

Nesta segunda semana de trabalhos legislativos, as perspectivas de parlamentares da base aliada são sombrias em relação à situação do governo. A análise coletiva entre os deputados é que, sem uma ampla reforma ministerial, nada irá melhorar.

O líder do PMDB, Leonardo Picciani ( RJ), defende ações imediatas por parte de Dilma, sob risco de desmoronamento do que resta de apoio ao governo no partido.

— Decisões precisam ser tomadas quase de imediato. O quadro está muito agravado. Hoje, a maioria da bancada do PMDB não é favorável a deixar a base. Mas, no ritmo que as coisas vão, esse vai ser o caminho natural — pontuou.

Há entre os deputados aliados ao governo a convicção de que vários dos ministros que foram nomeados por Dilma em nome das bancadas dos partidos não representam de fato seus interesses.

— Havia uma expectativa de que as questões partidárias de espaço fossem resolvidas no recesso. Muitos líderes estão reclamando que, apesar dos apelos, não conseguem controlar a base porque as demandas não são atendidas e a economia não responde ao ajuste — afirmou Maurício Quintella ( PR- AL).

O líder do PDT, André Figueiredo ( CE), que na semana passada anunciou a decisão da bancada de se declarar independente, critica a dificuldade do governo em se antecipar às negociações dos projetos que estão para ser votados.

— O problema é a inércia, o governo só age no limite. Não basta uma reforma, é quase uma revolução. Uma grande transformação em todos os setores de seu governo — disse o líder do PDT.

A partir desta semana, são várias as pautas- bomba que devem entrar na votação da Câmara. Além da apreciação das contas de 2014 da presidente, que podem ser rejeitadas pelo TCU e podem desencadear um processo por crime de responsabilidade se o Congresso confirmar a decisão da Corte, há pedidos de impeachment pendentes de análise. O Congresso também irá analisar vetos como o da alteração do fator previdenciário, o do aumento do Judiciário e o da equiparação do aumento do salário- mínimo às aposentadorias. Além disso, devem entrar na pauta medidas do pacto federativo que podem onerar mais a União para beneficiar estados e municípios.

 

Hora de ‘ sangue frio e fígado na geladeira’

 

FERNANDA KRAKOVICS

Ex- ministros da articulação política afirmam que a raiz da atual crise com a Câmara e do esfacelamento da base aliada é a falta de “apetite político” da presidente Dilma, que tem um perfil mais técnico. Eles dizem que é preciso fortalecer o vicepresidente Michel Temer no comando da articulação política, e que a situação chegou a tal ponto que, em nome da responsabilidade com o país, os líderes têm que dialogar. Para esses ex- ministros, é preciso ter tranquilidade.

— A questão da relação política depende do apetite político de quem governa. No governo Lula, estava atrás de nós alguém que gostava de política. O Lula conversava com deputados e senadores de forma espontânea. A presidente é uma gestora, gosta de coisas que dependem menos de pessoas — disse um ex- ministro da articulação política do governo Lula, para quem a deterioração da relação entre o Legislativo e o Executivo é tão grande que a reconstrução é “muito difícil”.

Walfrido dos Mares Guia, ministro das Relações Institucionais no segundo governo Lula, defende que se dê mais poder a Temer. Ainda de acordo com Walfrido, o vice deveria ter prazo de um mês e meio a dois para acertar:

— Como a temperatura está alta, é necessário tranquilidade e um mínimo de tempo para atuar, para fazer a acomodação da base. Ele ( Temer) tem de um mês e meio a dois para fazer essa acomodação. O Temer tem que ter um empoderamento como articulador.

O vice costuma reclamar que o ministro Aloizio Mercadante ( Casa Civil) sabota acordos fechados por ele de nomeações para cargos federais, e que o ministro Joaquim Levy ( Fazenda) barra a liberação de emendas parlamentares.

Agora, o vice convive ainda com a desconfiança de ministros do PT, que o acusam, em reuniões internas, de conspirar contra Dilma. O motivo foi a declaração de que “alguém” precisa unir o país — o que foi lido por petistas como uma admissão explícita de que Dilma não teria como cumprir esse papel. A interpretação foi de que o peemedebista estava se credenciando para o cargo, em meio a articulações da própria base aliada para que a presidente não termine o mandato.

O ex- ministro Alexandre Padilha, também articulador político no 2 º governo Lula, disse que o governo deve aproveitar a derrota sofrida na Câmara, semana passada, para chamar empresários, trabalhadores, sociedade civil, movimentos sociais e a classe política e construir uma pauta que permita ao país enfrentar a crise econômica.

Apesar dos apelos de Temer e do ministro Nelson Barbosa ( Planejamento), a Câmara aprovou, em 1 º turno, proposta de emenda constitucional que vincula os salários da AdvocaciaGeral da União à remuneração dos ministros do Supremo, que é de R$ 33,7 mil.

Padilha também defendeu que a presidente viaje pelo país. Atendendo conselhos do ex- presidente Lula, Dilma começou uma rodada de viagens pelo Norte e Nordeste, na tentativa de recuperar sua popularidade.

— A instabilidade política e a insegurança econômica não são boas para ninguém, nem governo, oposição, empresários nem trabalhadores. A 1 ª coisa é respeitar as instituições. Tem um voto popular que tem que ser respeitado. E ter uma pauta legislativa que ajude o país a enfrentar a crise econômica internacional. Não é hora de interesses corporativos ou específicos se sobreporem — disse Padilha, que é secretário de Relações Governamentais da Prefeitura de São Paulo.

Ex- ministros foram unânimes em recomendar tranquilidade.

— Na política tem que ter sangue frio e fígado na geladeira — afirmou Padilha.

Atual ministro das Comunicações e ex- ministro da articulação política no governo Dilma, Ricardo Berzoini disse que essa tarefa tem que ser de todos, e não só de Temer.

— O desafio da articulação é sempre complexo, especialmente no quadro de fragmentação partidária do Brasil. É um esforço que não pode se restringir a quem está responsável por ele. Tem que ser tarefa de todos, ministros, deputados e senadores experientes. E da presidente. Berzoini também pregou serenidade: — Sou seguidor das orientações de Paulinho da Viola: “Faça como o velho marinheiro, que durante o nevoeiro, leva o barco devagar” — brincou, citando um trecho da música “Argumento”.

Para Walfrido, é preciso entender que, independente do governo, determinadas medidas de “saneamento econômico” têm que ser feitas:

— Estamos em um quadro de temperatura e pressão altas, mas ninguém está à beira da morte.