Câmara pede ao STF para anular provas contra Cunha

 

CAROLINA BRÍGIDO, ANDRÉ DA SOUZA E MARIA LIMA 

O globo, n. 29953, 10//08/2015. País, p. 10

 

A Câmara pediu ao Supremo Tribunal Federal a anulação das provas que integram o inquérito aberto contra o presidente da Casa, Eduardo Cunha, no âmbito da Lava- Jato. Segundo o advogado- geral da União, Luís Inácio Adams, a ação foi proposta pela AGU a pedido da Presidência da Câmara. Cunha disse desconhecer a ação. - BRASÍLIA- A Câmara dos Deputados entrou com recurso no Supremo Tribunal Federal ( STF) para pedir a anulação de provas que incriminam o presidente da Casa, Eduardo Cunha ( PMDBRJ). Os documentos foram colhidos em maio na Câmara e hoje integram o inquérito aberto no tribunal contra o parlamentar. Cunha é investigado por suposto recebimento de propina para permitir a contratação de naviossonda pela Petrobras. Investigado na Operação Lava- Jato, ele teria utilizado requerimentos na Câmara para pressionar empresas a retomarem os pagamentos de suborno. Segundo a Câmara, o ministro Teori Zavascki, relator do caso no STF, violou a imunidade do Legislativo ao autorizar a ação sem pedir permissão para a Câmara.

GIVALDO BARBOSA/ 06- 08- 2015Lava- Jato. Eduardo Cunha, presidente da Câmara: acusado de ter pedido pessoalmente US$ 5 milhões em propina para o delator Julio Camargo

O recurso é assinado pelo advogadogeral da União substituto, Fernando Luiz Albuquerque Faria. Embora tenha poderes para atuar em nome da Câmara, não é comum a Advocacia Geral da União ( AGU) ajuizar esse tipo de recurso. O GLOBO perguntou a Cunha por que acionou a AGU, uma estrutura pública, já que o parlamentar contratou advogado próprio para atuar no STF. Cunha, então, disse que não sabia da existência desse recurso.

— Nem sei de ação. Desconheço. Eu, da minha parte, não preciso de nada da Câmara para atuar em minha defesa. Já tenho um excelente advogado para atuar — disse Cunha, referindo- se a Antonio Fernando de Souza, que foi procurador- geral da República e, no cargo, denunciou a cúpula do governo Lula ao STF.

O advogado- geral da União, Luís Inácio Adams, desmentiu Cunha:

— O agravo foi apresentado ao STF a pedido da Presidência da Câmara.

Mais tarde, pelo Twitter, Cunha disse não lembrar se a Câmara fez ou não pedido: “Como faz tanto tempo do fato, sinceramente não tenho condições de afirmar se na época a Câmara solicitou algo”. Antes, também pela rede social, Cunha levantou suspeitas sobre a ação da AGU, três meses depois do auto de apreensão na Câmara. E insistiu que a AGU, institucionalmente, não depende de autorização da Câmara para entrar com esse tipo de ação em defesa do Legislativo.

No início de maio, a pedido do procurador- geral da República, Rodrigo Janot, foi feita coleta de documentos no setor de informática da Câmara. O objetivo era saber a origem de requerimentos apresentados pela ex- deputada Solange Almeida. A suspeita dos investigadores é de que ela teria feito isso a pedido de Cunha, escondendo o real interessado nos requerimentos.

No recurso, o advogado ressalta que a imunidade está assegurada na Constituição. Ele afirma que as buscas ferem o princípio da separação dos Poderes e pede que as provas sejam desconsideradas. No documento, a AGU diz que não tem por objetivo embaraçar a condução do inquérito contra Cunha, nem defendê- lo: “A Câmara dos Deputados atua aqui em nome próprio, na defesa das próprias prerrogativas constitucionais do Poder Legislativo, não em favor de interesse particulares”, informa a AGU.

Diz ainda que o ministro Teori violou a prerrogativa parlamentar de não testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato. “Para justificar verdadeira devassa nos sistemas informatizados da Câmara, o Procurador-Geral da República não escondeu que seu verdadeiro propósito era o de perquirir a ‘ real autoria dos requerimentos’”, diz trecho do documento.

Cunha foi acusado pelo delator Julio Camargo, consultor das empreiteiras Toyo Setal e Camargo Corrêa, de ter pedido pessoalmente a ele US$ 5 milhões. Segundo Camargo, ele foi pressionado por Cunha a pagar, no total, US$ 10 milhões em propinas referentes a dois contratos de US$ 1,2 bilhão de navios- sonda, assinados pela Petrobras entre 2006 e 2007.

 

‘A verdade nua e crua é que não existe base do governo’

 

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), voltou à carga contra o governo, ontem pela manhã. Ele negou, por meio de sua conta no Twitter, que tenha se tornado “vilão das contas públicas” e atribuiu ao próprio Planalto a responsabilidade pela crise política.

Também na rede social, publicou: “A verdade nua e crua é que não existe base do governo ( sic) escondidos de fazer o papel do governo”.

Cunha rompeu com o Planalto após ser citado em delação premiada da Lava- Jato. Ele vem patrocinando a pauta- bomba na Câmara, com propostas que desagradam ao governo, o que inclui o aumento de gastos.

Em sua conta no Twitter, Cunha afirmou que não é dono dos votos dos deputados e ressaltou que jogar nele a culpa pelas derrotas do governo é o mesmo que não querer enfrentar o problema. Para ele, o governo continuará sendo derrotado, caso não reagrupe a maioria no Congresso.

“Sem reagrupar a sua base e constituir uma maioria sólida, o governo continuará com problemas e sofrendo derrotas”. “A tentativa de alguns de me colocar como vilão das contas públicas por retaliação ao governo não tem amparo na realidade dos fatos”, disse Cunha.

Ao GLOBO, Cunha criticou a articulação de Dilma para tentar isolar a Câmara, fazendo um pacto com partidos, para segurar, no Senado, as bombas fiscais aprovadas na Casa:

— Não adianta fazer um cavalo de batalha e tentar isolar a Câmara, dizer que a Câmara está sabotando o ajuste e o Senado ajudando. Votamos todas as matérias do ajuste. O problema é que o ajuste é fraco, o governo não consegue implementá- lo, não dá resultado, e querem culpar a Câmara. Se querem saber, pelas coisas que o governo manda, eu até segurei muito.

 

Mais dois ministérios na mira da Lava-Jato

 

GERMANO OLIVEIRA

As investigações da Operação Lava- Jato chegarão agora aos ministérios do Planejamento e da Previdência. Segundo um dos delegados da Polícia Federal que integram a força- tarefa da Lava- Jato, o empresário Pablo Kipersmit, presidente da Consist Informática, preso em Curitiba desde a última segunda- feira, disse em depoimento que pagou à Jamp de Milton Pascowitch R$ 10,7 milhões por consultoria ao Ministério da Previdência.

— O contrato foi de fachada, e Pascowitch teria facilitado os contatos da Consist com a Previdência. O que nós sabíamos, no entanto, é que a Consist tinha relações com o Ministério do Planejamento. Por isso, estamos tentando mapear a origem do dinheiro da Consist — disse o delegado Márcio Anselmo.

De acordo com as investigações que levaram Kipersmit à prisão, a PF e Ministério Público Federal sabiam que a Consist foi escolhida, sem licitação, para ser gestora do sistema de pagamentos consignados de servidores federais. A escolha ocorreu via acordo celebrado pelo Ministério do Planejamento e Gestão com a Associação Brasileira de Bancos ( ABBC) e o Sindicato das Entidades Abertas de Previdência Privada ( Sinapp) em 2010.

Para facilitar a execução desse negócio, a Jamp repassou os R$ 10,7 milhões ao ex- tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, entre 2011 a 2013, conforme revelou Pascowitch em sua delação premiada. O empresário admitiu que o contrato com a Consist era fictício e que o objetivo era repassar o dinheiro para o PT, que recebeu esses valores diretamente ou por emissários indicados por ele. A PF deve pedir a quebra de sigilo fiscal e bancário da Consist para esclarecer os recebimentos do dinheiro da empresa.