O Estado de São Paulo, n. 44506, 25/08/2015. Política, p. A5

Planalto decide cortar dez ministérios

Erich Decat

Daniel Carvalho

 

O anúncio de que a presidente Dilma Rousseff fará uma reforma administrativa, com redução de ministérios e corte de cargos comissionados, pegou integrantes da base do governo no Congresso de surpresa e abriu um novo foco de tensão na já conflagrada relação dos aliados com o Palácio do Planalto. A oposição, por sua vez, criticou o “atraso” da medida.

O principal motivo para a apreensão na base foi a insegurança gerada com a decisão, uma vez que não foram informadas quais serão as pastas e os cargos sob risco de extinção. Por isso, aliados passaram a defender o PT como maior alvo dos cortes, já que se trata do partido com mais pastas na Esplanada. Houve críticas também ao momento do anúncio – mesmo dia em que o vice-presidente Michel Temer deixou a articulação política do governo. Amedida motivou ate o discurso de quem quer deixar a base.

Para o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o anúncio serviu apenas para criar um fato político a fim de tentar sobrepor as notícias ruins da área econômica. “Foi um anúncio atabalhoado, porque não tinha uma decisão tomada. Queriam criar um fato político”, afirmou o peemedebista.

Cunha voltou a defender a saída do PMDB dos ministérios que estão sob seu comando. “Todos (os partidos) deveriam entregar (ministérios), todos deveriam reduzir. O PMDB deveria ser o primeiro a entregar todos, não só a redução proporcional, deveria sair da base do governo.”

O partido indicou sete ministros: Minas e Energia, Agricultura, Turismo, Pesca, Aviação Civil, Portos e Assuntos Estratégicos. Além disso, a Secretaria de Relações Institucionais está sob responsabilidade da legenda. “O poder ninguém entrega olimpicamente”, disse ao Estado o titular da Secretaria de Aviação Civil,Eliseu Padilha, braço direito de Temer na articulação política.

Estaca zero. Com a sinalização de que haverá redefinição dos espaços de cada legenda, lideranças da base consideram que voltarão à estaca zero as negociações iniciadas nos últimos meses em tomo das indicações do segundo e terceiros escalões e da liberação de emendas parlamentares.

No Planalto, a explicação para deixar para setembro o anúncio de quais pastas serão extintas é ganhar tempo para a negociação com os afiados e, com isso, tentar reorganizar a base.

Líderes aliados lembram, por sinal, que é preciso antes de tudo definir quem conduzirá as novas rodadas de negociações, uma vez que Temer comunicou ao Planalto que deixará o “varejo” da articulação política e passará a atuar em “grandes temas” e discussões institucionais. O primeiro gesto de afastamento deverá ser concretizado em setembro, quando Temer passará uma semana longe do Congresso, em atividades na Rússia e na Polônia.

Padilha assegura que deixará a atual função na articulação política até setembro, quando Dilma deve concluir os estudos da redução dos ministérios. A ideia é que o ministro se atenha à pasta da Aviação Civil.

“Precisamos aguardar as definições a respeito da coordenação e articulação política do governo para que a base não se desestabilize mais”, afirmou o líder do PSD, Rogério Rosso (DF). O partido pode perder a Secretaria de Micro e Pequenas Empresas, comandada por Guilherme Afif Domingos.

Também estão sob risco outras secretarias com status de ministério, comandadas por PT e PMDB. No caso dos peemedebistas, eles podem perder Assuntos Estratégicos, Portos, além do Ministério da Pesca. Já os petistas podem ter a Secretaria-Geral e a de Direitos Humanas fundidas.

O líder do PT na Câmara, Sibá Machado (AC), reconheceu que haverá pressão de afiados para que o partido seja o principal alvo dos cortes. “E uma conta que, para fechar, vai precisar de muita conversa”, disse.

“A gente está disposto a colaborar com a arrumação, mas é importante que (o corte) seja feito em todos os espaços, de todos os partidos”, afirmou o líder do PP, Eduardo da Fonte (PE).

O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), admitiu que Dilma “surpreendeu a todos” com o anúncio, mas tentou contemporizar a insegurança dos líderes diante das especulações sobre os cortes. “Vamos abrir o debate. O governo jogou uma grande ideia”, afirmou. “A presidente não está tomando nenhuma decisão de forma autoritária nem impessoal.” Para o presidente do PSDB e candidato derrotado por Dilma na eleição do ano passado, senador Aécio Neves (MG), a presidente “se rendeu ao óbvio” ao anunciar o corte com “injustificado atraso”. “A redução de ministérios e cargos é necessária, mas melhor seria se realizada com convicção, e não por um governo em busca de algum oxigênio para continuar a existir”, criticou Aécio, que lembrou ter defendido a medida na campanha, mas foi contestado pela então candidata à reeleição. / colaboraram DAIENE CARDOSO, RICARDO BRITO e RICARDO GALHARDO

 

• Resistência
“O poder ninguém entrega olimpicamente”
Eliseu Padilha
MINISTRO DA SECRETARIA DE AVIAÇÃO CIVIL (PMDB)

“É uma conta (reforma ministerial) que, para fechar, vai precisar de muita conversa”
Sibá Machado
LÍDER DO PT NA CÂMARA (AC)

 

 

PARA ENTENDER
Rateio de pastas tem efeito menor


A presidente Dilma Rousseff vai cortar o número de ministérios em um momento em que há sinais de esgotamento do sistema de cessão de cargos no primeiro escalão do governo em troca de apoio político no Congresso Nacional – um dos fundamentos do modelo chamado presidencialismo de coalizão.

Segundo levantamento realizado pelo Estadão Dados, nunca foi tão fraca a correlação entre a ocupação de cargos no Executivo e a forma de atuação dos partidos no Legislativo. Das sete legendas que nomearam ministros em 2011, no início do primeiro mandato de Dilma, seis integravam o chamado “núcleo duro” da presidente na Câmara dos Deputados, com índice de governismo superior a 90 pontos, em uma escala que vai de zero a 100: PT, PC do B, PR, PMDB, PP e PSB.

Hoje, apenas o PT mantém sua fidelidade superiora 90%, segundo o Basômetro, ferramenta online que mede o governismo de partidos e parlamentares no Congresso.

 

Governo fará análise política da redução

BRASÍLIA

Pressionado pelo PMDB a cortar gastos “na própria carne”, o Palácio do Planalto anunciou ontem que vai promover uma ampla reforma administrativa, que prevê a extinção de dez ministérios, redução de cargos comissionados, racionalização da máquina pública e até a venda de imóveis da União. Conforme antecipou o Estado, a presidente Dilma Rousseff decidiu dar aval a um corte no número de ministérios com o objetivo de atender a apelos pelo enxugamento da máquina e redução de despesas.

Nos próximos dias, lideranças políticas dos partidos serão consultadas sobre eventuais cortes de estruturas que não sejam essenciais para o funcionamento do governo. A ideia inicial é extinguir ou fundir Pesca e Aquicultura (PMDB) e Gabinete de Segurança Institucional (GSI), além das secretarias de Assuntos Estratégicos (PMDB), Portos (PMDB) e da Micro e Pequena Empresa (PSD). Também está em estudo a fusão da Secretaria-Geral da Presidência (PT) com a Secretaria de Direitos Humanos (PT), comandadas por ministros petistas da mesma corrente (Democracia Socialista): Miguel Rossetto e Pepe Vargas.Os ministérios do Desenvolvimento Social e do Desenvolvimento Agrário, ambos com titulares do PT, também poderão virar uma pasta só. O corte deverá preservar as secretarias da Igualdade Racial e de Políticas para as Mulheres.

“Dentro dos ministérios e órgãos, haverá uma racionalização da máquina pública”, disse o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa.

Em toda a estrutura federal há 22 mil cargos comissionados, dos quais 74% são servidores. Assim, há 5,7 mil funcionários federais que podem, efetivamente, ser demitidos. Dentro desse universo menor é que o governo deve aplicar um corte de mil a 2 mil comissionados. / RAFAEL MORAES MOURA, VERA ROSA, RICARDO BRITO, ADRIANA FERNANDES, JOÃO VILLAVERDE, ISADORA PERON e BERNARDO CARAM

 

Economia não é significativa, afirma especialista

Mariana Durão / RIO

A decisão do governo de reduzir o número de ministérios e cargos comissionados para enxugar a máquina pública é positiva, mas está longe de trazer uma economia significativa para o ajuste fiscal, disse o economista Mansueto Almeida.

“Vai na direção correta e é bom. Mas não significa que estaremos mais perto de cumprir a meta fiscal neste ano ou no próximo, porque o buraco é muito grande. Só de subsídios atrasados, o governo pagou em julho R$ 7 bilhões. Isso dá uma ideia de como o ajuste será difícil”, afirmou Almeida, especialista em finanças públicas.

Segundo ele, desde o início das gestões petistas no governo federal, em 2003, foram criados mais 4.400 cargos em comissão no País – dados até abril de 2015. Pelos cálculos do economista, ainda que todos esses cargos fossem extintos, voltando ao patamar de 2002, a economia anual seria de R$ 600 milhões. O montante representa apenas 0,27% dos gastos do governo com pessoal no ano passado.

Segundo o economista, as pastas da Saúde, Educação, Previdência, Trabalho e Ministério do Desenvolvimento Social concentraram 85% dos gastos de custeio do governo federal em 2014. Somados os ministérios da Fazenda, Defesa, Agricultura e Ciência e Tecnologia chega-se a 90% das despesas de custeio dos 39 ministérios do governo Dilma Rousseff. Como dificilmente essas pastas serão extintas, o indicativo é de uma economia pequena.

Boa parte do pessoal nos ministérios tende a ser realocada. Em 2014, as despesas de custeio do governo somaram R$ 733,7 bilhões, dentro de um gasto público total de R$1,031 trilhão.