Ajuste fiscal não prejudicou área da saúde, diz ministro

Juliano Bastile 

13/08/2015

O ministro da Saúde, Arthur Chioro, disse aoValor que o setor não foi prejudicado pelo ajuste fiscal, já que possui a garantia de verbas pela Emenda Constitucional 29, que prevê a transferência de percentuais fixos do Orçamento para a saúde. "Tivemos o nosso recurso bastante preservado, pois se respeitou a regra do jogo." De acordo com a Emenda Constitucional 29, aprovada em 2000, a União deve transferir 5% a mais sobre os valores destinados a cada ano de acordo com correção pela variação nominal do PIB.

"Nós temos aquilo que vem sendo praticado desde 2000. Ano a ano, o Congresso aprova o orçamento acima do que a emenda preconizou e a liberação de recursos sempre ficou restrita. Agora, é a primeira vez que temos um valor a mais", explicou Chioro, após abrir seminário sobre a indústria farmacêutica brasileira e a agenda para a inovação do setor, promovido ontem pelo Valor, em Brasília.

Segundo ele, a Saúde tem R$ 3,1 bilhões a mais do que a previsão dada pela emenda constitucional. "Houve R$ 11 bilhões de contingenciamento. Para nós, não é que não afetou. Claro que afeta, pois você tem um momento de expansão do Sistema Único de Saúde (SUS), investimentos em hospitais, em unidades de pronto-atendimento. Mas não posso atribuir ao ajuste, ao contingenciamento, um impacto efetivo, porque a regra do jogo é a mesma que é praticada há 15 anos e tivemos R$ 3,1 bilhões a mais", disse Chioro.

O ministro confirmou que o governo vai gastar mais de R$ 2,5 bilhões com o Programa Farmácia Popular. Segundo ele, atualmente são atendidos 34,3 mil estabelecimentos credenciados, beneficiando 4.111 municípios. O Farmácia Popular atinge 32 milhões de pessoas e engloba 113 itens na rede pública de saúde.

Nos últimos três anos, o ministério investiu R$ 5,7 bilhões no programa. Chioro explicou que há também uma economia de gastos no sistema. De acordo com o ministro, o programa envolve compras centralizadas em comum acordo com os municípios, que resultaram em economia de R$ 1,3 bilhão entre 2010 e 2014.

O ministro afirmou que o financiamento para a assistência farmacêutica cresceu 70% nos últimos três anos. Os investimentos no setor saltaram de R$ 8,4 bilhões, em 2011, para R$ 14,3 bilhões, em 2014. "A ampliação do acesso com o aumento do gasto abarca o melhor poder de custo e o melhor poder de compra", ressaltou.

Segundo Chioro, houve um crescimento de 52%, entre 2010 e 2013, no número de medicamentos ofertados pelo SUS. Desde a criação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), em 2011, 133 novos produtos foram incorporados. O SUS passou de 550 para 840 itens nos últimos quatro anos.

Dos R$ 2 bilhões inicialmente previstos inicialmente para o Programa para o Desenvolvimento do Complexo Industrial de Saúde (Procis), em 2012, houve a aplicação de R$ 689 milhões. Desse montante, houve a execução de 88% entre 2012 e 2014, disse Chioro.

"O programa obteve quatro vezes mais recursos e queremos manter esse grau de investimento, pois consideramos isso muito importante", enfatizou o ministro. Para ele, a agenda do complexo industrial, apesar de distante da gestão de saúde nos 5.570 municípios brasileiros, é muito relevante para o país. Ao todo, 35% do esforço de pesquisa e desenvolvimento está localizado no complexo de saúde.

O governo federal já conseguiu desenvolver 98 parcerias entre instituições públicas e privadas, que levaram ao desenvolvimento de 91 produtos no setor de saúde: 61 medicamentos, 6 vacinas, 19 produtos para a saúde e 5 equipamentos. Chamadas de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs), elas envolveram 19 laboratórios públicos e 55 privados.

Em 2014, as parcerias para a produção e medicamentos biológicos equivaleram a 12% dos medicamentos comprados pelo Ministério da Saúde e representaram 61% dos gastos. Segundo o ministro, elas levaram a uma economia de R$ 5,3 bilhões ao ano.

"A garantia de acesso aos medicamentos se dá pela capacidade das PDPs", afirmou Chioro. "Em dezembro de 2014, divulgamos os 21 produtos estratégicos para o SUS, que serão alvo de propostas neste ano. Recebemos 39 propostas de PDPs, sendo 34 para medicamentos e 5 para produtos de saúde. Em setembro, vamos começar a fazer os anúncios. Não deixaremos as propostas de PDPs sem resposta."

Setor mantém expansão no país e investe mais no exterior

Enquanto muitos setores da economia estão desacelerando investimentos esperando por melhores condições macroeconômicas, a indústria farmacêutica está em plena expansão, adquirindo novas unidades no exterior e fazendo aportes em países com desenvolvimento em inovação, como os Estados Unidos. Esse relato foi feito por executivos do setor durante seminário sobre a indústria farmacêutica brasileira e a agenda para a inovação do setor, promovido pelo Valor em Brasília.

"No setor farmacêutico, nós tivemos um conjunto de políticas que, ao longo das últimas décadas, foram bem concebidas e encontraram campo fértil no empresariado brasileiro e que, agora, estão entrando numa segunda onda de desenvolvimento", afirmou Reginaldo Arcuri, presidente-executivo do Grupo FarmaBrasil. "A nossa perspectiva é de acelerar esse desenvolvimento."

Segundo Arcuri, a desvalorização do real afeta pouco o setor. A indústria nacional importa matéria-prima e, portanto, há um impacto. "Mas o mais decisivo não é o cambio, e sim a competitividade dessa indústria e a inovação."

O empresário enfatizou que as empresas brasileiras estão comprando unidades em vários países da América Latina, como Argentina, Uruguai, Peru, Chile e Colômbia. Além disso, as empresas nacionais estão atuando nos EUA através de "joint ventures" ou de investimentos em "start-ups" que já possuem patentes de medicamentos na fase pré-clínica. "São pouquíssimos setores no país que estão fazendo um movimento em direção à competição tecnológica, e não buscando se defender ou se proteger dela", disse.

Carlos Sanchez, presidente do Conselho Deliberativo do Grupo FarmaBrasil, afirmou que, enquanto o Brasil investe 0,5% ou 1% do Produto Interno Bruto (PIB) em inovação, as indústrias do setor aportam de 6% a 8%. "E esses 8%, apesar de um esforço enorme, ainda representam um número pequeno em relação ao mundo", ressaltou.

"Nós queremos chegar a um alto valor agregado do produto e isso não vale apenas para o Brasil, mas para o mundo", continuou, Segundo Sanchez, o mercado brasileiro equivale a 2% ou 3% do mundial. "Nós precisamos ir para a Europa e para os Estados Unidos e, para isso, precisamos de ajuda regulatória."

O presidente da Bionovis, Odnir Finotti, afirmou que o setor está em franca expansão. "A agenda positiva do país, hoje, é o setor farmacêutico e, em especial, o de biotecnologia", disse. "Enquanto a maioria dos setores do país está aguardando, nós estamos caminhando, com produtos com tecnologia e investimentos em ativos fixos, como a construção de fábricas."

Em 2009, o Brasil estava na décima colocação entre os maiores mercados mundiais do setor farmacêutico. No ano passado, o país já ocupava a sexta posição e a previsão é que suba para o quinto lugar em 2019, quando deve ficar atrás apenas dos EUA, China, Japão e Alemanha.

Valor econômico, v. 16, n. 3819, 13/08/2015. Brasil, p. A4