Título: Fuga em massa
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Fonte: Correio Braziliense, 07/09/2011, Mundo, p. 14

Comboio com cerca de 250 automóveis cruza a fronteira com o Níger e levanta especulações sobre o paradeiro do ditador Muamar Kadafi. Carros levariam várias autoridades, além de ouro e dinheiro saqueados da cidade de Sirte

As especulações de que o ditador Muamar Kadafi não esteja mais na Líbia ganharam força ontem com a confirmação de que um grande comboio levando funcionários de alto escalão do regime teria atravessado a fronteira com o Níger. Autoridades nigerinas negaram, e o governo dos Estados Unidos descartou que Kadafi estivesse em um dos carros. No entanto, fontes militares afirmaram a agências de notícias que havia fortes indícios de que o líder tenha entrado no país vizinho. Rebeldes líbios disseram acreditar que os veículos transportavam ouro e dinheiro, aparentemente saqueados de uma filial do Banco Central da Líbia em Sirte, cidade natal do ditador.

O Departamento de Estado dos EUA declarou que autoridades do Níger repassaram informações ao embaixador norte-americano assegurando que Kadafi não estava no comboio. Elas admitiram, porém, que membros importantes do regime líbio ingressaram no país, inclusive o chefe da segurança pessoal de Kadafi, que teria chegado no domingo. Os EUA solicitaram a prisão de todos eles. "Pedimos, nos termos mais fortes, que as autoridades nigerinas detenham esses membros do regime que podem ser objetos de processo, a fim de garantir que se confisque armas e que qualquer bem do governo da Líbia ¿ dinheiro, joias, entre outros ¿ seja apreendido e devolvido ao povo líbio", afirmou a porta-voz do Departamento de Estado, Victoria Nuland.

Segundo a agência de notícias Reuters, fontes militares teriam dito que um comboio de entre 200 e 250 carros teria sido escoltado até a cidade de Agadez, no norte do Níger, por homens do Exército nigerino. Segundo Washington, Kadafi mantinha laços com os rebeldes Tuareg, com base no Níger. Alguns deles inclusive foram à Líbia ajudar a defender o ditador, no início do levante. Uma fonte militar francesa afirmou à mesma agência que era possível que o ex-líder líbio e seu filho Saif Al-Islam poderiam se juntar ao comboio e, depois, seguirem para a vizinha Burkina Fasso. Uma autoridade do CNT disse que Kadafi foi visto pela última vez no sábado, na cidade de Ghwat, 950km ao sul de Trípoli, dirigindo-se para a fronteira com Níger e Chade.

Por sua vez, o governo burquinense, que mantinha estreitas relações com Kadafi, negou a informação de que oferecera asilo ao ditador e garantiu que, se ele entrasse em seu território, o país "respeitaria suas obrigações no contexto do Tribunal Penal Internacional (TPI)". Kadafi, o filho Saif e o ex-chefe da inteligência militar Abdullah Al-Senussi são acusados pelo tribunal de Haia de crimes contra a humanidade. O tribunal expediu mandados de prisão contra os três. Burkina Fasso é signatário do Tratado de Roma, que estabeleceu o TPI.

Resistência Enquanto as especulações sobre o paradeiro de Kadafi cresciam, o porta-voz de seu regime, Mussa Ibrahim, declarou ao canal de tevê Al-Rai, baseado na Síria, que o ditador está em Trípoli, gozando de "excelente saúde". Ibrahim instou os partidários do ex-líder a continuar lutando e prometeu o "ressurgimento de seu poder e de sua luta". "Estamos lutando e resistindo pelo bem da Líbia e de todos os árabes", disse.

Na Líbia, o CNT retomou as negociações, interrompidas desde domingo, com líderes locais da cidade de Bani Walid ¿ um dos últimos bastiões das forças leais a Kadafi. "Nossos colegas de Bani Walid se reuniram conosco e asseguramos que não queríamos feridos e que preservaríamos suas vidas", afirmou o chefe das negociações do novo governo líbio, Abdullah Kenchil, em Ouichtata, um povoado próximo à cidade. No domingo, as discussões para uma rendição pacífica de Bani Walid tinham sido suspensas.

"Estamos aqui para evitar um banho de sangue", explicou o xeque Abdel Qadir Mayad, autoridade local. "Foi alcançada uma etapa na qual se toma consciência de que o antigo sistema terminou: Bani Walid está com a Líbia e não é uma exceção", acrescentou.