Correio braziliense, n. 19077, 19/08/2015. Economia, p. 7

 

 Reforma de Levy prevê aumento de impostos

ROSANA HESSEL

 
Ministro da Fazenda garante que proposta de unificação do PIS/Cofins não visa ampliar a arrecadação do governo. Especialistas, porém, dizem que contribuintes serão penalizados. Chefes do Poder Legislativo rejeitam elevação da carga tributária.
 
Apesar de o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, afirmar que a reforma do PIS/Cofins, em estudo pelo governo, não implicará aumento da tributação, técnicos da Receita Federal admitem que alguns setores deverão sentir o impacto da mudança. Um dos segmentos que serão afetados é o de call centers, informou o subsecretário de Tributação e Contencioso da Receita Federal, Paulo Cardoso, integrante da equipe do Ministério da Fazenda que elabora o texto, o qual já tem 201 artigos. Segundo Levy, a proposta será encaminhada em breve ao Congresso na forma de projeto de lei.

“Algumas áreas serão calibradas. O que provavelmente terá uma calibragem desfavorável, mas muito pequena, é o setor de prestação de serviços ao consumidor final”, destacou Cardoso, que, assim como Levy, participou ontem do seminário “Diálogos Estratégicos — A reforma tributária do PIS/Cofins”, organizado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). O subsecretário reconheceu que outros segmentos também podem sofrer elevação de alíquotas, mas terão compensações. “Matematicamente, não tem efeito. A premissa básica é que não queremos, com a reforma, aumentar a arrecadação que temos hoje”, afirmou Cardoso.

O subsecretário informou que as microempresas inscritas no Simples e o sistema financeiro como um todo não sofrerão alterações nas alíquotas. A desoneração dos produtos da cesta básica também será mantida. Mesmo assim, a mudança afetará 90% das empresas responsáveis pela arrecadação de PIS/Cofins, que é de R$ 220 bilhões por ano.

De acordo com Levy, a proposta unificará os dois tributos de forma gradual. Segundo ele, a reforma vai trazer “segurança jurídica, neutralidade e simplificação”. “Ela diminui o custo das empresas, ajuda a aumentar o emprego e põe o Brasil na rota do crescimento”, afirmou. A promessa de que não haverá aumento da carga tributária, no entanto, foi contestada por outros participantes do evento.

Imaginação
“Vamos ser francos. Não existe neutralidade absoluta — só se houver 400 mil contribuintes e 400 mil alíquotas”, explicou o especialista em contas públicas José Roberto Afonso, professor do IDP. “Falar que haverá neutralidade é imaginação. É impossível não haver aumento de carga tributária”, emendou o consultor e ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel. “A proposta de reforma terá um aumento inevitável da carga tributária para todas as empresas.”

O presidente da Confederação Nacional de Serviços (CNS), Luigi Nese, destacou que as prestadoras de serviços pagarão a conta porque têm 80% dos custos com mão de obra e menos insumos na composição dos custos. Dessa forma, não conseguirão receber compensações. “Haverá uma transferência de impostos para o setor de serviços”, alertou.

Levy vai encontrar resistência também no Congresso. Na abertura do evento, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e o do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), fizeram discursos afinados contra qualquer aumento de impostos. “Aprendemos com os erros das reformas de 2003 e de 2004, quando houve aumento de carga tributária relativa. Vamos debater com serenidade propostas que verdadeiramente coloquem o país nos trilhos do desenvolvimento”, disse Renan.

Cunha foi enfático: “Não queiram resolver problemas de caixa impondo ao contribuinte mais um sacrifício”, disse. O ministro do Supremo Tribunal Federal e professor do IDP, Gilmar Mendes, defendeu o diálogo. “Os problemas do sistema tributário são graves e complexos. Partindo do diagnóstico, acreditamos que o debate pode contribuir para a modernização do PIS/Cofins”, afirmou.

Recuo
Para tentar garantir a aprovação do seu parecer, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), relatora da Medida Provisória 675, desistiu de propor o fim da dedução dos juros sobre capital próprio pagos a sócios e acionistas de empresa da base de cálculo do Imposto de Renda. A medida encontrava resistências no PMDB. Com o receio de ter todo o relatório derrotado, Gleisi retirou a mudança do texto, que foi lido ontem na comissão mista que analisa a MP.

Benefício contestado

O secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, não poupou críticas à desoneração da folha de pagamento das empresas. O benefício, criado no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, permite que companhias de 54 setores deixem de recolher 20% do valor dos salários para a Previdência Social, pagando um percentual sobre o faturamento. Uma proposta do governo que reverte parte dos incentivos já foi aprovada pela Câmara e deve ser votada ainda esta semana no Senado.

“O valor desonerado hoje está em torno de R$ 25 bilhões por ano. Se nós distribuirmos esse valor para todas as empresas, poderíamos reduzir a alíquota de 20% para algo em torno de 17% a 17,50%”, afirmou Rachid. Ele participou do seminário “Diálogos Estratégicos — A Reforma Tributária do PIS/Cofins” e explicou que esse dado serve para mostrar como o impacto é grande quando ele é feito de “forma setorial, pontual”. “O correto é fazer a tributação de forma horizontal. É mais justo”, completou.

Competitividade
Rachid defendeu a proposta da reforma do PIS/Cofins e assegurou que ela pode melhorar a competitividade do país. “Acreditamos que esse conjunto de medidas pode propiciar um melhor ambiente de negócios”, disse. No entanto, ele também admitiu que o aumento de alíquota será inevitável, mas ponderou que haverá compensação na cadeia produtiva. “Temos que buscar a harmonização desse modelo. O propósito é que todos os setores sejam tradados de forma igual. Isso é justiça. A distorção é a sonegação fiscal. Ela é uma concorrência desleal”, afirmou. (RH)

Crise faz arrecadação cair 3,13%

CELIA PERRONE
A retração da economia não tem poupado os cofres do governo. Em julho, a Receita Federal registrou o quarto mês consecutivo de queda na arrecadação. O total recolhido em impostos e contribuições — R$ 104,868 bilhões — teve queda real (descontada a inflação) de 3,13% em comparação com o mesmo mês no ano passado. Foi o pior desempenho para o mês desde 2010. De janeiro a julho, o total alcançou R$ 712,076 bilhões, um recuo de 2,91% em relação ao mesmo período de 2014 e também o resultado mais fraco em cinco anos.

O chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita Federal, Claudemir Malaquias, disse que o resultado foi provocado por uma conjugação de fatores, todos eles vinculados ao clima recessivo da economia. “A forte desaceleração da atividade econômica impactou muito severamente a receita tributária”, resumiu. Fabio Klein, analista de finanças públicas da Tendências Consultoria, observou que o resultado veio melhor que os R$ 103,9 bilhões esperados pelo mercado, mas salientou que “a trajetória de queda das receitas continua com o mesmo movimento inercial dos meses anteriores”.

Com o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre Lucro Líquido, a Receita arrecadou R$ 119, 74 bilhões de janeiro a julho. Isso representou uma queda de 9,51% na comparação com o mesmo período do ano passado. “Isso quer dizer que as empresas estão tendo lucros menores e revisando para baixo os tributos”, disse Malaquias.

Mesmo assim, ele observou que os resultados não foram surpresa para o governo. “Esse resultado já era esperado, com queda de IR, Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e contribuição previdenciária” , afirmou. No caso dos recolhimentos ao INSS, que tiveram queda de 3,65% nos primeiros sete meses do ano, a redução foi provocada pela redução da massa salarial, devido à onda de demissões que assola, sobretudo, a indústria e a construção civil.

Multa da Petrobras
Os números poderiam ter sido ainda mais desfavoráveis, não fossem as receita extraordinárias obtidas pelo governo neste ano. Em julho, houve um reforço inesperado de R$ 2,333 bilhões, dos quais R$ 1,2 bilhão vieram de multa paga pela Petrobras, que desistiu de uma ação tributária que movia contra o Fisco no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais ( Carf). O restante foi obtido por meio de sentenças judiciais, sendo que apenas uma empresa pagou R$ 645 milhões. O coordenador de Previsão e Análise da Receita, Raimundo Eloi, disse que “a empresa encerrou a disputa e entrou no parcelamento de débitos”. Neste ano, as receitas extraordinárias já somam R$ 10 bilhões.

O professor Fernando Zilvetti, especialista em tributação e finanças públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV/SP), avaliou que muitas empresas que encerraram litígios tributários podem estar sendo alvo de alguma das operações da Polícia Federal, como a Zelotes ( que investiga processos do Carf) ou a Lava-Jato. “Para evitar algum problema maior ou mesmo serem acusadas de envolvimento, pagam o débito antes que eles venham a ser julgados”, disse.

Na opinião do professor, essa é uma das únicas formas de aumento de arrecadação este ano. “No geral, a receita tributária tende a decrescer mesmo, se não entrar receita de concessões e privatizações, ou do ProRelit (o programa de redução de litígios tributários), além da tributação sobre recursos repatriados do exterior. Essa última medida, se for aprovada pelo Congresso é muito positiva. Se isso não acontecer, a vaca vai para o brejo”, sentenciou.