Temer pede saída da articulação, Dilma veta

 

CATARINA ALENCASTRO E JULIANNA GRANJEIA

O globo, n. 29951, 08//08/2015. País, p. 8

 

Depois que sua declaração foi interpretada por ministros petistas como conspiração contra o governo, o vice Michel Temer se encontrou anteontem com a presidente Dilma Rousseff e deixou a função de articulação política à disposição dela. Na conversa, presenciada pelos ministros Eliseu Padilha (Aviação Civil) e Aloizio Mercadante (Casa Civil), Temer deu explicações sobre o depoimento que deu a jornalistas na quarta-feira, quando disse que a crise política era grave e que “alguém” tinha que unificar o país.

GIVALDO BARBOSA/06-08-2015Debate. Temer: “É necessário que se acalmem, precisamos é de diálogo” , disse em almoço com Skaf e Delfim Netto

À Dilma, o vice afirmou que fora mal interpretado e chegou a ler, na íntegra, todo o seu depoimento para tentar dirimir com a chefe quaisquer dúvidas. Ao terminar de ler o texto, Temer afirmou que quer apenas ajudar o governo, mas que se estiver causando malestar ou algum inconveniente, deixaria a função de articulador político. Segundo uma fonte que acompanhou a conversa, Dilma teria respondido:

— De jeito nenhum, Michel. Você está me ajudando muito. Você fica.

Temer assumiu a função no lugar de Pepe Vargas em abril deste ano. A articulação política é missão do ministro da Secretaria de Relações Institucionais (SRI). Desde a saída de Pepe, Temer vem acumulando a vice-presidência e a articulação. A função vem sendo dividida entre o vice e o ministro Eliseu Padilha, da Secretaria de Aviação Civil, que tem cuidado especificamente de receber demandas de parlamentares por cargos no Executivo.

“NÃO ADIANTA BATER CABEÇA”, DIZ TEMER

Ontem, em almoço reservado num restaurante de São Paulo, Temer não disfarçou a preocupação com a crise política que assola o governo. Mesmo evitando se aprofundar no debate, o peemedebista não se esquivou quando falava, entre uma garfada e outra, sobre como o país deverá enfrentar a situação atual.

— É necessário que se acalmem, precisamos é de diálogo. Não adianta bater cabeça — disse ele, segundo um dos interlocutores.

O vice-presidente vem defendendo apoio ao governo. Ontem, a especulação era de que Temer poderia deixar a pasta de articulação política, desmentida por ele mesmo em sua conta no Twitter. No almoço, Temer não teria citado o nome da presidente quando falou que era necessário diálogo ou que não adiantava perder a calma.

Temer esteve no restaurante italiano Gero a convite do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo ( Fiesp), Paulo Skaf, que fez aniversário ontem. O ex- ministro Delfim Netto também estava presente, além de dois amigos. Antes de deixar o restaurante, Temer cumprimentou conhecidos em outras mesas. Anteontem, a Fiesp e a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro ( Firjan) divulgaram nota de apoio à proposta de união apresentada por Temer. Em um dos trechos, dizia: “O momento é de responsabilidade, diálogo e ação para preservar a estabilidade institucional do Brasil”.

Ontem, após o almoço, o vice-presidente se encontrou com o tesoureiro do PMDB-SP, Arlon Viana, em seu escritório, na Zona Oeste da capital paulista. Viana é o braço-direito de Temer e costuma se reunir com ele durante a estadia em São Paulo. Temer também recebeu delegados da Polícia Federal, que pediram apoio para o reajuste da categoria.

O vice-presidente fica em São Paulo até domingo, quando retorna a Brasília para a reunião convocada pela presidente Dilma Rousseff, no Palácio da Alvorada, para discutir com ministros do PT e do PMDB a pauta do Congresso Nacional da próxima semana e as crises política e econômica.

Na terça-feira, é a vez da bancada do PMDB na Câmara dos Deputados se reunir. Na pauta, os próximos passos dos parlamentares do partido diante instabilidade do governo federal. Ontem, o presidente do diretório estadual do PSDB-SP, deputado federal Baleia Rossi, voltou a defender a redução dos ministérios, de 38 para 20.

— Em março, a bancada apresentou um documento com essa sugestão. Essa questão foi estreitada entre os deputados do partido. O PMDB está disposto a cortar na carne — afirmou Rossi.

A sigla tem seis ministros: Edinho Araújo (Portos), Eduardo Braga (Minas e Energia), Eliseu Padilha ( Aviação Civil), Helder Barbalho ( Pesca), Henrique Alves ( Turismo) e Katia Abreu (Agricultura).

AFAGO TUCANO EM SÃO PAULO

Temer chegou em São Paulo na quinta-feira, quando participou de uma cerimônia de homenagem aos 30 anos da primeira Delegacia da Mulher, criada pelo vice-presidente quando foi secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, na gestão de Franco Montoro (PMDB).

Durante o evento, realizado no Palácio dos Bandeirantes, sede da capital paulista, secretários estaduais e o governador Geraldo Alckmin (PSDB) não pouparam elogios a Temer. O peemedebista foi chamado de “agregador”, “pacificador”, “conciliador” e de “pessoa simples”, “desprovida de vaidade” e defensor dos “interesses públicos” pelos tucanos.

Ainda na quinta- feira, Temer iria se reunir com deputados e vereadores paulistas, mas desmarcou, segundo pessoas próximas, pelo “clima ruim” em Brasília.

TUCANOS

O programa do PT exibido anteontem dificultou a possibilidade de diálogo em busca por soluções para a crise política entre o ex-presidente Fernando Henrique e representantes do governo, na avaliação de interlocutores do tucano.

Tucanos ficaram irritados com o tom do programa, que ironizou os panelaços e ainda atribuiu à oposição parcela de culpa pela crise política no Congresso. Ao mesmo tempo, as pontes não estariam totalmente inviabilizadas e os interlocutores não descartam uma conversa, desde que ocorra em agenda pública.

— Ele se mostra interessado em contribuir com a busca de uma solução, tornou-se quase um árbitro da nação. Todos querem falar com ele, pedem ajuda a ele, inclusive gente do governo — disse uma pessoa próxima ao ex-presidente.

— Fernando Henrique se coloca nesse lugar, mas não é ele quem vai tomar essa atitude. Conversa escondida, com o governo, ele não aceita de jeito nenhum — completou.

No PSDB, a hipótese de impeachment é insuflada nos bastidores pelo senador Aécio Neves e, publicamente, por parlamentares ligados a ele. O grupo do tucano vê Aécio como liderança natural da oposição em caso de impedimento da presidente e eventual convocação de novas eleições. O senador paulista José Serra e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, mantêm postura mais cautelosa, deixando o partido internamente dividido. Nesse contexto, o posicionamento de FH ganha ainda mais importância, se decidir adotar um papel de conciliador interno.

Para os interlocutores de FH, a abertura de diálogo com o governo não inviabiliza a hipótese de o ex-presidente vir a apoiar o impeachment. No inicio do ano, FH se disse contra a medida, por considerar que não havia caracterização de condições prescritas nas leis para se falar sobre o tema.

 

Empresários lamentam piora da crise política

 

Para eles, governo devia envolvê-los na busca por solução para reverter também dificuldades na economia

ANA PAULA RIBEIRO E LINO RODRIGUES 

A possibilidade do governo buscar apoio na elite empresarial do país para tentar amenizar a crise não deverá ser uma tarefa fácil. A falta de sinais de uma retomada econômica e a piora do cenário político têm incomodado boa parte dos empresários que Dilma pode vir a reunir para influenciar o Congresso a não aprovar medidas que aumentem os gastos públicos. Carlos Pastoriza, da Abimaq, associação que reúne fabricantes de máquinas e equipamentos, um dos setores mais afetados pela crise, considera importante o governo envolver o empresariado na discussão do atual momento. Para ele, 90% dessa crise foi fabricada pelos políticos.

—Toda essa confusão política criou incertezas. Isso é muito ruim, mas o país tem condições de sair da crise e reverter esse processo, que é mais político do que econômico — diz Pastoriza, que conversou no início da semana com o vice Michel Temer (PMDB-SP) sobre a possibilidade dos partidos costurarem uma espécie de trégua que transmita tranquilidade ao país.

Pastoriza defende ainda um pacto com os setores da economia real (indústria, comércio, bancos) para que trabalhem por uma retomada dos investimentos e do crédito pelos bancos. Para isso, diz que é fundamental ter tranquilidade política.

— Reunião com os empresários só será válida se tiver efeito sobre a classe política — diz Pastoriza, lembrando que encontrar uma solução política é papel de Dilma e dos partidos que dão sustentação ao seu governo, principalmente o PT: — Feito isso, aí sim dá pra se pensar em um pacto para a economia voltar a crescer.

Marcelo Castelli, que preside a Fibria — uma das maiores produtoras de celulose do mundo —, também identifica na política a origem das dificuldades na economia. E acredita que o “quanto pior, melhor” não irá ajudar o país:

— Não vamos sair dessa conjuntura sem trabalhar problemas estruturais. Empresas precisam ser protagonistas nesse diálogo, assim como o governo e o cidadão.

Procurados, empresários como Abílio Diniz, presidente do Conselho de Administração da BRF, e Joeslei Batista, da JBS, informaram que não foram convidados para uma possível reunião com Dilma.