Correio braziliense, n. 19069, 11/08/2015. Economia, p. 9

 

Mercado não acredita em promessas do BC

Antonio Temóteo

O aprofundamento da crise política e o encarecimento do dólar contaminaram as expectativas dos analistas do mercado financeiro em relação aos principais indicadores da economia. De acordo com a edição do Relatório Focus divulgada ontem pelo Banco Central (BC), os economistas consultados pela autoridade monetária acreditam que a economia terá retração de 1,97% neste ano e permanecerá estagnada no próximo. Apenas uma semana atrás, a previsão era de queda de 1,80% em 2015 e de ligeiro crescimento em 2016. Há também mais pessimismo com a inflação. Para os especialistas, a taxa anual vai bater em 9,32% em dezembro, o maior patamar desde 2002, e terminar o ano que vem em 5,43%. É um balde de água fria na promessa do BC de levar a carestia para o centro de meta, de 4,5% até o fim de 2016.

No mercado, há quem anteveja um cenário ainda pior. O economista-chefe do Itaú Unibanco, Ilan Goldfajn, revisou a projeção de contração da economia de 2,2% para 2,3% em 2015. Para o próximo ano, a estimativa de queda passou de 0,2% para 1%. Ele considera que a redução do consumo das famílias, a queda na confiança de empresários e consumidores, a desaceleração do crédito, o risco de perda de grau de investimento e o agravamento da crise política indicam um cenário de recessão mais prolongado. “Há uma dificuldade maior do que antecipávamos em implementar os ajustes, aumentando a incerteza sobre a economia e dificultando a sua recuperação”, afirmou.

Goldfajn estima que a inflação encerrará o ano em 9,3% e terminará 2016 em 5,8% em virtude do encarecimento do dólar. Para o economista, o cenário de crises sobrepostas — política e econômica — compromete a arrecadação fiscal, tanto pela queda da atividade quanto pela dificuldade de implementar medidas de correção de rumo. “As dificuldades fiscais afetam o equilíbrio das demais variáveis econômicas. As condições de financiamento externo tendem a se tornar menos favoráveis, demandando uma depreciação adicional da taxa de câmbio. O real mais fraco pressionará a inflação em 2016, reduzindo o espaço para cortes de juros no ano que vem”, disse. Nas contas dele, a Selic permanecerá em 14,25% durante todo este ano e terminará 2016 em 12,25%.

“O Copom cantou vitória antes da hora. O aumento das expectativas para o IPCA dará uma lição de sobriedade que não aprenderam nos últimos quatro anos. Deveriam ser mais cautelosos”

Alexandre Schwartsman, economista, ex-diretor do Banco Central

Para o professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) Jorge Arbache, com a deterioração das expectativas e com a piora dos indicadores econômicos o Banco Central está numa encruzilhada: um novo ciclo de alta de juros pode agravar ainda mais a recessão; porém, com o encarecimento do dólar, manter a Selic no patamar atual pode significar um descontrole inflacionário ainda maior. “Não descarto que a autoridade monetária tenha que aumentar os juros para conter uma possível sangria de capitais que se desenha com a fragilidade fiscal e com o agravamento da crise política”, ponderou.

Segundo Arbache, os efeitos das políticas fiscal e monetária estão perto do limite devido à instabilidade nas relações entre os Poderes. Para piorar, frisou, o governo está concentrado em questões de curto prazo e não há qualquer ação concreta para impulsionar a atividade econômica. “Em país com crise de crédito, na qual o custo para acessar os mercados aumenta pela baixa credibilidade, o único caminho para recuperar o crescimento passa pelo aumento da competitividade. Nossos problemas são estruturais, e nada é feito para atacá-los”, lamentou.

Erros

Ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Roberto Luis Troster afirma que o BC errou ao sinalizar ao mercado que encerrou o ciclo de alta de juros, mesmo com pressões inflacionárias oriundas do encarecimento do dólar. Para ele, se a divisa norte-americana mantiver a trajetória de alta, o único remédio para estabilizar o custo de vida será a elevação da taxa Selic. “Não temos uma política fiscal coerente. Fazenda e Planejamento estão em direções opostas porque os chefes das pastas têm linhas de trabalho distintas. Os riscos para a economia são enormes, e isso se materializa em expectativas piores”, explicou.

Para o ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman, o maior erro da autoridade monetária foi afirmar ao mercado que a estratégia adotada para combater a carestia estava na direção correta. Segundo ele, os números do Focus evidenciam que os analistas não acreditam no cumprimento da meta de inflação em 2016.

Segundo ele, a redução da meta de superavit primário de 1,1% para apenas 0,15% do PIB trouxe um desafio maior para o BC, já que, com um menor esforço fiscal do governo, a política monetária precisará ser mais apertada. “Para variar, o Copom cantou vitória antes da hora e isso ficou claro na ata da última reunião. Eles têm uma postura equivocada. O aumento das expectativas para o IPCA dará uma lição de sobriedade que não aprenderam nos últimos quatro anos. Deveriam ser mais cautelosos”, criticou.

 

Perda de R$ 57 bi para conter o câmbio

Simone Kafruni

As perdas com as intervenções do Banco Central (BC) para evitar a disparada do dólar somam R$ 57 bilhões em 2015. A autoridade monetária faz operações de swap cambial, equivalente à venda de dólares no mercado futuro, e rola as dívidas para vencimentos mais à frente com o objetivo de dar liquidez em moeda norte-americana ao mercado e conter sua alta. Na semana passada, o BC indicou que não pretende deixar a divisa dos EUA passar dos R$ 3,50, pois foi justamente quando o câmbio tomou este rumo que ele intensificou sua atuação.

Para o ex-diretor do BC Carlos Thadeu Gomes de Freitas, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), a autoridade monetária não deveria fazer as operações de swap porque está aumentando a dívida cambial ao tentar evitar, artificialmente, que o dólar se valorize. “A taxa de câmbio é para ser flutuante. Mas não é. O BC fez essas operações de swap o ano passado inteiro. Por isso, a moeda está subindo tanto este ano. O BC precisa deixar a taxa subir, porque depois ela vai voltar e se ajustar. Só está disparando por motivos políticos”, explicou.

Na opinião de Freitas, as operações de swap não resolvem mais. “O BC foi muito enfático ao afirmar que quer levar a inflação para o centro da meta, de 4,5%, em 2016. E a alta do dólar pressiona a inflação. Por isso, o mercado testa os limites. Mas a taxa de juros está muito alta para o dólar se valorizar tanto. E ainda não há uma fuga de capitais do Brasil. O BC precisa ter sangue-frio”, ressaltou o ex-diretor.

O Banco Central tem hoje reservas de US$ 369 bilhões, mas não utiliza esses recursos para conter a alta do dólar. “O BC aumenta sua exposição cambial ao fazer as rolagens da dívida e também eleva os custos do governo. Porque, para honrar os compromissos, pagando juros pela variação cambial, o BC tira dinheiro do Tesouro Nacional”, explicou o gerente de câmbio da corretora Treviso, Reginaldo Galhardo.

Durante todo o ano passado, a autoridade monetária manteve um programa, chamado de ração diária, em que fazia leilões de contratos de swap cambial diários. “Ele parou com as operações, mas manteve as rolagens, ou seja, na hora do vencimento dos contratos futuros, o BC amplia o prazo e paga a diferença da transação”, afirmou Galhardo. Em abril, o BC fez rolagem em 100% dos contratos. Depois reduziu o volume até que, em junho, rolou apenas 60%. “Na semana passada, quando o mercado pressionou acima de R$ 3,50, o BC voltou a rolar 100% dos contratos. Só que, daqui a pouco, não vai adiantar fazer rolagem. Será necessário abrir leilões extraordinárias e colocar novos contratos à venda”, estimou o gerente da Treviso.