Superávit recorde em contas deixa Alemanha sob pressão
Assis Moreira
03/08/2015
A Alemanha tem um "problema": suas exportações continuam batendo recorde e o país acumula o maior superávit de contas correntes no mundo, provocando mais reações dos parceiros.
As exportações alemãs superaram os € 100 bilhões em maio. A balança de conta corrente, uma medida da atividade comercial internacional, alcançou € 19,5 bilhões no mês, num nível bastante alto na comparação internacional.
Em 2014, a maior economia da Europa já tinha alcançado recorde com saldo de conta corrente (agrega a balança comercial, a balança de serviços, rendas e as transferências unilaterais correntes líquidas) de € 252,3 bilhões, equivalente a 7,6% do PIB. A China chegou na segunda posição com saldo de US$ 150 bilhões, ou pouco acima de 2% do PIB, seguida pela Arábia Saudita com US$ 100 bilhões (12,8% do PIB).
A Comissão Europeia estima que o saldo alemão é "muito alto" e que continuará em torno de 7 a 8% do PIB neste e no ano que vem, bem além do limite de 6% recomendado por Bruxelas.
Recentemente, Ben Bernanke, o ex-presidente do Federal Reserve (o BC dos EUA) reclamou que o saldo de conta correntes alemão "traz um problema". É o que vem repetindo o Fundo Monetário Internacional (FMI) e parceiros no G-20, que vão dos EUA ao Brasil, pressionando Berlim a estimular mais sua demanda interna e suas importações para contribuir na redução dos desequilíbrios internacionais.
O Brasil, com déficit nas contas externas de US$ 38,2 bilhões em 12 meses até junho, correspondente a 4,36% PIB, receberá em agosto a visita da chefe de governo alemã, Angela Merkel. Sem surpresa, os apelos brasileiros por mais importação alemã podem ter algum "ja, ja [sim, sim]" de Merkel, mas só isso mesmo, a se julgar pela experiência.
Até agora a Alemanha limitou-se a reagir à pressão internacional com um programa de investimento público de modestos € 10 bilhões entre 2016-2018. Os alemães atribuem seus resultados à competitividade de suas companhias. E que uma das razões do superávit recorde é o forte crescimento em mercados como EUA e Reino Unido. Além disso, a Alemanha gastou menos com a conta de petróleo, e a desvalorização do euro ajudou também nas vendas.
Contra as críticas de que há anos vem tomando partes de mercado de parceiros europeus, Berlim nota que priorizou as reformas estruturais no rastro da recessão de 2001-2002 e fez seu dever de casa. Benefícios para desempregados foram reduzidos, regras de proteção contra demissões, flexibilizadas e o trabalho temporário, liberalizado.
Essas reformas facilitaram a redução de custos, o que aumentou a competitividade dos preços alemães.
A Comissão Europeia vê, porém, um problema germânico e abriu uma investigação pelo Procedimento de Desequilíbrios Macroeconômicos (MIP, na sigla em inglês), um mecanismo de vigilância para prevenir e corrigir desequilíbrios "perigosos" para a zona do euro como um todo.
Enquanto um crônico déficit em conta corrente é tipicamente visto como sinal de fragilidade, um saldo elevado demais também traz riscos. A forte orientação exportadora alemã deixa a maior economia da Europa mais exposta a flutuações da atividade econômica global.
A grande maioria das exportações alemães é bens de capital e veículos. A venda de carros figura no topo das remessas, com 18% do total para o exterior. Mas a demanda desses produtos é muito cíclica, o que torna a produção industrial germânica mais volátil do que nos vizinhos.
Em seu último relatório, o Bundesbank, o BC alemão, observou que um cenário de aterrissagem forçada da China afetaria o crescimento do PIB alemão de maneira bem mais importante do que em outras grandes economias europeias.
O governo alemão tem insistido, porém, que a principal fonte de crescimento nos últimos anos tem sido a demanda doméstica, superando o comércio em termos líquidos (exportações menos importações). Na sexta-feira, dados publicados mostraram que as vendas no varejo no primeiro semestre alcançaram o maior crescimento em 20 anos, confirmando que o consumo privado deve ser um motor da expansão germânica.
Para o banco UBS, certo mesmo é que o comércio exterior vai continuar contribuindo significativamente para o PIB alemão, os investimentos das empresas vão se beneficiar de taxas de juros próximas de zero, o consumo doméstico é estimulado pela dinâmica do mercado de trabalho e pelos efeitos positivos sobre a riqueza em razão de preços residenciais em alta. Sua projeção é de que a economia alemã deve crescer 2,1% neste ano e 2,4% em 2016 - algo de causar inveja em boa parte do mundo.
Valor econômico, v. 16, n. 3811, 03/08/2015. Internacional, p. A9