Correio braziliense, n. 19070, 12/08/2015. Política, p. 2

 

Cunha se revolta contra pacote de Renan

PAULO DE TARSO LYRA

 
O presidente da Câmara diz que não foi ouvido na elaboração das medidas e que o país "vive em um sistema bicameral". Lula se encontrará hoje com Dilma e peemedebistas para discutir a governabilidade e tentar afinar o discurso dos aliados. 

A presidente Dilma Rousseff está, mais uma vez, espremida entre a briga dos presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Um dia após Renan apresentar um pacote econômico com 27 itens que podem aliviar a pressão política sobre Dilma, Cunha reclamou que os deputados não foram ouvidos na elaboração da lista com as medidas. “Vivemos pela Constituição em um sistema bicameral, não vivemos em um sistema unicameral. As duas Casas têm de funcionar e aprovar as suas propostas. Não dá para achar que só a Câmara funciona, ou só o Senado funciona”, criticou Cunha.

Rompido oficialmente com o governo desde julho, Cunha não gostou de ver Renan apresentar uma proposta de ações que, segundo interlocutores do senador alagoano, diminuem a pressão sobre um possível impeachment contra Dilma. “A relação melhorou. Não dá para dizer que Renan virou o salvador da pátria, porque a pátria é enorme e o buraco no qual ela está, também. Mas devemos dizer que ele se transformou em um poder moderador”, declarou um peemedebista.

Cunha está, de fato, disposto a comprar a briga com Renan, que disse, na segunda, que impeachment e aprovação de contas presidenciais não deveriam ser prioridade do Congresso. “Contas é uma decisão dele (Renan Calheiros). Já apreciamos e votamos (contas de governos anteriores). Desde quando cumprir nossa obrigação é tacar fogo em alguma coisa? Não cumprir nossa obrigação é que nos responsabiliza por omissão. Se ele (Renan) não apreciar as contas, ele que responda perante a Casa dele e perante a sociedade”, disse Cunha.

O peemedebista fluminense afirmou ainda que é o Senado, e não a Câmara, que está segurando o ajuste fiscal, já que ainda não foi votado o projeto que altera as alíquotas que incidem sobre a folha de pagamentos. “Se o Renan não tivesse devolvido a MP lá atrás (que aumentava as alíquotas de alguns setores), o governo já teria, ao menos, R$ 6 bilhões em caixa este ano para amenizar a crise econômica”, completou o presidente da Câmara.

As medidas apresentadas por Renan dividem-se em três grandes eixos: melhoria do ambiente de negócios, equilíbrio fiscal e proteção social. O presidente do Senado propõe, por exemplo, a aprovação de uma proposta que vincula as alterações na legislação das desonerações ao cumprimento de metas de emprego ou de preservação da força de trabalho; a possibilidade de cobrança diferenciada de procedimentos do SUS por faixa de renda; a reforma da Lei de Licitações; a aprovação da Lei de Responsabilidade das estatais; a unificação das alíquotas interestaduais do ICMS; a ampliação da idade mínima para aposentadoria; e a criação de um “fast track” para acelerar o licenciamento ambiental em obras de infraestrutura, entre outras.

Jaburu
Se Cunha foi excluído da elaboração da “Agenda Brasil”, como foi batizado o pacote econômico elaborado por Renan, tampouco participará, na manhã de hoje, do café da manhã no Palácio do Jaburu com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lula, que chegou ontem à noite em Brasília para participar da abertura da Marcha das Margaridas, encontra-se com o vice-presidente Michel Temer; Renan Calheiros; o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE); e o relator do pacote econômico, Romero Jucá (PMDB-RR). “O momento é de levantar a cabeça e dizer para Dilma que o problema que ela está passando não é só dela, é nosso. Quando ela errar, ela é nossa, e precisamos ajudá-la”, disse Lula, no Mané Garrincha.

O encontro com o PMDB foi pedido por Lula antes mesmo de o ex-presidente chegar a Brasília. Ele tem se encontrado frequentemente com os peemedebistas do Senado, sempre que está na capital. Mas está é a primeira vez que ele solicita um encontro com Temer. O vice-presidente, que já estava prestigiado com a indicação para a articulação política do governo, está mais em alta ainda após defender um pacto nacional para o país sair da crise e afirmar a Dilma que, se ela quisesse, deixaria o cargo e ouvir da presidente: “Não, Michel, você fica”.

Lula deverá pedir empenho do PMDB para ajudar na governabilidade de Dilma, na aprovação das medidas que melhorarão o ambiente econômico e, como consequência, a aprovação popular do investimento com a retomada do crescimento do PIB. Ontem à tarde, Jucá afirmou que o objetivo das medidas é retomar a segurança jurídica e a previsibilidade da economia brasileira. “Se isso servir para salvar a Dilma, tudo bem. Queremos salvar o país como um todo. O Brasil está rumando rumo a um iceberg, assim como o Titanic. Eu quero mudar o rumo desse navio. Caberá ao povo decidir quem fica ou quem será jogado fora do navio”, declarou Jucá.

O senador de Roraima lembrou que boa parte das medidas em discussão — 19 das 27 propostas já fazem parte de projetos de lei em tramitação, especialmente no Senado — resolverão a situação do país a médio e longo prazo, não a curto, como necessita a presidente Dilma. “O Brasil perdeu a segurança jurídica, e, mais importante, a credibilidade. Com o dólar do jeito que está, o país poderia atrair investimentos estrangeiros, o que não está acontecendo”, afirmou ele.

Jucá também ironizou Cunha, que se sentiu preterido por não ter participado das reuniões com a equipe econômica do governo para debater as propostas — um novo encontro está marcado para hoje. “Não vamos discutir porque alguém não apareceu na foto”, provocou.
» Colaborou Nathalia Cardim

Jantar com ministros e advogados

A presidente Dilma Rousseff segue a odisseia em busca da popularidade perdida. Depois de se reunir na segunda-feira com líderes aliados no Senado, Dilma ofereceu ontem à noite um jantar para ministros do Supremo Tribunal Federal, advogados e representantes do Ministério Público Federal. O mote para o encontro foi a celebração pelo Dia do Advogado e pela criação de cursos jurídicos no país.

O ministro Marco Aurélio Mello, contudo, que não compareceu ao encontro alegando razões pessoais, disse que esse tipo de reunião pode passar uma imagem distorcida para a sociedade. “A leitura que o pagador de impostos, o cidadão, faz, não é boa e isso acaba por desgastar a instituição”, explicou Marco Aurélio.

Dilma deve se encontrar hoje com Lula. Não está definido ainda se será um almoço no Palácio da Alvorada — como aconteceu na última vez que ambos se encontraram — antes da ida da presidente ao encerramento da Marcha das Margaridas, ou um jantar na residência oficial. Será o primeiro encontro dos dois após a reunião na qual foi definido que Dilma precisaria viajar mais pelo país, sobretudo pelo Nordeste.
Na última segunda-feira ela esteve em São Luís do Maranhão para a entrega de unidades habitacionais do Minha Casa Minha Vida. Na sexta, estará em Juazeiro e em Salvador, e na segunda, vai a Natal e uma outra cidade no Rio Grande do Norte. De lá para cá, uma nova pesquisa de opinião mostrou que a popularidade de Dilma despencou para 8%; o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, anunciou o rompimento com o Planalto; e o ex-ministro José Dirceu foi preso novamente nos desdobramentos da Operação Lava-Jato.

PDT
Dilma reuniu-se ontem com o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, e o líder do partido na Câmara, André Figueiredo (CE), que anunciou na semana passada o rompimento com o governo. Como adiantou ontem o Correio, a presidente vai intensificar as conversas com líderes e presidentes de partidos para corrigir rumos e falhas no relacionamento com a base aliada.

Ao lado do vice-presidente Michel Temer e do chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, Dilma pediu para que o PDT voltasse à base do governo, dando liberdade para que a legenda escolha um novo nome para o Ministério do Trabalho, em substituição ao atual titular, Manoel Dias. (PTL)