Correio braziliense, n. 19070, 12/08/2015. Política, p. 3

 
Os braços do cartel na BR-101

JOÃO VALADARES

 
Empreiteiras que lesaram a Petrobras agiram na construção da rodovia em Pernambuco, onde servidores do Dnit foram corrompidos.

Sentença condenatória contra três ex-servidores do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit) por fraudes em obras da Rodovia BR-101, em Pernambuco, cujo contrato soma R$ 370 milhões, aponta o pagamento de vantagens indevidas, desde 2009, por parte das construtoras Odebretch, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão. As empreiteiras estão entre os principais alvos da Lava-Jato justamente pela prática de corromper servidores públicos. Fontes da Polícia Federal revelam que já há indícios de atuação da organização criminosa que sangrou os cofres da Petrobras no órgão e também no Ministério das Cidades.

De acordo com a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), entre outras irregularidades, as empreiteiras integrantes do consórcio, para não serem fiscalizadas e ainda receberem em duplicidade e com superfaturamento, construíram a casa do ex-supervisor de fiscalização do Dnit Genivaldo Paulino da Silva, em Paudalho, na Zona da Mata de Pernambuco.

De acordo com a Justiça Federal, que o condenou a 12 anos de prisão por corrupção passiva e peculato, as empresas desviaram materiais de construção de serviços de restauração e duplicação da BR-101, no trecho entre os municípios do Cabo de Santo Agostinho e Ribeirão, bem como forneceram funcionários contratados para trabalhar na rodovia para erguer a residência particular do servidor responsável pela fiscalização.

Também foram condenados o então superintendente da autarquia, Divaldo de Arruda Câmara, e o supervisor regional de contratos, Ubirajara Rezende, por envolvimento no esquema. Apurações da Controladoria-Geral da União (CGU) apontaram que a fiscalização de praticamente todos os contratos celebrados entre o Dnit e as construtoras vencedoras das licitações no Recife e região metropolitana era de responsabilidade de Genival da Silva. O valor total dos contratos chegava a mais de R$ 373 milhões, sendo R$ 67,1 milhões para recuperação da BR-101, no trecho em questão.

“No que concerne à aprovação de revisões de projeto e posteriores aditivos, constatou-se também a existência de falhas graves nos quantitativos necessários à execução da obra, muito superiores aos que seriam de fato executados. Verificou-se que o consórcio construtor, provavelmente em conluio com a JBR Engenharia Ltda., aproveitou-se das falhas existentes no projeto executivo, as quais terminaram por exigir a modificação deste, para propor quantitativos muito acima do necessário para execução dos serviços que foram objeto de alterações”, atestou o laudo técnico.

As irregularidades geraram pagamentos indevidos às construtoras. “Tamanho disparate permitiu que o referido consórcio embolsasse a quantia de R$ 16,29 milhões a preços de dezembro de 2005, referente a serviços superfaturados de corte que sequer foram executados”, diz a controladoria.

A CGU identificou que as empresas recebiam dinheiro normalmente, apesar de problemas nos contratos. Entre eles, ausência de planejamento dos trabalhos executados e de sua efetiva realização, irregularidades nas medições, além de serviços pagos em duplicidade. O reflexo foi o superfaturamento de obras públicas ou pagamento por serviços não realizados.

Qualidade inferior
Laudos técnicos produzidos por peritos do MPF e da Polícia Federal identificaram utilização de material de baixa qualidade e serviços com defeitos, que comprometeram não apenas os padrões funcionais da rodovia, mas também colocaram em perigo a vida dos usuários, devido à possibilidade de deslizamento de terra.

Segundo o Ministério Público Federal, servidores do Dnit chegaram a comunicar ao ex-superintendente da autarquia Divaldo Câmara que os serviços estavam em desacordo com o projeto executivo, porém, conforme a denúncia, ele se omitiu e não apurou os fatos. Já o então supervisor regional de contratos, Ubirajara Rezende, recebia vantagens indevidas de empreiteiras para não realizar a devida fiscalização dos convênios.

A juíza Amanda Torres Lucena condenou Genivaldo da Silva a 12 anos de prisão pelos crimes de corrupção passiva e peculato. Divaldo Câmara foi condenado a 4 anos e 8 meses de reclusão por peculato, além de pagamento de multa. Também foram determinadas a perda do cargo público deles ou cassação de aposentadoria, dependendo do caso. Eles vão recorrer da sentença em liberdade.

Ubirajara Rezende foi condenado a 3 anos e 4 meses de prisão, que foram substituídos por duas penas restritivas de direitos, que consistem na prestação de serviços comunitários e doação mensal a entidade pública, além do pagamento de multa. Os executivos das empresas do consórcio não foram denunciados. Até o fechamento desta edição, o Ministério Público Federal em Pernambuco não havia comentado o caso.

“Tamanho disparate permitiu que o referido consórcio embolsasse a quantia de R$ 16,29 milhões a preços de dezembro de 2005, referente a serviços superfaturados de corte que sequer foram executados”
Trecho de laudo técnico da CGU

Empreiteira nega acusação

O consórcio responsável pela obra, liderado pela empresa Queiroz Galvão, afirmou, em nota oficial, que não houve nenhum tipo de irregularidade. “O consórcio responsável pela execução de obras de restauração, duplicação e obras do Lote 7 da BR-101 (do Km 104,6 ao 148,5) nega com veemência qualquer pagamento ilícito a agentes públicos para obtenção de contratos ou vantagens e reitera que todas as suas atividades seguem rigorosamente à legislação vigente”, comunicou.

Em sua defesa, Genivaldo Paulino alegou em juízo que, como não tinha uma equipe de campo para fiscalizar as obras de restauração e duplicação do Lote 7 da BR-101, essa responsabilidade passou a ser exercida pela empresa supervisora da obra, no caso, a JBR Engenharia, a quem chamou de “meus olhos e meus ouvidos”. Os outros dois condenados também negam recebimento de vantagens indevidas ou qualquer tipo de omissão.

As obras ainda não foram concluídas, mas seguem normalmente. Todos os envolvidos recorrem da sentença em liberdade. Na época das condenações, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) comunicou que tomou todas as providências administrativas para apuração das denúncias. (JV)

A propina do ex-presidente da Eletronuclear

A Polícia Federal já conseguiu comprovar, dentro do inquérito em curso que apura o esquema de corrupção na usina de Angra 3, no Rio de Janeiro, que pelo menos metade dos R$ 4,5 milhões recebidos pelo ex-presidente da estatal Eletronuclear Othon Luiz Pinheiro da Silva seria fruto de propina. Os investigadores cruzaram notas fiscais com supostos serviços e verificaram que alguns documentos foram utilizados para “esquentar” trabalhos que nunca foram prestados pela empresa Aratec, de propriedade do almirante Othon.

Parte do montante pago à empresa, segundo policiais federais, foi legal. Os investigadores admitem que Ana Cristina Toniolo, filha de Othon, realmente executou serviços de traduções técnicas para empreiteiras do esquema. De acordo com o inquérito, que ainda não foi concluído, as empreiteiras repassavam dinheiro para outras empresas de consultorias que, em seguida, depositavam na conta da Aratec.

Na sexta-feira passada, o juiz federal Sérgio Moro, à frente dos processos relativos à Operação Lava-Jato na primeira instância, decidiu converter a prisão temporária do almirante em preventiva. A decisão foi tomada após o recebimento de novas provas contra o ex-presidente da Eletronuclear. O material foi encaminhado pela Procuradoria da República.

Os R$ 4,5 milhões, cuja origem está sendo investigada, foram repassados pelas empreiteiras Andrade Gutierrez e Engevix. Os subornos foram pagos entre 2009 e 2014. A Procuradoria da República atesta que a Andrade Gutierrez obteve um contrato em Angra 3 e conseguiu um aditivo de R$ 1,4 bilhão em 2009 graças ao pagamento de propinas. O dinheiro era pago pela Andrade e pela Engevix, que também tem obras na usina, por meio de quatro empresas intermediárias, até chegar à Aratec.

A força-tarefa obteve uma nota fiscal da Aratec para receber dinheiro da Engevix em 12 de dezembro do ano passado. Para a PF e o Ministério Público, as empresas são de fachada por não terem quadro de pessoal para prestarem qualquer tipo de serviço e por utilizarem suas contas bancárias apenas como canal de passagem em operações de lavagem de dinheiro.

Em depoimento prestado em delação premiada, o então presidente da Camargo Corrêa, Dalton Avancini, disse que houve reuniões em que se discutiu o pagamento de propina a Othon Pinheiro: o negociador na Andrade Gutierrez seria Flávio Barra, que também foi preso na 16ª fase da Operação Lava-Jato. A construtora nega qualquer irregularidade relativa aos contratos firmados com a Eletronuclear.

Usinas
O setor elétrico brasileiro já havia sido citado por delatores da Operação Lava-Jato como um dos focos do esquema de corrupção instalado, sobretudo, na Petrobras. As usinas de Angra 3, no Rio de Janeiro, e de Belo Monte, no Pará, ambas em construção, seriam justamente os principais alvos da organização criminosa. O dono da Construtora UTC, Ricardo Pessoa, chegou a afirmar, em depoimento de delação premiada, por exemplo, que o senador e ex-ministro de Minas e Energia Edison Lobão (PMDB-MA) tratou pessoalmente com ele sobre propina no valor de R$ 1 milhão. O político nega as acusações. (JV)

Gilmar Mendes classifica desvios de "estratosféricos"

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), revelou perplexidade com o fato de um novo delator da Operação Lava-Jato — o lobista Hamylton Padilha, que agia na Petrobras — aceitar pagar multa de R$ 70 milhões ao Tesouro. “Tudo o que vem sendo revelado ultrapassa a nossa capacidade de imaginação”, declarou o ministro.

Segundo Mendes, “os números são, realmente, estratosféricos e indicam que há algo ligado a algum tipo de corrupção sistêmica. Nós não temos ainda a ideia do tipo de prática, do volume que envolve esse chamado petrolão. É altamente constrangedor para todo um sistema de controle”, disse o ministro, na noite de segunda-feira, após evento na Associação dos Advogados de São Paulo.

Hamylton Padilha confessou “graves irregularidades” na Lava-Jato envolvendo a contratação do navio-sonda Titanium Explorer, em 2008, na Diretoria Internacional da Petrobras. Uma propina de US$ 31 milhões foi acertada. Desse montante, efetivamente, teriam sido pagos US$ 10,8 milhões para o PMDB, segundo a Procuradoria da República. Outros US$ 10 milhões foram divididos com o então diretor da estatal, Jorge Luiz Zelada, e outros investigados.

Ao fechar o acordo de delação, Padilha concordou em pagar multa de R$ 70 milhões, um dos maiores valores já desembolsados por investigados na operação. O montante é igual ao que se comprometeu a devolver o primeiro e principal delator da Operação, Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras.

Sobre as delações premiadas, 28 já firmadas no âmbito da Lava-Jato, Gilmar Mendes disse que o país “está vivendo um aprendizado”. “Certamente, vão se detectar deficiências, e elas serão devidamente aperfeiçoadas, como já ocorreu em outros sistemas.”

Dilma formaliza recondução de Janot

A presidente Dilma Rousseff formalizou ontem a indicação de Rodrigo Janot para continuar à frente do Ministério Público Federal. Em mensagem publicada no Diário Oficial da União, a petista cita “encaminhamento ao Senado Federal, para apreciação, do nome do senhor Rodrigo Janot Monteiro de Barros para ser reconduzido ao cargo de procurador-geral da República”.