Correio braziliense, n. 19072, 14/08/2015. Mundo, p. 15

 

Al-Qaeda fiel ao Talibã 

Rodrigo Craveiro

Ayman Al-Zawahiri, sucessor de Osama Bin Laden, divulga mensagem de áudio em que jura lealdade à milícia do Afeganistão. Especialistas veem tentativa de descolamento do Estado Islâmico.

Em rara mensagem divulgada por meio de áudio, o médico egípcio Ayman Al-Zawahiri, líder da rede terrorista Al-Qaeda, cerrou fileiras com o novo chefe da milícia fundamentalista afegã Talibã. “Nós prometemos a nossa lealdade ao comandante dos fiéis, mulá Mohammad Akhtar Mansour, que Deus possa protegê-lo”, declarou, em uma gravação sobreposta a imagens de vídeo de Osama bin Laden e do próprio Al-Zawahiri. “Como emir da Al-Qaeda, eu prometo a vocês nossa lealdade, seguindo o caminho do xeque Bin Laden e de seus irmãos mártires em sua fidelidade ao mulá Omar.” A estratégia visaria conter a debandada de mujahedine (guerrilheiros islâmicos), seduzidos pela criação de um califado muçulmano por parte do Estado Islâmico (EI), no Iraque e na Síria. Mas também conter uma revolta interna na facção fundada pelo mulá Omar.

Especialista em Afeganistão pelo Centro Internacional para Acadêmicos Woodrow Wilson (em Washington), Michael Kugelman explicou ao Correio que Al-Zawahiri pretende fortalecer a legitimidade do mulá Mansour. “É um esforço para prevenir brigas internas dentro do Talibã. Quando o líder da Al-Qaeda jura lealdade a você, a sua legitimidade passa a ser automaticamente fortalecida”, comenta. Para o analista, Al-Zawahiri percebeu que vários militantes do Talibã, contrários à consolidação de Mansour no poder, correm o risco de transferir a lealdade para o EI. “Ao permanecer com Mansour, Al-Zawahiri espera que os guerrilheiros do Talibã mudem de mentalidade e decidam se manter no grupo.”

A jogada pode se revelar inócua. Kugelman lembra que Al-Zawahiri não é tão poderoso ou influente quanto Bin Laden. “Não podemos assumir que talibãs queiram permanecer na milícia simplesmente porque um reclusivo e invisível líder da Al-Qaeda jurou lealdade ao seu líder”, acrescenta. Ele aposta que a mensagem de Al-Zawahiri fortalece Mansour e os simpatizantes, mas não o Talibã como um todo. “Faltam ao chefe da Al-Qaeda a credibilidade e a aprovação generalizada para se impor o respeito do Talibã”, conclui.

Conflito

Tanto a Al-Qaeda quanto o Estado Islâmico reivindicam o controle do movimento fundamentalista islâmico mundial. O grupo liderado por Abu Bakri Al-Baghdadi tem assumido o papel de protagonismo que cabia à facção de Bin Laden até o início da década passada. O choque de interesses dos dois grupos ficou evidente na mensagem de Al-Zawahiri, na qual ele jura “libertar todos os territórios muçulmanos”. De acordo com Najibullah Lafraie, ministro das Relações Exteriores do Afeganistão entre 1992 e 1996, a promessa de lealdade da Al-Qaeda é influenciada pela ascensão e expansão do EI. “É verdade que Bin Laden jurou fidelidade ao mulá Omar, mas essa jura não ocorreu de boa vontade, por pressão do Talibã. A estratégia de Al-Zawahiri é questionar a legitimidade do Estado Islâmico. Segundo teólogos muçulmanos clássicos, quando há um emir legítimo (califa), outros não podem fazer tal afirmação no mesmo momento e no mesmo território”, comentou Lafraie ao Correio, por e-mail. “O que Al-Zawahiri está dizendo é que, desde que o Talibã estabeleceu um Estado Islâmico legítimo, as afirmações posteriores são ilegítimas.”

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Carnificina em Bagdá

Um caminhão frigorífico recheado de explosivos foi pelos ares no meio de um tradicional mercado do bairro de Souk Jameela, pertencente ao distrito xiita de Sadr City, na região norte de Bagdá. O atentado suicida, um dos mais violentos em vários meses, deixou pelo menos 76 mortos e 200 feridos. O grupo jihadista Estado Islâmico (EI) assumiu a autoria do ataque por meio de um comunicado divulgado pela internet. A operação abençoada permitiu aos soldados do Estado Islâmico explodir um caminhão-bomba, afirma a mensagem, segundo a qual a intenção foi fazer com que os xiitas experimentassem o mesmo dano causado por seus bombardeios ao povo muçulmano. 

A explosão ocorreu às 6h (zero hora de ontem em Brasília), no dia em que o mercado fica mais lotado às quintas-feiras, muitos xiitas costumam ir às compras para abastecer a despensa para o fim de semana. Esta é a explosão mais forte que já vi em minha vida. Eu vi alguns carros serem lançados ao céu e fogo irrompeu por todo o lugar, relatou o motorista Hassan Hamid, 37 anos, ferido por estilhaços. Morador de Bagdá, Hayder Al-Shakeri, 24 anos, teme que células do EI, presentes na cidade, estejam a ponto de saírem do estado dormente. Algumas delas estão encobertas em Bagdá. Temo que serão ativadas, disse à reportagem. 

Em entrevista ao Correio, Magnus Ranstorp, especialista em terrorismo pelo Colégio de Defesa Nacional da Suécia, afirmou que o atentado é uma indicação de que a tensões sectárias entre sunitas e xiitas têm recrudescido em Bagdá. O massacre ocorre poucos dias depois de o premiê Haider Al-Abadi propor mudanças radicais para reestruturar o governo central, num esforço para combater a corrupção. Algumas pessoas creem que foram milícias conectadas aos sunitas quem detonaram o caminhão. Outras apontam para o EI. Se for obra dos jihadistas, isso pode levar a mais ataques dentro da capital, admitiu. 

O Estado Islâmico pode estar aperfeiçoando cada vez mais os métodos de terror. O Ministério da Defesa da Alemanha revelou ter indicações de que os jihadistas usaram armas químicas contra peshmergas combatentes curdos no Iraque. Na tarde de terça-feira, as forças peshmergas em Makhmur, a 50km a oeste de Irbil, foram alvos de foguetes Katyusha repletos de gás cloro, informou à agência France-Presse um oficial alemão, sob a condição de anonimato. Muitos guerrilheiros apresentaram problemas respiratórios. ( RC