Janot pede 184 anos de prisão para Eduardo Cunha

Maíra Magro e Juliano Basile 

21/08/2015 

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi denunciado ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, acusado de envolvimento no esquema de corrupção na Petrobras. Na denúncia de 85 páginas o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, diz que Cunha recebeu pelo menos US$ 5 milhões em propina, de 2006 a 2012, para facilitar a contratação de navios-sonda da Petrobras. O pagamento era camuflado por meio de contas offshore, empresas de fachada, simulação de contratos de serviço e até doações falsas a uma igreja.

O procurador também apresentou, ontem, denúncia contra o senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL), o ex-ministro Pedro Paulo Leoni Ramos e outros três acusados, mas a petição está sob sigilo por conter trechos de delações premiadas em segredo de Justiça. A ex-deputada Solange Almeida foi denunciada junto com Cunha, acusada de corrupção passiva. Essa foi a primeira vez que políticos com foro privilegiado no STF foram denunciados dentro da Operação Lava-Jato.

Na denúncia contra Cunha e Solange, Janot pede a devolução de US$ 80 milhões aos cofres públicos - metade como restituição da propina e o restante como reparação à Petrobras. O procurador também pede uma pena que poderia chegar a 184 anos de prisão a Cunha. Segundo Janot, o presidente da Câmara teria praticado corrupção em dois episódios distintos, além de lavar dinheiro 60 vezes, o que totalizaria 184 anos, levando em conta a soma da penalidade mínima para cada um dos crimes separadamente. O máximo que a legislação brasileira permite é 30 anos de prisão em regime fechado. Mas o STF tende a contar cada crime uma única vez e depois aumentar a pena, o que resultaria em um tempo de prisão menor.

A denúncia detalha que Cunha solicitou US$ 40 milhões em propina para viabilizar a contratação dos navios-sonda Petrobras 10000 e Vitoria 10000 com o estaleiro Samsung Heavy Industries, para perfuração em águas profundas na África e no Golfo do México. Segundo Janot, Cunha foi "sócio oculto" de Fernando Soares, o "Baiano", apontado como operador do PMDB na Diretoria Internacional da Petrobras - que agia como intermediário em nome do deputado. "Nos dois navios-sonda, Cunha era o 'sócio oculto' de Fernando Soares e também foi o destinatário final da propina paga, tendo efetivamente recebido ao menos US$ 5 milhões - o equivalente atualmente a R$ 17,3 milhões."

A propina teria sido cobrada do lobista Júlio Camargo, que atuava para a Samsung Heavy Industries e a Mitsui. Camargo narrou o esquema em delação premiada com o Ministério Público. O responsável pela negociação dos contratos na Petrobras seria Nestor Cerveró, à época diretor da área internacional. Ele teria levado o assunto à Diretoria Executiva e conseguido fechar contratos totalizando US$ 1,2 bilhão para os dois navios. "Tais vantagens indevidas foram oferecidas, prometidas e pagas por Júlio Camargo a Fernando Soares, Nestor Cerveró e ao denunciado Eduardo Cunha", diz a denúncia.

Para dar aparência de legalidade ao pagamento de propina, explica a procuradoria, foram feitos dois contratos de comissionamento entre a Samsung e a empresa Piemonte Empreendimentos, de Camargo, que mantinha contas no Uruguai. Depois, parte dos valores teria sido transferida para contas bancárias indicadas por Fernando Baiano, também no exterior.

De acordo com a PGR, Cunha pediu propina, em um primeiro momento, "para garantir a manutenção do esquema ilícito implantado no âmbito da Petrobras, omitindo-se em interferir ou impedir a contratação do estaleiro Samsung, assim como para manter os indicados políticos em seus cargos."

Mas, em 2010, após o recebimento das sondas, a Samsung teria deixado de pagar as comissões para Camargo, inviabilizando o repasse para os outros beneficiários. A partir daí, Cunha teria feito pressões para que o pagamento de propina fosse retomado.

Segundo a PGR, as pressões foram feitas por meio de dois requerimentos na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, formulados em 2011 pela então deputada Solange, aliada de Cunha. Os requerimentos solicitavam informações sobre Camargo, a Samsung e o Grupo Mitsui, envolvido nas negociações do primeiro contrato. Segundo Janot, a ex-deputada estava ciente de que os requerimentos seriam formulados com desvio de finalidade, e o autor intelectual dos pedidos seria Cunha.

De acordo com as investigações, foi Cunha quem elaborou os dois requerimentos, usando sua senha pessoal nos computadores da Câmara. Depois, eles foram autenticados pelo gabinete de Solange. Depois da pressão, os pagamentos foram retomados.

Cunha ainda não é réu. O STF terá que decidir se aceita ou não a denúncia para abrir ação penal contra ele. Por ser presidente da Câmara, Cunha terá que ser julgado no plenário do STF.

Afastamento de cargo poderia estar na denúncia

Adriana Aguiar e André Guilherme Vieira 

O procurador-geral da República Rodrigo Janot poderia, se entendesse necessário, ter solicitado o afastamento do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da presidência do Legislativo federal. A avaliação é do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, e do ex-ministro do STF Carlos Velloso. O deputado foi denunciado ontem por corrupção e lavagem de dinheiro na condição de beneficiário de propina de US$ 5 milhões em contratação de navio-sonda pela Petrobras, entre 2006 e 2007, segundo a acusação.

"Como titular da ação penal, ele poderia. Agora, se o pedido seria ou não acolhido pelo ministro relator é outra questão", afirmou Marco Aurélio ao Valor PRO, serviço em tempo real do Valor. Segundo o ministro, contudo, não há jurisprudência a respeito na corte. "No STF não conheço uma decisão nesses 25 anos que tenha implicado em afastamento. Já no Superior Tribunal de Justiça (STJ) há o costume de afastar do cargo assim que a denúncia é recebida", diz.

O ministro ressalta que é preciso observar o princípio da não culpabilidade previsto na Constituição. "Cabe a nós implementar a Justiça e não o justiçamento".

Para ex-ministro do STF, Carlos Velloso, além do pedido de afastamento de Cunha, Janot poderia ter solicitado a prisão do parlamentar. "Do ponto de vista legal não há impedimento. Pessoalmente eu concordo com o Janot. Eu não acho necessária [a prisão]. Na verdade, acho até louvável o fato de ele não ter solicitado a prisão de Cunha. Porque eu duvido que o ministro relator [Teori Zavascki] a acolhesse". Na opinião de Velloso, o procurador-geral da República não teria denunciado Eduardo Cunha "se não houvesse fortes indícios e comprovação da materialidade do delito".

Advogados constitucionalistas ouvidos pelo Valor ainda entendem que não há previsão legal que obrigue o deputado a deixar a presidência sem condenação definitiva. O que pode acontecer, de acordo com eles, é um movimento político na Câmara dos Deputados, pela Comissão de Ética, que julgaria se houve quebra de decoro parlamentar. Em uma situação como essa, Cunha poderia ser afastado por maioria de votos favoráveis.

Para Claudia Costa, professora de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, qualquer denunciado tem a presunção de inocência garantida pela Constituição até que seja condenado. Ela ressalta que os deputados têm assegurada a imunidade parlamentar para mantê-los no cargo em períodos de turbulência. "Isso não quer dizer que ele não possa ser eventualmente cassado na Câmara dos Deputados", afirma.

Com a denúncia, Cunha ainda tem o direito à ampla defesa, também assegurado pela Constituição, explica o professor do Instituto Millennium e também do Mackenzie, João Antonio Wiegerinck. "Até o julgamento do último recurso poderá exercer seu cargo", avalia.

Apenas na hipótese de condenação haveria base jurídica para a sua cassação ou renúncia, diz Wiegerinck. "Nesse caso ele poderia optar pela renúncia e concorrer em uma próxima eleição. Caso contrário, se cassado, poderia ficar até duas eleições sem se candidatar". O advogado Andre Ramos Tavares, professor titular da Universidade de São Paulo (USP), acrescenta que por enquanto há apenas uma denúncia que pode até mesmo não ser aceita pelo Judiciário.

MPF só coletou dados pedidos em ordem judicial

Raphael Di Cunto 

Em documento encaminhado à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados para responder questionamento do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), sobre a coleta de dados pelo Ministério Público Federal (MPF), o diretor do Centro de Informática (Cenin) da Câmara, Guilherme Brügger D'Amato, afirma que os investigadores tiveram acesso a uma cópia de segurança das informações de todos os deputados e funcionários da Casa, mas foram extraídos apenas os dados do pemedebista e da ex-deputada Solange Almeida (PMDB-RJ).

"A diligência foi conduzida pelo Ministério Público Federal e realizada por servidores da Casa, em equipamentos da Câmara dos Deputados, e nos estritos limites da ordem judicial", afirma o diretor do Cenin no ofício. "O resultado do processamento, que continha apenas os dados solicitados, foi gravado em mídia (CD), observando o devido sigilo", disse D'Amato.

Os documentos copiados servirão para embasar denúncia contra o presidente da Câmara que feita ontem pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito da Operação Lava-Jato.

O doleiro Alberto Youssef acusou Cunha de apresentar requerimentos, por meio da ex-deputada, para pressionar as empresas Samsung e Mitsui a pagarem propina.

Cunha negou a acusação e afirmou não ser responsável pelos requerimentos protocolados por Solange, mas ele aparece como autor dos requerimentos no sistema interno da Câmara. Foi atrás destes dados que o MPF fez uma diligência no sistema de informática da Casa em maio.

O pemedebista cobrou que a Advocacia-Geral da União (AGU) entrasse com ação para anular os documentos coletados, com o argumento de que foi quebrado o sigilo de todos os 513 deputados. A AGU ingressou com o processo no STF há duas semanas e, na resposta à Corte, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, respondeu que Cunha usava o cargo para se proteger e "confunde o público com o privado" pois a ação serviria apenas ao pemedebista.

Cunha iniciou um bate-boca com o ministro da AGU, Luís Inácio Adams, sobre a iniciativa de ingressar com a ação. Cunha disse que não solicitou o recurso e rompeu o contrato para que a AGU defenda a Casa nas instâncias superiores, e Adams afirmou que foi cobrado três vezes pelo pemedebista sobre a ação.

Questionado pelo líder do PSOL na Câmara, Chico Alencar (RJ), em reunião dos líderes partidários sobre o uso da Câmara para sua defesa pessoal, Cunha afirmou que agia porque os dados de todos os 513 deputados foram violados com a ação. Em ofício ao líder do PSOL, Janot respondeu de novo que Cunha tenta usar a Câmara como "escudo" para sua defesa.

Já Cunha afirmou que Janot teve acesso a todos os dados. "Quando fizeram a operação na Câmara dos Deputados, coletaram os dados dos 513 deputados no sistema que pegaram. [...] Então, se ele desprezou ou devolveu os dados ou apenas utilizou os dados que interessavam, não significa que quando fizeram a busca aqui não levaram todos os dados, porque eles pegaram o sistema inteiro por três meses."

Lava-Jato levou a 242 ações para apurar sonegação fiscal

Edna Simão 

A Receita Federal já abriu, até o momento, 242 ações de fiscalização para apurar sonegação de tributos pelos envolvidos na Operação Lava-Jato. Deste total de procedimentos, 66 referem-se a pessoas físicas. Por enquanto, nenhuma delas foi finalizada. Segundo o coordenador-geral de Fiscalização da Receita Federal, Flávio Vilela Campos, já existem mais 60 dossiês prontos para abertura de novas ações de fiscalização.

O subsecretário de Fiscalização da Receita, Iágaro Jung Martins, explicou que o fato de o Fisco ter aberto 242 ações de fiscalização não quer dizer que esses contribuintes são culpados de sonegação ou lavagem de dinheiro. Porém, ele lembrou que, o nível médio de acerto da Receita é de 91%.

Segundo a Receita Federal, com o acesso às ações penais, a quantidade de informações para serem analisadas cresce consideravelmente. Por enquanto estão sendo analisadas pela Receita 7.516 empresas e 6.072 pessoas físicas.

Em dezembro de 2014, o Fisco teve acesso a 89 ações penais em tramitação na 13ª Vara da Justiça Federal no Paraná. As informações retiradas dos autos foram organizadas e sistematizadas e também passaram a subsidiar as análises destinadas à abertura de procedimentos fiscais de fiscalização.

O subsecretário disse que em todas as operações que envolvem corrupção, não só na Lava-Jato, há vinculação a uma pessoa jurídica tributada pelo lucro presumido e que presta consultoria ou algum tipo de serviço difícil de ser materializado.

Sobre o caso específico do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Martins afirmou que ele foi intimado a dar explicações para a Receita Federal. "Ele está respondendo e atendendo aos pedidos de informações", frisou o subsecretário.

Segundo Martins, a equipe especial de fiscalização da Receita que trata da Operação Lava-Jato conta com 39 auditores fiscais executando as ações e mais de 15 processando-as, analisando e selecionando os sujeitos passivos que serão alvo de fiscalização. A tendência é que mais funcionários sejam destacados para esse trabalho.

A Receita informou que, com as ações fiscais abertas para investigar sonegação de tributos de envolvidos na Lava-Jato, foi possível identificar pagamentos efetuados a outras dezenas de empresas que possuem características similares às empresas "noteiras", prestadoras de serviços fictícios.

Esses pagamentos, segundo a Receita, teriam recursos oriundos de outros setores não ligados ao de petróleo, tais como setor elétrico e de energia, transporte e saneamento básico. O fato, conforme a Receita, foi comunicado à força-tarefa da operação acompanhado de pedido de quebra do sigilo bancário pela via judicial.

De acordo com a Receita, na Operação Lava-Jato, ex-diretores, lobistas e pessoas influentes conseguiam contratos superfaturados da Petrobras com grupos de empreiteiras e consórcios. As empreiteiras e consórcios realizavam contratação de serviços fictícios com empresas controladas pelos operadores com o único intuito de repassar parte do superfaturamento obtido dos contratos e de se apropriarem indevidamente de despesas que de fato não ocorreram. Essa empresas controladas pelos operadores, ditas empresas de fachada ou 'noteira', por sua vez, transferiram recursos aos beneficiários finais.

Ao divulgar o resultado da fiscalização da Receita do primeiro semestre, o subsecretário destacou ainda a conclusão da Operação Monte Carlo, fase "zero" da Lava-Jato. A fiscalização iniciada em março de 2012 resultou em 83 autuações com representação fiscal para fins penais e R$ 1,739 bilhão em crédito tributário.