Correio braziliense, n. 19068, 10/08/2015. Política, p. 2

 

Voz para os aliados

 

Warner Bento Filho
Isabella de Andrade
Especial para o Correio
Jorge Macedo
Especial para o Correio
Paulo de Tarso Lyra
Marcella Fernandes
 
Depois de sofrer derrotas na Câmara, Dilma se reúne com a coordenação política e anuncia que vai se encontrar com os líderes dos partidos governistas durante a semana. A ideia é ouvir os congressistas para preservar o mandato.

Em meio à maior crise política dos dois mandatos, a presidente Dilma Rousseff tenta recompor a base aliada e ensaia uma reação para esta semana. A reforma ministerial está descartada para os próximos dias, segundo o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, embora interlocutores reconheçam a necessidade de fazer mudanças na Esplanada para garantir a governabilidade. A expectativa é que as alterações no primeiro escalão sejam feitas depois que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentar ao Supremo Tribunal Federal as denúncias contra políticos envolvidos na Lava-Jato. Segundo Edinho Silva, o governo reconhece a crise e aposta no diálogo para superar as dificuldades.

As declarações foram feitas na noite de ontem, pouco depois das 23h, no fim do encontro que reuniu, no Palácio da Alvorada, ministros e líderes da coordenação política do governo. A reunião, que normalmente ocorre nas manhãs de segunda-feira, foi antecipada em função da viagem que a presidente faz hoje a São Luís, no Maranhão — estado que lhe deu a margem mais folgada de votos na reeleição do ano passado —, para entregar novas unidades do Programa Minha Casa Minha Vida.

Participaram do encontro na noite de ontem, além de Edinho, o vice-presidente Michel Temer, os líderes do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães

(PT-CE), e no Congresso, José Pimentel (PT-CE) e mais 13 ministros, incluindo Aloizio Mercadante (Casa Civil), Joaquim Levy (Fazenda), Nelson Barbosa (Planejamento) e José Eduardo Cardozo (Justiça).

Hoje à noite, ocorre o primeiro dos encontros com a base aliada, a presidente se reunirá com senadores em jantar no Palácio da Alvorada, para pedir o apoio da Casa. Ao longo da semana, a presidente pretende conversar individualmente com cada um dos líderes dos partidos que declararam apoio ao governo no início do mandato, incluindo PDT e PTB, que na última semana anunciaram rompimento com o Palácio do Planalto.

O governo precisa lidar esta semana com as “pautas-bomba” em votação no Congresso, que colocam em risco o ajuste fiscal, com o esfacelamento da base aliada, o enxugamento de ministérios e as manifestações contra seu governo previstas para o próximo domingo.

Pauta-bomba
A aposta no Senado é uma tentativa de a presidente de manter-se viva na condução do país. Embora haja a permanência dos esforços para reconstruir a base na Câmara, o Planalto sabe que precisará muito dos senadores nesta fase aguda da crise. Tudo o que os deputados votam — projetos do ajuste, aumentos salariais, contas de governo e até uma possível abertura de processo de impeachment — precisa ser referendado pelos senadores. Na noite de quinta-feira, Dilma teve uma reunião a sós com o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), para pedir ajuda.

Na manhã de quinta-feira, o líder do PR no Senado, Blairo Maggi (MT), demonstrou preocupação com a situação do país. O senador José Serra (PSDB-SP) também afirmou que a imagem de descontrole nas contas públicas paralisa os empresários e espanta os investidores. “Se alguém disser que a saída para essa crise é fácil, está chutando alto. Ela não será simples, nem rápida. Temos efeitos externos incontroláveis, como as novas delações da Operação Lava-Jato, que podem mudar rapidamente a direção das coisas”, afirmou Serra, ao Correio.

Dilma também começa a ser cobrada insistentemente para promover uma reforma ministerial. Poderá, inclusive, fazer um enxugamento no atual modelo da Esplanada, o que, para muitos aliados, é um risco enorme. Para alguns céticos, em um momento em que ela precisa de apoio dos partidos aliados e do PT, somado aos movimentos sociais, ela não teria condições de cortar pastas, sob pena de perder o último suspiro de sustentabilidade política.

Na opinião da líder do PCdoB na Câmara, deputada Jandira Feghali (RJ), a reforma precisa ser feita. “Como está, não dá para ficar”, diz a parlamentar. Segundo ela, o governo precisa “incorporar politicamente os aliados. Nem sempre o ministro tem relação com as bancadas do Congresso”, diz a deputada.

Quem defende a proposta sugere um modelo de fusões que, necessariamente, não implicaria em perda das bandeiras sociais defendidas pelo PT. Uma das ideias na prancheta palaciana seria a criação de um superministério dos Direitos Humanos, tendo sob seu guarda-chuva as políticas para mulheres e negros. Por tratar de assuntos complementares, Ciência e Tecnologia e Comunicações também poderiam ser unidas em uma sigla única. Mais polêmica é a proposta de juntar Agricultura, Pesca e Desenvolvimento Agrário.

Outra mudança mais arriscada está sendo sugerida por petistas e peemedebistas, mas ainda é tabu no Planalto. A migração do atual titular da Defesa, Jaques Wagner, para a Casa Civil. Desde a reeleição da presidente Dilma, em outubro do ano passado, petistas torcem por essa indicação. Mas Dilma sempre deu reiterados sinais de apreço ao atual titular da Casa Civil, Aloizio Mercadante.

As ideias
O que pensam os estrategistas políticos sobre a reforma ministerial para tentar tirar Dilma da crise

Casa Civil
Uma estrutura vitaminada, comandada por Jaques Wagner, englobando a Secretaria de Relações Institucionais e Secretaria de Comunicação

Direitos Humanos
A pasta englobaria todas as ações do setor, incluindo políticas para mulheres e negros

Setor rural
Polêmica, há quem sugira uma fusão dos ministérios da Agricultura, Desenvolvimento Agrário e Pesca

Conhecimento e investimentos
União dos ministérios das Comunicações e Ciência e Tecnologia

Cunha nega ser "vilão"
O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), rompido com o governo desde 17 de julho, usou mais uma vez as redes sociais para negar que esteja trabalhando para fragilizar a presidente Dilma Rousseff com a votação de uma pauta-bomba e a abertura de CPIs incômodas ao Palácio do Planalto. “A tentativa de alguns de me colocar como vilão das contas públicas por retaliação ao governo não tem amparo na realidade dos fatos”, reclamou em sua conta no Twitter na tarde de ontem. “Sei bem os riscos que sinais equivocados podem causar na avaliação do grau de investimento do país e não compactuo com isso”, afirmou. “É preciso parar de especular e tratar as coisas com mais seriedade”, afirmou Cunha.

“Tentar esconder a real situação de fragilidade do governo sem base na Câmara, me culpando pelas suas derrotas, é querer não enfrentar o problema”, defendeu-se. “A verdade nua e crua é que não existe base do governo.”

Ontem, Cunha negou ter influenciado o pedido feito ao Supremo Tribunal Federal (STF) para invalidar as provas obtidas contra ele. “Não orientei qualquer ação, até porque não preciso que a minha defesa seja feita por alguém que não seja o meu advogado”, escreveu o presidente em sua conta. O STF recebeu na sexta-feira um pedido da Câmara para invalidar documentos apreendidos na Casa em maio, em uma ação que tinha Cunha como alvo. O pedido é assinado pelo advogado-geral da União substituto, Fernando Luiz Albuquerque Faria, em nome da Casa Legislativa.