Irã, Opep, China e estoques nos EUA criam clima de pressão sobre petróleo

Renato Rostás 

21/08/2015

A indefinição de alguns fatores relativos à dinâmica de oferta e demanda no mercado de petróleo tem se refletido na instabilidade dos preços da commodity. Analistas também não chegaram ainda a um consenso em suas projeções, à espera de eventos como a confirmação do retorno do Irã ao cenário internacional, ou o volume de compras vindo da China, influenciado pelo comportamento da economia local.

Ontem, os contratos futuros com vencimento em novembro do Brent, negociados na Intercontinental Exchange (ICE) de Londres, fecharam em queda de 1,21%, para US$ 47,35 o barril. Enquanto isso, na Nymex, bolsa de mercadorias de Nova York, o contrato futuro do WTI também de três meses avançou 1,99%, para US$ 42,09. Desde a máxima anual em 2015, de US$ 69,85, o Brent já perdeu 33,3%, enquanto o WTI teve desvalorização de 34,6%, ante pico de US$ 62,93.

Os dados que mais influenciaram esse enfraquecimento do petróleo foram o aumento da produção pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e a evolução dos estoques nos Estados Unidos - que indica também uma procura menor pela commodity e seus derivados. Dúvidas nos dois lados, de oferta e demanda, ainda pairam sobre o mercado.

Para Walter de Vitto, analista para o setor da Tendências Consultoria, a cotação ainda se recupera e sobe até US$ 54,42, na média de dezembro. Mas a instituição leva em conta para seus cálculos a dinâmica entre capacidade e procura pelo petróleo, não o fator psicológico dos investidores. Além disso, a chegada da produção iraniana também não está incluída nessa conta.

"Se o Irã entrar no mercado, será uma enxurrada de petróleo no ano que vem", explica. Em 2016, a consultoria acredita que o preço médio sobe 8,1% ante 2015, para US$ 59,98. "Mas ainda não está certo que as sanções vão acabar, há incógnitas quanto à possibilidade, ao momento e também à quantidade que será produzida [pelo Irã]", acrescenta.

A expectativa é que, com o fim das restrições impostas pelo Ocidente ao país, o petróleo iraniano possa ser exportado a outros países, o que imporia um desequilíbrio ainda maior do que o atual à dinâmica de oferta e demanda. Mais próximo ao segundo semestre do ano que vem, esse total excedente seria de cerca de 500 mil barris por dia, mas em capacidade máxima poderia atingir 1 milhão de barris.

O aumento dessa possibilidade ajudou a deprimir a cotação da commodity nos últimos meses e já há projeções pessimistas que apontam para o petróleo mais perto de US$ 30 o barril, como a do Citigroup - já em 2015. O analista Seth Kleinman, do banco americano, afirma em relatório que a mínima de US$ 32,40 observada em 2008 já se tornou realidade novamente.

Por outro lado, o banco suíço Julius Baer manteve sua estimativa de US$ 55 para os próximos 12 meses no caso do Brent. No horizonte de 90 dias, o analista Carsten Menke prevê nível entre US$ 55 e US$ 60. "De fato os fundamentos que sustentam os preços estão mais fracos, mas não na grandeza que essa venda generalizada sugere", comenta.

Mas como o pessimismo aumentou nas bolsas de mercadorias de Londres e Nova York, na semana passada a posição vendida de investidores em contratos futuros da commodity chegou a altos níveis históricos. Essa aposta na queda continuou a deprimir os preços, levando ao patamar de ontem. O Morgan Stanley, em relatório, disse que a desvalorização do yuan pelo governo chinês e os dados econômicos fracos do país afetaram ainda mais a confiança do mercado em produtos como o petróleo.

Na opinião de Vitto, da Tendências, a maior culpada pela desvalorização seria a Opep. Em julho, o cartel que reúne países do Oriente Médio e a Venezuela produziu a maior quantidade de petróleo desde maio de 2012. A alta frente a junho foi de 101 mil barris diários, para 31,51 milhões de barris por dia. "Ninguém esperava que a Opep cortasse a produção para segurar o preço, mas ela acabou até aumentando", diz o analista da Tendências.

Paralelamente, os estoques nos Estados Unidos voltaram a subir na semana passada, para 456,2 milhões de unidades. Com o Irã em jogo, Vitto crê que a queda levará, sim, o barril a um preço menor do que o registrado atualmente. "Pode acontecer por alguns meses, perto de US$ 30 até, mas isso é abaixo do custo operacional da maioria das produtoras fora do Oriente Médio", lembra. "Já a Opep aguenta muito mais, os países do Oriente Médio gastam de US$ 5 a US$ 10 por barril, então aguentam mais o baque no curto prazo."

Para se proteger desse cenário deteriorado, o governo do México resolveu se proteger. O Ministério das Finanças local adquiriu derivativos que vão funcionar como "hedge" e impedir que as exportações de 20156 sejam vendidas a menos de US$ 49 o barril.

Dívida e temor de rebaixamento afetam Petrobras

Cláudia Schüffner 

Em um amplo relatório que analisa os fundamentos da Petrobras, o Itaú BBA aponta muitas das preocupações a respeito da estatal. Entre as questões relevantes está a rampa de crescimento da produção abaixo do esperado, a falta de paridade de preços dos combustíveis, a possibilidade de desembolsar grandes quantias com litígios fiscais e pagamentos pelas áreas adquiridas na capitalização. Todos esses fatores podem agravar a projeção de queima de caixa da empresa. Isso torna-se preocupação adicional quando se observa o cronograma de amortização da dívida. O endividamento líquido fechou o primeiro semestre em R$ 324 bilhões.

Ainda que os vencimentos de empréstimos neste e nos próximos anos não sejam tão relevantes, o banco chama a atenção para o fato de a Petrobras ter dívidas de R$ 76 bilhões vencendo em 2019. Diante das premissas usadas pela estatal em seu plano de negócios, o banco calcula que a empresa precisará levantar, em média, R$ 80 bilhões por ano em dívidas no mercado até 2019, se não reduzir a queima de caixa operacional.

O valor, que inclui a rolagem, seria "bastante desafiador", conforme os analistas Diego Mendes e Pablo Castello Branco, do Itaú BBA. Estão previstos investimentos de R$ 85,34 bilhões, o que aponta necessidade R$ 104,6 bilhões - seja por meio da venda de ativos ou captações - em um único ano. O cálculo considera o pagamento de dividendos.

"Portanto, a venda de ativos é muito importante para a empresa reduzir o risco de emissão de nova dívida", afirmam os analistas.

Tamanha necessidade de capital implica em acesso aos mercados de dívida. Mas o Itaú BBA mostra preocupação com a possibilidade de perda do grau de investimento pelo Brasil em 2016, o que arrastaria a Petrobras. No relatório, os analistas lembram que a Standard & Poors (S&P) já reduziu a nota da estatal para abaixo do grau de investimento no critério "stand alone". E observam que recentemente a agência mudou a perspectiva para o país de estável para negativa, o que é um indício de que o Brasil pode deixar de ser classificado como grau de investimento se os indicadores econômicos não melhorarem. "Se o Brasil perder seu status de investimento não especulativo, acreditamos que a mesma avaliação será aplicada a Petrobras pela S&P", afirmam.

Eles ponderam que nesse cenário o acesso da Petrobras ao mercado de dívida poderia diminuir significativamente, enquanto o custo provavelmente iria subir. Esses fatores, alerta o banco, representam riscos significativos para a implementação do plano de negócios. E deixam claro a importância de cumprir o plano de desinvestimento para reduzir a alavancagem e aumentar a confiança do mercado.

O Itaú também reduziu em 5,36% a estimativa de aumento da curva de produção da estatal até 2020. A previsão é de que a empresa chegue ao fim da década produzindo 2,65 milhões de barris de petróleo por dia, volume inferior à meta da estatal de 2,8 milhões de barris. A revisão foi feita com base na análise do histórico de instalação das plataformas pela Petrobras desde 2006.

Os analistas observam que ao observar a rampa de crescimento, que depende da velocidade de conexão dos poços às plataformas, a maioria das unidades teve atraso em relação à programação original e que a maior parte delas opera bem abaixo da sua capacidade.

"Embora a maior parte das novas unidades estejam previstas para a região do pré-sal, que tem menor risco de produção, achamos provável que a Petrobras vá enfrentar outros desafios na implementação das novas unidades, especialmente com a construção dos FPSOs, dada a situação dos estaleiros locais", dizem.

Tendo isso em vista, os analistas adiaram, no modelo, a data de implementação prevista para as unidades que estão sendo construídas sob a supervisão da Petrobras. Com menor produção que o previsto, o modelo do Itaú BBA mostra que a petrolífera ainda vai queimar caixa até pelo menos 2020.

O cenário base do banco considera crescimento médio da produção de 3,7% ao ano até o final da década, com o preço do barril de petróleo Brent (que é referência fora dos Estados Unidos) aumentando lentamente para US$ 80 em 2018. Ontem, os contratos do petróleo Brent com vencimento em outubro fecharam um pouco acima de US$ 46. Outro ponto relevante para a Petrobras é o preço dos combustíveis, já que a previsão é que o país será importador líquido. O banco calcula que a Petrobras perdeu R$ 16 bilhões entre 2012 e 2014 com importações.

As premissas são de que em 2018 o diesel e a gasolina terão paridade com os preços internacionais. Se isso não acontecer, a Petrobras poderá perder de US$ 2,4 bilhões a US$ 4,5 bilhões até 2020, dependendo do desconto entre os preços no Brasil e os de importação. Ontem, as ações preferenciais fecharam em R$ 8,73 na BM&F.

Valor econômico, v. 16, n. 3825, 21/08/2015. Empresas, p. B3