Correio braziliense, n. 19062, 04/08/2015. Política, p. 2/3

 

Dirceu, a origem

Eduardo Militão

Um dos principais ícones do Partido dos Trabalhadores, responsável direto pela vitória de 2002 e que iniciou a série de quatro mandatos à frente do Palácio do Planalto, foi parar na cadeia ontem. A Operação Pixuleco, a 17ª fase da Lava-Jato, teve como alvo o ex-ministro José Dirceu de Oliveira e Silva. A Polícia Federal prendeu o ex-militante que combateu a ditadura, viveu ora exilado no exterior, ora escondido no Brasil, e  foi condenado a sete anos e 11 meses de prisão por corrupção no mensalão. Ele cumpria pena domiciliar em sua casa no Lago Sul, em Brasília. Pela manhã, delegados e agentes o levaram para celas da Superintendência da Polícia Federal na capital. Dirceu segue para Curitiba hoje.

A PF e o Ministério Público dizem que o petista, ainda quando era o todo-poderoso chefe da Casa Civil do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, foi um dos artífices de um esquema para desviar dinheiro da Petrobras. Segundo os delegados e procuradores da Operação Lava-Jato, ele ainda recebeu propinas para si, por meio de sua empresa JD Consultoria. Apesar de Dirceu alegar que fez serviços lícitos de lobby no exterior, os investigadores afirmam que a maioria dos negócios era apenas para camuflar corrupção (veja na página 3).

De acordo com a investigação, ele era um dos líderes da organização criminosa e utilizou o mesmo DNA do mensalão para obtenção de recursos ilícitos para enriquecimento pessoal. O procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima atestou que o petista, por meio do seu irmão Luiz Fernando de Oliveira e Silva, que também acabou preso com outras seis pessoas, recebia dinheiro, mesmo estando na cadeia ou respondendo em liberdade processo na Justiça. Não é à toa que o ministro do Supremo disse que o DNA é o mesmo. Nós temos o DNA, realmente, de compra de apoio parlamentar pelo Banco do Brasil, no caso do mensalão, como na Petrobras, no caso da Lava-Jato, afirmou Carlos Fernando.

Duzentos homens
Ontem, 200 policiais federais cumpriram 26 mandados de busca e apreensão e fizeram oito prisões em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Entre os detidos, o irmão do ex-ministro, Luiz Eduardo Oliveira e uma pessoa de sua confiança, o funcionário da Assembleia Legislativa de São Paulo Roberto Marques. O juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, determinou o confisco de R$ 20 milhões das contas de Dirceu, da JD e de outros investigados.

A partir de informações dos lobistas delatores Julio Camargo e Milton Pascowith, os investigadores localizaram repasses de dinheiro, doações, ligações telefônicas, reformas e compras de imóveis. Para eles, tudo comprova a participação do ex-ministro e de pessoas ligadas a ele no esquema de corrupção. Para isso, foram usadas as empresas de terceirização de mão de obra Hope RH e Personal Service. Conforme Pascowitch, as duas pagavam entre R$ 500 mil e R$ 800 mil mensais a Dirceu e seu grupo.

Apontado como um dos principais líderes do esquema, Dirceu avalizava nomes de diretores da Petrobras, como Renato Duque e mesmo Paulo Roberto Costa, que era da cota do PP, segundo os delegados e procuradores. Dirceu era aquele que tinha como responsabilidade definir os cargos na administração Luiz Inácio, declarou. A consultoria recebeu R$ 39 milhões de empresas envolvidas no esquema de corrupção, segundo a PF e a Procuradoria. Carlos Fernando disse que, no momento, não há nada em apuração contra Lula. Nenhuma pessoa, num regime republicano, está livre de ser investigada, ponderou.

Pressões políticas
A defesa de José Dirceu disse que a prisão do ex-ministro foi motivada por pressões políticas e afirmou que ele prestou os esclarecimentos devidos à Justiça sobre as transações financeiras da JD, embora os relatórios de serviços não tenham sido apresentados. José Dirceu hoje é bode expiatório do processo, disse o advogado Roberto Podval, em entrevista coletiva ontem à noite. Termina uma fase do processo com a punição do José Dirceu como um grande prêmio que se encontrou. De acordo com ele, a decisão de Moro foi influenciada pela pressão popular, mas não há base legal para isso porque Dirceu não apresentou risco de fuga ou tentou destruir provas do processo. Ele criticou o depoimento de Pascowitch, que classificou como estranho. Disse que o delator falou o que queriam ouvir para ter sua liberdade.

Pascowitch disse que o então tesoureiro do PT João Vaccari ordenou-lhe fazer pagamentos derivados de contratos da Petrobras. Mas, em nota, o presidente da legenda, Rui Falcão, reiterou a legalidade de suas operações financeiras. O Partido dos Trabalhadores refuta as acusações de que teria realizado operações financeiras ilegais ou participado de qualquer esquema de corrupção, disse ele. Todas as doações feitas ao PT ocorreram estritamente dentro da legalidade, por intermédio de transferências bancárias, e foram posteriormente declaradas à Justiça Eleitoral.

A Hope RH disse que tudo será esclarecido. A Hope informa que sempre colaborou e continuará colaborando com as autoridades, posicionou-se a empresa, em nota. A Personal não comentou o caso porque seus advogados não obtiveram cópias do inquérito. Ela destacou apenas que está no mercado há 21 anos, tem 150 clientes e trabalha para a Petrobras desde 1998, sempre por licitação.

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Consultorias de fachada, segundo a PF

Eduardo Militão

O delegado da Polícia Federal Márcio Adriano Anselmo afirmou na noite de ontem duvidar que as consultorias do ex-ministro José Dirceu tenham funcionado de fato em tantos setores do conhecimento. Segundo a assessoria do petista, a JD Assessoria e Consultoria atendeu cerca de 60 clientes de 20 setores. A empresa tinha só um funcionário com nível superior, o que torna bastante difícil considerar que ela tivesse expertise para prestar essas consultorias, ainda mais considerando que elas eram tão vastas, abrangendo desde empreiteiras até laboratórios de medicamentos e uma série de outras atividades, afirmou Anselmo, na porta da Superintendência da PF em Curitiba, em entrevista à TV Globo.

Como revelou o Correio em 26 de abril, nenhuma empresa investigada pela PF e pelo Ministério Público prestou qualquer esclarecimento ou prova de que os serviços foram realizados. De acordo com Anselmo, a situação perdura até hoje, desde que o inquérito contra Dirceu e a firma de consultoria, hoje extinta, foi aberto. Eles tiveram praticamente seis meses para que fossem apresentadas as comprovações dessas consultorias e, até hoje, nós não temos qualquer comprovação, disse o delegado. Há simplesmente menções a contratos e a eventuais serviços de lobby ou abertura de portas ou algumas coisas vagas.

A Receita Federal identificou que a JD recebeu R$ 29 milhões entre 2006, logo após Dirceu deixar a chefia da Casa Civil do governo de Luiz Inácio Lula Silva por causa do mensalão, em 2013. Desse valor, 35%, ou R$ 10 milhões, foram para empresas sobre as quais a Procuradoria-Geral da República pediu esclarecimentos adicionais (veja quadro), boa parte delas fornecedora da Petrobras.

Não é crível
Na decisão que determinou a prisão de Dirceu, o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, atentou que são frágeis os argumentos do ex-ministro de que prestou serviços para as empreiteiras sob a mira da Lava-Jato, embora ele possa ter prestado alguma intermediação de negócios. A Engevix, por exemplo, pagou R$ 1,1 milhão ao consultor, mas nenhum negócio foi fechado, conforme depoimento do dono da empresa Gérson Almada.

Moro destacou que muitos pagamentos aconteceram após a condenação de Dirceu no processo do mensalão, em dezembro de 2012, e até depois de sua prisão. Para Moro, não é crível que, após ser condenado e preso por corrupção, o ex-ministro fosse procurado para prestar consultoria e intermediação de negócios. Enquanto os eminentes ministros discutiam e definiam, com todas as garantias da ampla defesa, a responsabilidade de José Dirceu pelos crimes, alguns deles, aliás, sendo alvo de severa crítica pública por associados ao ex-ministro da Casa Civil, o próprio acusado persistia recebendo vantagem indevida decorrente de outros esquemas criminosos, desta feita no âmbito de contratos da Petrobras.

A defesa de Dirceu contesta o argumento da PF. Afirma que foram feitas viagens ao exterior para prospectar negócios, fato confirmado por Almada. E diz que, ao contrário do que informou Milton Pascowith, nenhum trabalho tinha relação com a Petrobras.


Cronologia
José Dirceu de Oliveira e Silva nasceu em 16 de março de 1946, em Passa Quatro, Minas Gerais

1961
Mudou-se para São Paulo para trabalhar e estudar

1965
Início do curso de direito na Pontifícia Universidade Católica 
de São Paulo (PUC-SP)

 

1965
Começo da militância política no movimento estudantil. Foi eleito vice-presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) no período de 1965-1966

1966
Rompimento com o Partido Comunista Brasileiro (PCB)

1967
Conhecido pelo codinome Daniel, tornou-se presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE-SP)

1968
Foi preso pela primeira vez em 12 de outubro, em Ibiúna (SP), durante o 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE)

1969
Em 5 de setembro, teve a nacionalidade cassada. Foi deportado para o México, com outras 14 pessoas, numa troca que envolveu o embaixador norte-americano no Brasil, Charles Burke Elbrick, sequestrado por dois grupos guerrilheiros

1969
Do México, Dirceu seguiu para Cuba e permaneceu por um ano e meio. Lá, estudou, trabalhou e recebeu treinamento militar

1971
Retornou ao Brasil pela primeira vez, onde viveu clandestinamente em São Paulo e em algumas cidades do Nordeste

1975
Em Cuba, teria alterado a aparência por meio de cirurgia plástica no nariz e retornou ao Brasil com o pseudônimo de Carlos Henrique Gouveia de Mello

1975
Instalado clandestinamente no município paranaense de Cruzeiro do Oeste, casou-se com Clara Becker e teve um filho, Zeca Dirceu

1979
Beneficiado pela Lei da Anistia, retornou a Cuba para desfazer a suposta cirurgia plástica. Voltou para o Brasil em definitivo em dezembro e passou a viver em São Paulo

1980
Retomou a carreira política e ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores (PT)

1986
Foi eleito deputado estadual constituinte em São Paulo pelo PT. Exerceu o mandato entre 1987 e 1991. Durante o período, exerceu forte oposição ao governo Orestes Quércia (PMDB-SP)

1989
Foi um dos coordenadores da campanha de Lula e da Frente Brasil Popular

1990
Alcançou o cargo de deputado federal, também pelo PT

1992
Ao lado do senador Eduardo Suplicy (PT-SP), foi um dos autores do pedido de instalação da CPI que investigou o esquema de corrupção de PC Farias. A apuração de irregularidades levou ao impeachment de Fernando Collor

1994
Concorreu ao governo de São Paulo pelo PT. Foi derrotado por Mário Covas (PSDB-SP). Após a eleição, passou a coordenar o Programa de Combate à Corrupção, proposto pelo Instituto da Cidadania, presidido por Lula

1995
Indicado por Lula, disputou e ganhou a eleição para a presidência nacional do PT. Foi reeleito para o cargo nos anos de 1997, 1999 e 2001. Nesta última, por eleição direta entre os filiados

1998
Foi reeleito para o cargo de deputado federal pelo PT

2002
Tornou-se o coordenador-geral da campanha que levou Lula à Presidência da República. Pela terceira vez, foi eleito para o cargo de deputado federal pelo PT

2003
Em 1º de janeiro, licenciou-se do cargo de deputado federal e foi nomeado por Lula para a Casa Civil

2005
Pediu demissão do comando da Casa Civil em junho, após ser acusado pelo então presidente do PTB, Roberto Jefferson, de ser um dos líderes do mensalão. Reassumiu na Câmara dos Deputados o mandato de deputado federal

2005
Em 1º de dezembro, teve o mandato cassado por quebra de decoro parlamentar, ficando inelegível 
até 2015

2006
Em março, foi denunciado ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo então procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, como um dos líderes do mensalão

2011
Em setembro, lançou em Brasília o livro Tempos de planície

2012
Em 9 de outubro, foi condenado por corrupção ativa pelo STF, ao lado de José Genoino e Delúbio Soares, no mensalão. Em 22 de outubro, o Supremo o considerou culpado por formação de quadrilha. Em 12 de dezembro, teve a pena total de 10 anos e 10 meses decretadas pelo STF. Foi condenado a cumprir a sentença em regime fechado, além do pagamento de multa no valor de R$ 676 mil

 

2013
Em novembro, após o STF expedir mandado de prisão contra 12 réus do mensalão, entregou-se à Polícia Federal, em São Paulo. No mesmo mês, começou a cumprir a pena no Complexo da Papuda, em Brasília

2014
Em 2 de julho, foi transferido do Complexo da Papuda para o Centro de Progressão Penitenciário, onde iniciou a pena no regime semiaberto. Em novembro, recebeu autorização para cumprir em prisão domiciliar o restante da pena

2015
Ontem, com o início da 17ª fase da Operação Lava-Jato, foi preso pela Polícia Federal, em Brasília, acusado de receber pagamento de propinas de empreiteiros