Correio braziliense, n. 19062, 04/08/2015. Economia, p. 7

 

Sob Dilma, a recessão mais longa em 50 anos

 

ROSANA HESSEL

 
Desacertos do governo podem fazer o Brasil amargar 11 trimestres consecutivos de retração da atividade econômica. Rombo das contas públicas quadruplicou desde 2010 e minou confiança.

Tudo indica que o Brasil registrará, entre 2015 e 2016, o mais longo período de retração da economia dos últimos 50 anos. Entre os especialistas, as apostas mais sombrias são de até 11 trimestres seguidos de contração do Produto Interno Bruto (PIB) quando comparado ao mesmo período do ano anterior, o que fará do governo Dilma Rousseff o maior desastre desde a redemocratização do país.

"(O governo) começou a enfeitar os números com a contabilidade criativa e finalizou com as pedaladas. Foi uma irresponsabilidade fiscal gigantesca”
Simão Davi Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP)

Segundo Ivo Chermont, economista-chefe da Itaim Asset, com a esperada queda entre abril e junho deste ano, já serão cinco os trimestres de recuo da atividade. “Olhando para a frente, é difícil imaginar recuperação tão cedo da economia”, diz. O recorde que pode ser quebrado foi registrado entre 1981 e 1983, quando o Brasil computou nove trimestres consecutivos de retração, acumulando, no período, perdas de 8,5% que deram início às duas décadas perdidas da qual todos se ressentem até hoje.

Boa parte da fatura contratada por Dilma tem a ver com o estrangulamento das contas públicas, que detonou uma onda de desconfiança sem precedentes no país. Para elegê-la, seu antecessor, Lula, pisou no acelerador dos gastos. Esperava-se que, com a posse da petista, a responsabilidade fiscal voltasse ao radar. Mas o que se viu foi o descontrole total, com abuso da contabilidade criativa e das famosas “pedaladas fiscais”, que cresceram de forma exacerbada em 2014 e, agora, estão sendo questionadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

O quadro é tão dramático que o rombo do setor público chegou a 8,12% do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, R$ 462,7 bilhões, no acumulado dos 12 meses terminados em junho deste ano. Quando assumiu o poder, Dilma herdou um deficit nominal de R$ 93,7 bilhões e não se intimidou em quase quadruplicá-lo. Não à toa, o Brasil deverá perder o grau de investimento dado em 2008 pela Standard & Poor’s, a mais conceituada das agências de classificação de risco do mundo.

"Olhando para a frente, é difícil imaginar recuperação tão cedo da economia”
Ivo Chermont, economista-chefe da Itaim Asset

Para o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, perante o que se vê hoje nas contas públicas, o Brasil terá que fazer uma revolução. O problema é que aquele que poderia fazer os ajustes necessários, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, está cada vez mais fraco. A promessa de uma arrumação rápida na casa foi para o lixo. Na melhor das hipóteses, a melhoria das contas só aparecerá em 2018, quando o superavit primário, a economia para pagamento de juros da dívida, chegaria a 2% do PIB. Em 2015, a promessa é de um saldo positivo de 0,15%, podendo haver deficit de até 0,3% do PIB, o correspondente a R$ 17,7 bilhões.

“O governo tem que apresentar um plano de redução de despesas de custeio muito ousado para conseguir fazer caixa, não ficar apenas pensando em aumento de receitas. Mas é difícil imaginar o que poderá conseguir, pois o país perdeu a confiança e qualquer plano que seja apresentado talvez não tenha eficácia esperada”, afirma Agostini, que vê a dívida pública em disparada, ameaçando superar os 70% do PIB.

Piora total

Na opinião de Simão Davi Silber, professor do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo (USP), o que ocorreu foi uma longa deterioração na área fiscal, sem que o governo demonstrasse qualquer sinal de preocupação. “Muito pelo contrário. Começou a enfeitar os números com a contabilidade criativa e finalizou com as pedaladas. Foi uma irresponsabilidade fiscal gigantesca”, explica. No entender dele, são grandes as chances de o país perder o selo de bom pagador. “O risco é inexorável, especialmente com esta meta de superavit de 0,15% do PIB e de dívida bruta de 70%”, concluiu.

Corte no investimento agrava crise

O governo vem fazendo o ajuste fiscal cortando investimentos, que é a pior forma de acertar as contas, já que agrava a retração econômica, observa o especialista em contas públicas Mansueto Almeida. Somente no primeiro semestre, a tesourada foi de 36%. “Além disso, a conta de juros está cada vez mais alta (7,32% do PIB), e isso vem aagravando o resultado primário — a economia que o governo precisa fazer para garantir o pagamento dos encargos financeiros e segurar o aumento da dívida pública. O único gasto que está sendo controlado é o de investimentos. O crescimento real das despesas de 0,5% é baixo, mas o problema é que as receitas caíram mais de 3%. Essa combinação ainda é muito ruim”, destaca.

Na avaliação de Almeida, o ajuste fiscal proposto por Levy vem sendo feito, mas na margem. “O quadro fiscal piorou muito. A recuperação da economia será muito mais lenta do que se esperava”, diz. Para o economista Amir Khair, o ajuste não deve funcionar porque não há uma estratégia de retomada do crescimento. “O governo conseguiu uma façanha. A dívida pública vai bater em 70% do PIB, e isso é resultado de dois abusos: mandar mais de R$ 400 bilhões para o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) sem que houvesse crescimento da economia”, critica Khair.

Pressão do câmbio

ANTONIO TEMÓTEO
A forte retração do Produto Interno Bruto (PIB) e a alta do desemprego levaram o Banco Central a sinalizar, na semana passada, o enceramento do ciclo de alta da taxa básica de juros. Com a economia rolando ladeira abaixo e as renda das famílias em queda, é natural esperar que a inflação perca fôlego. Muitos analistas, porém, acreditam que a autoridade monetária pode ter se precipitado. Para eles, o efeito anti-inflacionário da queda no ritmo de atividade tende a ser anulado pela disparada do dólar e pela redução da meta de superavit nas contas públicas, obrigando a autoridade monetária a elevar a Selic além do atual patamar de 14,25% ao ano.

O relatório Focus, que consolida as previsões de economistas para os principais indicadores, apontou ontem que a Selic encerrará o ano em 14,25%, após o Comitê de Política Monetária (Copom) afirmar que a manutenção desse patamar, por período suficientemente prolongado, será capaz de fazer a inflação convergir para a meta, de 4,5%, no fim de 2016. Mas, na opinião do economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, a alta do dólar será um desafio a mais para o BC. Soma-se a ela a mudança na meta fiscal, que exigirá mais da política monetária para conter a carestia, e o agravamento da crise política.

Ata do Copom

Nas contas de Perfeito, o BC precisaria promover mais uma alta de 0,25 ponto percentual nos juros para coibir as pressões inflacionárias que surgiram recentemente. De acordo com o Focus, a mediana de expectativas do mercado para a cotação do dólar no fim de 2015 subiu pela segunda semana consecutiva e chegou a R$ 3,35. Para 2016, a estimativa é de R$ 3,49. Com isso, a previsão para a inflação deste ano chegou a 9,25%.

Foi a 16ª alta consecutiva. “Nada que o governo faça deve ancorar as expectativas a curto prazo”, explicou. Newton Rosa, economista-chefe da Sul América Investimentos, também vê riscos para a inflação na alta do dólar e no relaxamento da política fiscal. Para ele, seria necessária elevação adicional de juros 0,25 ponto em meio a um cenário de queda de 2% do PIB. “O balanço de riscos do BC que será divulgado com a ata do Copom, nesta semana, indicará se eles estão preocupados com câmbio. Mas os desafios são claros”, afirmou.