O globo, n.29.949, 06/08/2015. Opinião, p.6

Momento é inapropriado para se mudar o FGTS

Congresso precisa se mostrar afinado com o esforço de ajuste fiscal, para a política econômica recuperar credibilidade e confiança dos mercados

Acriação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi uma das mais importantes reformas econômica e trabalhista dos anos de 1960. Por ter sido uma decisão tomada já em pleno regime militar, a mudança foi recebida com muitas restrições na época, e chegou a ser rotulada como uma das maquinações contra os direitos dos trabalhadores.

Na verdade, o FGTS deu mais flexibilidade ao então engessado mercado de trabalho, relativamente pequeno e com elevado grau de informalidade. A garantia de emprego supostamente assegurada pelas regras anteriores inibia a geração de postos de trabalho formais.

O FGTS se tornou também um importante instrumento de poupança compulsória no país, essencial para uma economia com pouca propensão a poupar.

O Fundo deu impulso à construção civil e à edificação de novas moradias, especialmente para as camadas populares. Sem o FGTS, o quadro da habitação no Brasil seria hoje ainda mais crítico, e milhões de trabalhadores com baixa qualificação profissional talvez permanecessem fora do mercado.

Em uma economia com taxas de juros estruturalmente elevadas, o FGTS foi o mecanismo capaz de viabilizar investimentos de longo prazo, em condições financeiras suportáveis.

Sob pretexto de favorecer os trabalhadores, um projeto em análise na Câmara dos Deputados se propõe a mudar a forma de remuneração do FGTS. O momento não poderia ser mais inoportuno para se promover tal mudança. Certamente, um dos segmentos capazes de ajudar a economia brasileira a se recuperar é o da construção, tanto a voltada para moradias como a dedicada à infraestrutura. É uma atividade que não se viabiliza sem financiamentos, que necessariamente devem ser de longo prazo e ter custos compatíveis com as taxas de retorno dos investimentos.

Qualquer aumento nesse custo ou encurtamento de prazo significará um pé no freio no ritmo de investimento da construção, com sério impacto sobre o emprego. De nada adianta remunerar mais os depósitos do Fundo se a contrapartida para isso for a perda do emprego, devido ao arrefecimento da construção civil. Para a população em geral, e não apenas para os beneficiários do Fundo, o mais importante é o FGTS continuar atrelado ao financiamento da casa própria e da infraestrutura.

Há um outro aspecto que não pode ser desconsiderado nessa questão. É o ajuste fiscal, executado com muita dificuldade. O sucesso desse ajuste é fundamental para que a política econômica recupere credibilidade. Se o Congresso não se mostrar afinado com tal esforço, as dificuldades somente se multiplicarão, com reações negativas dos diferentes mercados. A votação da fórmula de remuneração do FGTS se inclui entre as iniciativas que jogam contra a tentativa de recuperação da credibilidade.