Crise sem fim na indústria

 

MARCELLO CORRÊA

O globo, n. 29948, 05//08/2015. Economia, p. 23

 

A indústria teve o pior semestre desde 2009 e viu sua produção encolher 6,3% este ano. Para analistas, desta vez, a recuperação será mais lenta do que em 2009. A fabricação de máquinas e equipamentos, termômetro dos investimentos, desabou 20%. O número positivo de maio não passou de um ponto fora da curva. Após crescer 0,6% naquele mês, frente a abril, a produção industrial brasileira voltou a ter queda em junho, confirmando a trajetória em que está desde meados de 2013. Com o recuo de 0,3% em relação a maio, o setor fechou a primeira metade de 2015 com perda de 6,3%, segundo pesquisa divulgada ontem pelo IBGE. Foi o pior resultado semestral desde 2009. Naquele ano pós-crise global, a queda chegou a 13% no primeiro semestre, mas a recuperação veio rapidamente, com forte alta de 10,2% no ano de 2010. Agora, o caminho de volta será mais íngreme, com crise política, ajuste fiscal e piora do mercado de trabalho dificultando a retomada.

— A gente não consegue enxergar uma recuperação nessa magnitude (como em 2009). Os principias setores que estão em queda são os relacionados à confiança, como bens de capital e veículos. Nesse ambiente que, além de tudo, tem a Lava-Jato tomando proporções muito maiores, a crise política que anuncia um segundo semestre bastante turbulento, não tem espaço claro para reversão de confiança. Esse prolongamento (negativo) deve se estender — avalia Rafael Bacciotti, economista da Tendências.

INDICADOR DE INVESTIMENTO CAI 20%

Em relatório, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) também traça um paralelo com 2009. Destaca que, naquele ano, os motivos que levaram à retração eram diferentes, possibilitando uma recuperação mais rápida.“(O ano de) 2015 será um dos piores da indústria brasileira, mais grave do que a crise registrada em 2009, pois suas causas são de outra natureza e, por isso mesmo, tenderá a se alongar no tempo”, afirma o instituto.

Entre os representantes dos setores, também há pessimismo. Para Carlos Pastoriza, presidente da Abimaq, que representa a indústria de máquinas e equipamentos, “não há luz no fim do túnel”. O segmento amargou perdas de 11,3% no semestre.

— Não estamos vendo luz no fim do túnel. A única coisa positiva é o dólar ter aumentado, o que melhora um pouco a competitividade, principalmente em relação à concorrência americana — afirma Pastoriza.

Não por acaso, analistas têm insistido na importância da retomada da confiança para garantir uma recuperação da economia. O resultado do primeiro semestre foi marcado justamente por quedas em segmentos muito ligados às expectativas de consumidores e empresários. A produção de bens de capital — indicador do nível de investimento — encolheu 20% de janeiro a junho, também o pior número desde 2009 (-21%). A segunda maior queda semestral, de 14,6%, ocorreu em bens de consumo duráveis — como eletrodomésticos e automóveis —, impactados pelo aperto no crédito.

O balanço seria pior, não fosse a contribuição dos chamados bens intermediários, que englobam as indústrias extrativas e que, impulsionados pelo setor externo, recuaram apenas 3,1% (no semestre), bem menos intenso que a média. Também colaborou para atenuar o tombo o desempenho de bens semi e não duráveis, setor em que se enquadra a indústria de alimentos. Uma das hipóteses é que o dólar alto esteja influenciando a exportação de frangos.

Excluindo possíveis melhoras pontuais, André Macedo, gerente de coordenação de indústria do IBGE, destaca que o número divulgado ontem reforça a manutenção do ritmo de queda no setor.

— Claro que um 0,6% observado em maio melhora o ritmo, mas sinalizava algo mais pontual em função de o crescimento não ter sido disseminado. Era uma expansão em cima de poucas atividades, algumas que talvez tivessem regularizado a situação de estoque — diz Macedo.

Se, em maio, a expansão foi puxada por resultados positivos em poucos segmentos, em junho, as perdas foram generalizadas. Dos 26 ramos pesquisados pelo IBGE, 24 tiveram queda na comparação com os primeiros seis meses de 2014. Além disso, 70,1% dos produtos acompanhados tiveram retração.

O destaque ficou com os setores que mais têm sentido a crise da indústria. No segmento de veículos automotores, que acumulou perda de 20,7% entre janeiro e junho, o percentual de produtos em retração está entre os mais elevados: dos 37 que compõem o setor, 92% tiveram resultados negativos. Já o ramo de equipamentos de informática e produtos eletrônicos encolheu 27,8% no semestre. Nesse caso, a parcela de produtos em queda foi de 85%.

Na comparação com junho do ano passado, os dados também mostram fraqueza da indústria. A produção caiu 3,2%, em relação a um período que já foi de forte contração, por causa dos feriados da Copa do Mundo. Ou seja, a produção recuou frente ao pior mês para o setor em 2015.

— Se não tivesse a Copa, a queda poderia ter sido de 4% a 4,5%. O dado é bastante fraco. Mas isso estava mais ou menos no radar. Há uma forte desaceleração da massa salarial, uma forte contração do crédito, todos esses fatores influenciam — destaca Fábio Silveira, diretor de pesquisas econômicas da GO Associados.

PIORA NAS PROJEÇÕES PARA 2015

O economista acredita que o ambiente recessivo deve se prolongar ao longo de 2015, e, se o câmbio continuar em um patamar favorável à exportação, a indústria pode começar a ter uma recuperação em 2016. Mas, mesmo para uma modesta retomada no ano que vem, ainda há riscos, embora a consultoria não esteja trabalhando com o pior cenário possível.

— Se piorar o quadro político, isso assusta investidor. Então, a taxa de câmbio poderia ir a R$ 4. Se isso acontecer, a recuperação gradual no ano que vem, fechando na estabilidade, tudo vai por água abaixo. O câmbio está no limite do custo-benefício para a indústria. Não pode desvalorizar muito além dos R$ 3,30 ou R$ 3,40, porque começaria a encarecer dívida em moeda estrangeira — analisa Silveira.

Para Rafael Bacciotti, da Tendências, os dados do IBGE reforçam a expectativa de um ano fraco para o setor. Até ontem, a consultoria projetava queda de 5% da indústria no fim de 2015, mas esse número deve ser revisado para algo próximo de 7%. Já o Banco Fator manteve a previsão de retração de 5,4%, enquanto o banco ABC Brasil prevê queda de 5%.