Título: Avanço ilusório
Autor: Figueiredo, Odail
Fonte: Correio Braziliense, 12/09/2011, Economia, p. 9

O país parece avançar aos tropeços em direção ao mundo dos mais ricos sem resolver questões importantes de uma etapa anterior de desenvolvimento

Relatório do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês), divulgado na semana passada, afirma que o Brasil subiu cinco posições num ranking mundial de competitividade, passando a ocupar a 53ª posição entre 142 países analisados. É uma conclusão, no mínimo, estranha para quem acompanha, por exemplo, o desempenho da indústria brasileira, que enfrenta queda no ritmo de produção, redução de exportações, e uma crescente invasão de produtos chineses. Mas classificações desse tipo têm sempre um valor relativo, e até uma boa dose de subjetividade, dependendo das variáveis levadas em consideração e da ponderação atribuída a cada uma delas. Por isso, trabalhos semelhantes podem chegar a resultados diferentes, ainda que procurem medir a mesma coisa. Em maio deste ano, o país perdeu seis posições em outro ranking de competitividade, este elaborado pela IMD, instituição suíça que é considerada pelo jornal britânico Financial Times a quinta melhor escola de administração do mundo. Qual dos dois levantamentos reflete melhor a realidade brasileira?

No caso do estudo do WEF, de maior prestígio que o outro, a melhora da posição deveu-se mais à piora de alguns competidores abalados pela crise do que a avanços reais da economia brasileira nos pontos considerados importantes pelos pesquisadores. Tanto que a pontuação atribuída ao país permaneceu a mesma do levantamento anterior. Mas não deixa de ser interessante observar quais são os pontos em que somos bem avaliados e aqueles em que é preciso melhorar para que a economia possa realizar seu potencial de crescimento.

Dever de casa

O grande trunfo do Brasil é o tamanho do mercado interno, que tem enorme influência no cômputo final. Entre todos os quesitos considerados na pesquisa, é aquele em que o país é mais bem avaliado, recebendo uma nota muito melhor que a média geral que lhe é atribuída pelo estudo. Se fosse somente esse o critério utilizado, o país ocuparia um vistoso décimo lugar no ranking global. Seria ainda o 43º colocado numa hipotética classificação que considerasse apenas o desenvolvimento do sistema financeiro. E estaria em 44º lugar em capacidade de inovação e em 31º no critério de grau de sofisticação de negócios.

O problema está naquelas áreas em que o país não fez o dever de casa e recebe uma pontuação muito inferior à sua nota média. Nesse aspecto, infelizmente, o levantamento traz poucas novidades, já que os problemas são velhos conhecidos. A má qualidade do sistema de ensino, sobretudo no nível fundamental, coloca o Brasil na constrangedora 115ª posição entre os 142 países analisados pelo WEF e compromete a formação de uma força de trabalho produtiva e eficiente. Nas disciplinas de ciências e de matemática, consideradas essenciais para criar no país uma base para o desenvolvimento tecnológico, a situação é ainda pior e ficamos em 127º lugar.

O fato de o país ir relativamente bem em algumas categorias normalmente associadas a economias mais adiantadas ¿ como capacidade de inovação e sofisticação dos negócios ¿ e continuar com desempenho sofrível em áreas tão básicas como o ensino primário é uma amostra dos contrastes que marcam a sociedade brasileira. Uma das principais nações emergentes, o país parece avançar aos tropeços em direção ao mundo dos mais ricos sem resolver questões importantes de uma etapa anterior de desenvolvimento. Melhorar a educação pública é uma promessa sempre renovada em épocas de campanha eleitoral por todos os candidatos e partidos. Fechadas as urnas, pouco se faz para transformá-la em realidade.

Piora

Na infraestrutura, apesar do alardeado Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, em vez de melhorar, a situação geral (104ª posição) ficou bem pior do que no ranking anterior (84ª). Continuamos muito mal em aspectos como a qualidade das rodovias (118º lugar), dos portos (130º) e dos aeroportos (122º). Nessas áreas, o investimento estatal não dá conta de suprir as deficiências e estratégias alternativas para engajar o capital privado vêm sendo implementadas de forma tardia e confusa. No caso dos aeroportos, o programa de concessões à iniciativa privada parece só ter saído na última hora diante do medo de que cenas de terminais congestionados sejam transmitidas mundo afora durante a Copa de 2014. No atropelo de salvar a Copa, o governo também criou também um polêmico regime diferenciado de contratações para dar rapidez às obras sem ter que passar pelas regras normais de licitação. Agora, a constitucionalidade da medida está sendo questionada pelo procurador-geral da República e ela pode se transformar em outro grande problema.

Carga tributária elevada e serviços de saúde precários são outros pontos mal avaliados no ranking do WEF. O Congresso discute atualmente um dispositivo para aumentar o volume de verbas públicas para a área de saúde (área com desempenho também ruim no estudo). A saída poderia ser uma reestruturação do orçamento, mas, em vez disso, a discussão está se encaminhando para a criação de mais um imposto, parecido com a extinta CPMF. Aqui, corre-se o risco de agravar um problema ¿ o do excesso de tributos ¿ sem resolver o outro. O Brasil é um dos campeões de mau aproveitamento do dinheiro público. Entre os 142 países analisados, está na 136ª posição no item que avalia o desperdício na despesa governamental. Nada indica que vai ser diferente se vier o novo imposto da saúde.