‘Com Afonso Pena, só havia 6 ministérios’

 

MARTHA BECK 

O globo, n. 29946, 03//08/2015. País, p. 5

 

Na véspera da volta do Congresso, que votará medidas do ajuste fiscal, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, fez afagos aos parlamentares. Ao GLOBO, ele pediu “paciência e cabeça aberta” na análise de projetos que podem ajudar os estados e disse que Dilma não é refratária à redução de ministérios. - BRASÍLIA- Na véspera da retomada dos trabalhos no Congresso, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, faz um afago ao Legislativo. Ao GLOBO, ele afirma que a aprovação de projetos como o da repatriação de recursos que estão no exterior vai requerer “paciência e cabeça aberta”. Na entrevista, por e- mail, Levy classifica como positiva sua interlocução com o Congresso no primeiro semestre e diz que vê uma “crescente consciência da importância” da agenda econômica entre os parlamentares. Levy também defende um debate estrutural sobre os gastos públicos e afirma que a presidente Dilma Rousseff não é refratária à ideia de reduzir ministérios para cortar despesas.

GUITO MORETO/ 29- 5- 2015Levy. Ministro afirma que negociar diretamente com líderes partidários tem sido uma experiência positiva

Qual a sua expectativa em relação a projetos como o da desoneração da folha com a retomada dos trabalhos legislativos?

A pauta com o Congresso no primeiro semestre foi bem intensa, com resultados positivos não só no ajuste, como na PEC do comércio eletrônico. Em relação ao gasto do Tesouro com as contribuições patronais em alguns setores, acredito que se encontrará uma solução. A maior parte das empresas já assimilou a necessidade de o governo diminuir esse subsídio.

O governo também depende do Congress o para votar a alteração da meta de superávit primário de 2015, 2016 e 2017. O senhor espera que haja resistência a essa medida?

A necessidade de ajuste da meta de 2015 é matemática, porque a queda de receita torna impossível chegar à meta atual apenas através do contingenciamento de despesas, dado que o volume dessas despesas é uma fração pequena do total do Orçamento.

Também será preciso contar

com o Legislativo para aprovar o projeto que permite a regularização de recursos que foram enviados ao exterior sem aviso à Receita. Como esse assunto será conduzido pela equipe econômica?

Esse projeto nasceu de sugestões dos senadores para resolver um problema federativo. Podem aparecer alternativas, o que pode ser construtivo, desde que não criem vulnerabilidades que podem parecer atraentes no começo, mas que fragilizem a receptividade do projeto pela sociedade ou passem uma mensagem de que é melhor não pagar do que pagar imposto.

Por que as empresas teriam interesse em trazer recursos para o Brasil neste momento de turbulência?

Há grande interesse de indivíduos e empresas por regularizar recursos lá fora, porque as leis se tornaram mais rigorosas, e recursos sem origem bem estabelecida podem ser sequestrados. O mais importante é a possibilidade de se encontrarem recursos para financiar a reforma do ICMS, que vai destravar o investimento nos estados. Sua aprovação vai depender de conversa, paciência e cabeça aberta.

O senhor adotou uma postura diferente da de seus antecessores

na relação com o Congresso. Foi à Câmara e ao Senado com muito frequência para negociar o ajuste fiscal, mas nem tudo saiu como esperado. O desgaste foi excessivo?

Tem sido uma experiência positiva para mim. Dialogar, conhecer os líderes dos principais partidos, entender suas preocupações, encontrar meios de explicar os desafios do governo. São oportunidades para descobrir novas dimensões e desenvolver novas percepções.

Está nos planos do governo fazer uma redução do número de ministérios e de cargos comissionados para mostrar disposição em cortar gastos?

Não vejo a presidente refratária a ela. O efeito nos gastos pode ser incerto, mas vale lembrar que há cem anos, na época do Afonso Pena, só havia seis ministérios, até ele criar o da Agricultura.

O senhor tem salientado a

necessidade de o Brasil adotar reformas estruturais para conseguir crescer de forma sustentada. Uma delas é a do PIS/ Cofins, que já enfrenta a resistência de alguns segmentos como o setor de serviços. Como o governo vai conseguir fazer esse debate com o clima político tão tenso?

A reforma do PIS/ Cofins com chamado crédito financeiro é um pedido insistente das empresas, porque vai dar mais transparência a esses impostos, diminuir dramaticamente a complexidade da sua apuração, e tratar adequadamente o valor agregado pelo setor produtivo. O Brasil e, dizem, o Haiti são os únicos países com a sistemática que temos atualmente. Com a reforma, o setor de serviço passará a poder abater créditos de seu imposto.

Uma das dificuldades para se realizar a meta de superávit primário é o engessamento dos gastos. Como o governo

pretende conduzir a discussão sobre uma reforma estrutural nos gastos públicos? É possível avançar concretamente nesse assunto?

É uma discussão fundamental, até porque o próprio Congresso tem resistido ao aumento da carga tributária. Então, para a dívida pública não explodir, vamos ter que enfrentar as grandes massas de gasto, que são os gastos obrigatórios. Aliás, a recente ideia do próprio Congresso de criar um análogo ao CBO ( o instituto orçamentário do Congresso americano), que faz uma avaliação criteriosa de qualquer nova despesa proposta, pode ser uma indicação do interesse de se avançar nessa direção, facilitando a plena realização da Lei de Responsabilidade Fiscal.