A disputa entre o Uber e os taxistas

 

O globo, n. 29946, 03//08/2015. Opinião, p. 14

 

Reação corporativa

 

As reações ao crescimento do Uber revelam dramas antigos da sociedade brasileira. A começar pelo corporativismo, que contamina o debate sobre o assunto, de forma que os interesses de uma categoria específica parecem mais importantes que os da sociedade. É verdade que a livre concorrência pressupõe que todos disputem clientes em condições de igualdade, e os motoristas que operam pelo novo aplicativo não pagam os mesmos impostos nem têm obrigações semelhantes às dos taxistas, uma situação que pode ser revista. Embora não tenham condições especiais para comprar veículos. Mas, quando se trata de serviços de transporte, a prioridade deve ser a conveniência dos passageiros.

Da mesma forma que o corporativismo, a desconfiança em relação à livre iniciativa e a resistência a novas tecnologias alimentam o preconceito contra o Uber. Mas é inútil tentar conter o avanço natural. Na Revolução Industrial, máquinas foram quebradas por operários na vã tentativa de preservar empregos. Isso sem falar no oportunismo de políticos que veem no movimento dos taxistas um meio de conquistar votos de uma categoria com conhecido poder de mobilização.

Populismo em questão tão sensível, no entanto, é um comportamento arriscado. A impossibilidade de transitar rápida e confortavelmente pela cidade irrita a população e já foi motivo de protestos. Ainda que a mobilidade urbana dependa principalmente da melhoria dos transportes de massa, o serviço de táxis não pode tornar ainda mais penosos os deslocamentos no Rio.

E é justamente isso que, infelizmente, vem acontecendo. Reportagem do GLOBO publicada quinta- feira passada mostrou que cobranças no “tiro” ( sem taxímetro), bandalhas, recusa de corridas curtas e carros malconservados estão entre os pecados dos taxistas que há anos são denunciados por passageiros. Mas nada muda com o passar do tempo. Nem tem como, já que a cidade só dispõe de 40 fiscais para supervisionar 33 mil táxis.

Enquanto repórteres do GLOBO constatavam o péssimo serviço prestado pelos taxistas, o Departamento de Transporte Rodoviário do estado rebocava carros a serviço do Uber no Aeroporto Santos Dumont, e o governador Luiz Fernando Pezão, repetindo o discurso do secretário municipal de Transportes, Rafael Picciani, se dizia a favor da repressão porque se trata de serviço ilegal.

Conforme destacaram Carlos Ragazzo e Flavio Zveiter em artigo no GLOBO, é mais fácil reprimir o Uber do que melhorar os táxis. Mas as autoridades não podem fugir do dever de exigir qualidade dos taxistas e, por outro lado, dar condições para que o Uber ou quem seja dispute mercado, oferecendo ao consumidor mais uma opção — obviamente, com o cuidado de evitar a concorrência desleal e normas para proteger o usuário. Assim, este, o principal interessado, poderá fazer sua opção porque, mais do que o Estado ou qualquer categoria profissional, sabe o que é melhor para si.

 

Diálogo aberto

 

RAFAEL PICCIANI

 

Acidade do Rio de Janeiro é uma das capitais com a maior oferta de táxi por habitante: são cerca de 33 mil veículos e 54 mil profissionais habilitados a realizar o transporte individual remunerado de passageiros em meio a um trânsito com mais de 2,9 milhões de veículos. Diante dos números, a Secretaria municipal de Transportes entende que a principal questão é a qualidade e a cobertura do serviço. E a sociedade, sempre soberana, já deixou claro que há muito a melhorar.

O recado das ruas está dado: o passageiro quer melhor atendimento e mais tecnologia no serviço. Se há problemas, a maneira de enfrentá- lo é pelo debate franco e imparcial. Contudo, o poder público não pode fechar as portas para quem segue as regras, e essa é uma discussão que acontece em âmbito mundial e divide opiniões.

Enquanto a solução a curto prazo não é definida, cabe informar que, sem regulamentação, a prefeitura estará de mãos atadas para agir diante de possíveis incidentes envolvendo o Uber e a segurança dos passageiros, como os já observados em diversas partes do mundo. Além de desconhecer a frota que a empresa coloca à disposição da sociedade, não há controle sobre as qualificações e exigências a que estão submetidos seus profissionais.

A prefeitura não está de braços cruzados. Em 2014, entrou em vigor o Código Disciplinar do Serviço de Táxi, em substituição ao anterior, de 1970. As novas regras estabelecem vida útil de seis anos para a frota, ar- condicionado, GPS e carga horária mínima de trabalho para os profissionais. Essas ações foram apenas o primeiro passo.

Agora, a Secretaria municipal de Transportes desenvolve um aplicativo oficial para o serviço de táxi na cidade. Além de conectar taxistas e passageiros, a ferramenta servirá para avaliar os motoristas e fiscalizar o serviço, permitindo identificar as regiões que não estão sendo atendidas e melhorar, em tempo real, a gestão da frota. Até 2016, todos os taxistas da cidade passarão por treinamento especial.

No momento em que as medidas para melhorar o padrão de conforto e a qualidade do atendimento seguem em curso, a prefeitura também recorre à Justiça a fim de esclarecer se o Uber pode ou não ocupar o espaço que reivindica no trânsito carioca. O Ministério Público do Estado, acionado duas vezes para opinar sobre o tema, concluiu que não lhe cabe intervir na situação.

Por isso, é cada vez mais importante ter toda a sociedade envolvida no debate. Além de transportar a população, os taxistas são, muitas vezes, responsáveis pelo primeiro contato dos turistas com a capital. No momento em que se discutem questões relacionadas ao legado olímpico, os esforços da prefeitura buscam garantir à sociedade serviços à altura que ela deseja.