De volta no tempo

 

ROBERTO FEITH

O globo, n. 29946, 03//08/2015. Opinião, p. 15

 

Um leitor incauto dos jornais nestas últimas semanas poderia pensar que havia viajado de volta a 1989. Nas manchetes do presente estão três personagens que surgiram naquele período: Fernando Collor, Renan Calheiros e Eduardo Cunha.

Na época, eram companheiros no inolvidável PRN ( Partido da Reconstrução Nacional). Collor, candidato à Presidência. Renan, seu assessor. Cunha, responsável pela arrecadação da campanha do alagoano no Rio de Janeiro.

Com a eleição do Caçador de Marajás, Renan assumiu a liderança do governo na Câmara. Cunha, indicado por PC Farias, foi nomeado à presidência da então Telerj. De lá para cá, muita água passou por baixo da ponte, mas poderíamos dizer que os três sempre se mantiveram fiéis à sua origem e natureza.

Cunha mudou de partido, primeiro para o PP, depois para o PMDB. Aliou- se a Garotinho, depois brigou. Entre as marcas que acumulou estão sete processos em curso nos quais é réu. Ele também alcançou a honra singular de, enquanto discursa frequentemente a favor da liberdade de imprensa, é o parlamentar que mais processos moveu contra jornalistas no país — mais de uma dezena.

Renan também andou enrolado. No escândalo que ganhou o sugestivo nome de Renangate, foi investigado por pagamentos da empreiteira Mendes Junior a uma ex- amante. Na época, foram publicadas informações ligando Renan ao uso de notas fiscais frias e empresas fantasmas, e de laranjas para ocultar a propriedade de rádios.

Sob determinada perspectiva, a trajetória de Renan espelhou a de José Sarney. Em comum, a

praxis fisiológica, a busca obstinada pela presidência do Senado, com seu orçamento bilionário e amplos poderes, e a façanha de elegerem filhos governadores dos seus estados, numa versão revista e atualizada do coronelismo tradicional. E Collor? Bem, no caso de Collor não é realmente necessário rememorar a sua trajetória. Aliás, como esquecer?

Hoje, 26 anos depois das lutas do PRN, os três não apenas continuam ativos, mas acumulam influência e poder. E, curiosamente, prosseguem unidos pelas circunstâncias. Por exemplo, os três são investigados na Operação Lava- Jato.

Collor teria recebido 20 milhões de reais por um contrato firmado por um diretor que indicou para a BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras. Cunha foi denunciado por exigir propina de US$ 5 milhões por um contrato de aluguel de uma plataforma pela Petrobras. E, ainda mais grave, surgem indícios de que o presidente da Câmara e seus aliados estariam usando os poderes do Congresso para intimidar testemunhas da Lava- Jato. Já Renan foi citado na delação premiada de Paulo Roberto Costa e estaria sendo investigado por sua ligação com Sergio Machado — que o presidente do Senado indicou para a presidência da Transpetro e que, por sua vez, foi acusado de receber propina e também é investigado.

Diante do avanço das investigações, os três companheiros da Era Collor reagem com discursos indignados, defendendo “a democracia” e protestando contra abusos da Procuradoria da República e da Justiça.

Renan e Cunha sinalizam ainda que vão dificultar a vida do governo, criando CPIs, aprovando gastos irresponsáveis, enfim, fazendo todo o possível para desviar a atenção do fato de que estão sendo investigados e que, ao que tudo indica, serão indiciados.

Refletindo sobre a trajetória e o papel dos três na cena política atual, surge a pergunta que não quer calar: como, senhores deputados e senadores, como puderam eleger Cunha para a presidência da Câmara, o segundo na linha da sucessão da Presidência, e Renan para a presidência do Senado, o terceiro na linha de sucessão? Como, senhores? O que diabo estavam pensando?

E, como consequência desta, uma segunda pergunta que não quer calar, inclusive para os líderes da oposição: quando vão exigir a renúncia e a substituição dos dois, dentro das normas do Parlamento, por nomes dignos dos cargos e da confiança dos brasileiros?