O globo, n. 29950, 07//08/2015. País, p. 8
De pactos com a oposição à reforma ministerial, analistas sugerem caminhos para o país tentar sair da crise que atinge em cheio o governo. 1 OPERAÇÃO LAVA- JATO
A prisão de José Dirceu feriu o PT. Com novas delações, a PF se aproxima de Lula e do Planalto. A provável denúncia à Justiça do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, deixará o ambiente mais tumultuado no Congresso
2 PAUTA- BOMBA
Desde que foi acusado, Eduardo Cunha patrocinou a votação da chamada “pauta- bomba”, conjunto de medidas que ameaça desfigurar o ajuste fiscal e aprofundar a crise econômica que o país atravessa
3 CENÁRIO ECONÔMICO INSTÁVEL
A crise se acentuou, com dados que mostram piora no emprego, renda e inflação, afetando o poder de compra. O país corre o risco de perder o grau de investimento, o que provocaria fuga de investidores e aprofundaria a crise
4 CONTAS NO TCU
O TCU julgará as contas de Dilma de 2014. A tendência é a rejeição em razão das “pedaladas fiscais” ( quando o governo melhora artificialmente as contas). Depois, as contas são votadas no Congresso, o que pode dar argumento para o impeachment
5 DESEMBARQUE DA BASE
Insatisfeitos com o governo, PDT e PTB, que somam 44 deputados, anunciaram o desembarque da base aliada na Câmara. Sem eles, a sustentação política fica ameaçada, e o governo tende a sofrer mais derrotas
6 PEDIDOS DE IMPEACHMENT
Rompido com o governo, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, arquivou quatro pedidos de impeachment apresentados na Casa contra a presidente Dilma Rousseff. Agora, nove pedidos estão na Câmara
7 MANIFESTAÇÕES
No dia 15 de março, houve manifestação contra o governo Dilma. No dia 12 de abril, a adesão foi menor. Agora, os grupos críticos à gestão petista convocam novo protesto para este mês. Governo e PT sofrem com panelaços
8 IMPOPULARIDADE
O Datafolha mostrou que Dilma tem 71% de reprovação. Apontou ainda que a rejeição é homogênea entre as regiões do país e também em relação aos que declararam ter renda de até 2 salários, de 2 a 5, de 5 a 10 e mais de 10
ROBERTO ROMANO Cientista político da Universidade Estadual de Campinas ( Unicamp)
“A saída é a saída de emergência. Com o atual nível de popularidade da presidente Dilma Rousseff ( 71% da população desaprovam o governo, segundo a última pesquisa do Instituto Datafolha), não há engenharia política que possa resolver este problema. A saída seria um pacto político de todos os partidos representados no Congresso Nacional com a sociedade, no sentido de garantir o funcionamento normal das instituições. Fora esse pacto de governabilidade, não vejo o que fazer. Tudo indica que estamos caminhando para um processo de impeachment da presidente Dilma, mas isso não é uma saída. O impeachment trará divisões gravíssimas na sociedade brasileira e não garantirá o próximo governo, possivelmente liderado por Michel Temer. Não seria uma situação diferente da de hoje. E o Temer representa só uma parcela do PMDB, sobretudo o PMDB paulista. A pauta que se instalou no Congresso Nacional vai continuar em curso, dada a fraqueza da economia atual e também a fraqueza da União. Um presidente que assuma sem ter sido eleito ( como cabeça de chapa), nessas condições, pode piorar, e muito, a crise atual. A situação ficaria ainda mais grave”. ( Julianna Granjeia)
FRANCISCO DE AZEVEDO Cientista político da Universidade Federal de São Carlos ( UFSCar)
“O governo está totalmente encurralado no Congresso, com baixa popularidade e com a base partidária completamente esgarçada. Uma das possíveis saídas seria reunificar a base no Congresso Nacional, ainda que isso resulte em ter a minoria na Casa. A crise é muito ampla e extrapola as possibilidades de reação do Executivo, envolve várias forças políticas. À esta altura, é impraticável a proposta de diálogo nacional, nos termos que tentou sugerir o governo, porque a possibilidade de diálogo com a oposição está totalmente inviabilizada. Talvez o caminho passe pelas forças políticas, independentemente do governo, para assegurar a governabilidade. É mais nesse sentido do que na ideia de a oposição sustentar o governo, depois de um acordo, através de pauta comum. É uma crise complicada, que vai demandar muita conversa no intuito de assegurar a governabilidade, de impedir que se extrapole a crise política e tenhamos uma crise institucional. Isso seria muito mais grave. A saída passa pelo Legislativo, não pelo Executivo, que está emparedado e totalmente sem capacidade de tomar iniciativas políticas”. ( Thiago Herdy)
PAULO BAÍA Cientista político da UFRJ
“Tem de haver disposição de todos os setores para conversar. A fala de ( Michel) Temer ontem ( anteontem), pedindo união, foi muito prudente e muito lúcida.
É preciso prudência, porque tudo que não queremos é que a crise política se torne uma crise institucional, senão é mudar a crise de patamar e colocar a democracia em risco. O Legislativo tem tido um ativismo belicoso em relação aos outros Poderes. Quando as bancadas não obedecem mais a seus líderes ( na Câmara), você pode esperar qualquer coisa. Mas o Senado tem tido um papel de poder moderador: recebe as polêmicas da Câmara, guarda e esfria. Tem de haver essa disposição para conversar, senão fica todo mundo falando, e ninguém escuta ninguém, que é o que está acontecendo hoje. E com um elemento a mais: fora dos Poderes, há grupos na sociedade que têm tido função importante, têm sido micro-lideranças pelas redes sociais, na organização de manifestações. Esses grupos e a sociedade também precisam ser escutados e ter diálogo. E escutados em todos os seus desejos: na área econômica, por exemplo, o governo precisa tomar medidas que mostrem que está ouvindo também nessa área, como diminuir o tamanho ( da máquina) do governo, um dos pontos que têm sido mais criticados”. ( Alessandra Duarte)
RICARDO ISMAEL Cientista político da PUC- Rio
“O problema vem desde o início do ano, quando o governo lançou outro candidato à presidência da Câmara, contra ( Eduardo) Cunha; a partir disso, só evoluiu. Ontem ( anteontem), na votação da PEC 443 na Câmara, viu- se que não há mais controle da base. A questão nem é a pessoa na articulação política, mas como o modelo funciona. O governo Dilma toma decisões num grupo fechado, ensimesmado, formado ali pelo ( ministro Aloizio) Mercadante, pelo ( ministro Miguel) Rossetto... É preciso chamar a base também para decidir. Os deputados se sentem apenas cobrados, mas não se sentem participando das decisões. Eles têm o ônus, sem o bônus. É um problema de origem: o PT tem aliados, mas não quer se misturar a eles. Por que ( Eduardo) Cunha não fica isolado? Porque o que expressa em relação ao governo é compartilhado por outros. Agora, para o governo sair da crise, precisa também buscar apoio na sociedade, e, para isso, precisa assumir sua responsabilidade. Até agora, o que fala é que fez tudo certo; a crise internacional e a Lava- Jato é que afetaram a economia. Tem de explicar melhor, senão mina a confiança da população. O problema não são as pessoas que não votaram na Dilma, mas as que votaram e acreditaram nela”. ( Alessandra Duarte)
FÁBIO WANDERLEY REIS Cientista político e professor emérito da UFMG
“Na verdade, a crise vai se consolidando. Havia uma expectativa de que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tomasse algumas medidas, elas estão acontecendo agora, como podemos observar. A tendência é a crise se agravar e se atualizar. Há motivos reais para preocupação, não vejo truque capaz de resolvê- la. O que vejo de positivo é uma manifestação mais conciliadora, ainda que com reservas, por parte do ex- presidente Fernando Henrique Cardoso. Lula acenou com uma conversa, que bem ou mal, apesar da reserva, Fernando Henrique respondeu positivamente. É fundamental conversar com ele para descapitalizar a crise. A materialização do ódio que resultou da última eleição é muito negativa para o país. Uma boa parcela do PSDB está agindo de maneira totalmente irresponsável e oportunista. Hoje, não acredito que haja base jurídica para o início de um processo de impeachment contra a presidente da República. Mas sabemos que existe um pedido da oposição em análise pelo Congresso, que conta com o apoio da base aliada do governo, que é uma base de araque. É possível que se acabe encontrando um tecnicismo jurídico que justifique isso. O resultado seria catastrófico para o país”. ( Thiago Herdy)
EMIL SOBOTTKA Professor de Ciência Política da PUC- RS
“O mais viável agora para o governo é fazer a combinação de dois elementos. O primeiro é que acho que ele não escapa de uma reforma ministerial. Precisa abrir para outros nomes, isso se ainda encontrar gente que aceite ser governo neste momento. O outro elemento é negociar emendas parlamentares com os aliados. Essa combinação não é o ideal; o ideal seria reformar o que está na estrutura dos problemas ligados à corrupção, como o financiamento dos partidos, uma gestão profissional das estatais... Mas isso, neste momento, não é nem um pouco viável. Se o governo conseguir negociar ministérios e emendas, acredito que é possível uma saída. As ameaças de impeachment devem perder força: pelo lado do TCU ( que analisa as contas de governo de Dilma), a tradição tem sido aprovar, no máximo, com ressalvas, e não reprovar; pelo lado das contas de campanha de Dilma ( que podem ter recebido dinheiro de propina, segundo as denúncias na Lava- Jato), reprovar essas contas é um risco elevadíssimo para os outros partidos assumirem, podem ser atingidos também. E os problemas vindos de ( Eduardo) Cunha também tendem a amenizar: com as denúncias contra ele, quem estava a seu lado para atacar o governo passa a se afastar; não vai querer ter a imagem contaminada pelas acusações”. ( Alessandra Duarte)