Correio braziliense, n. 19073, 15/08/2015. Política, p. 5

Um pacto para lá de sangrento

Leonardo Cavalcanti


O pacto entre governo e parlamentares para dar governabilidade à presidente Dilma Rousseff está na rua. Mas, ao contrário do que os mais sensíveis imaginaram, os termos da combinação são sangrentos. Não há muitas alternativas neste momento para a petista. E o que sobrou foi o abraço ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

Dilma e Renan fazem um pacto restrito, mesmo que tenha o aval do vice Michel Temer e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As desconfianças são mais do que evidentes. Um dos erros é tentar comparar o peemedebista a um fiador. Renan não está disposto a pagar por eventual descompromisso de Dilma. Vai com ela até determinado ponto. Há um limite.

Entre os políticos, a atual fase “humilde” do governo Dilma será passageira. Ou pelo menos vai durar até o Planalto ter um respiro. A principal reclamação dos parlamentares está na forma como a presidente trata o Congresso. “Parte dos deputados quer fazer com o que Dilma engula a arrogância”, disse-me um político dos mais observadores do Legislativo.

Assim, de nada adianta que ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante; o líder do governo, José Guimarães (PT-CE); e a própria Dilma falem sobre humildade e ou até mesmo reconheçam erros em busca de uma trégua no Congresso. Ninguém acredita. Tudo soa falso, afinal Dilma e Mercadante nunca foram conhecidos pela modéstia. Ainda mais com o baixo clero.

Problemas

E aqui entra o adversário do pacto restrito: o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. É ele o alvo de todo o mal. Mais um discurso falso. Os problemas de Dilma passam pelo peemedebista, mas não se resumem ao deputado. Sem Cunha, o país ainda terá uma economia em frangalhos e uma investigação envolvendo petistas e ex-ministros do governo do PT. É como se Cunha fosse o bode na sala. Pode até ser tirado do ambiente, mas tudo continuará bagunçado.

Um erro ainda maior parece em curso. Todos os movimentos do Planalto são para minar Cunha de uma vez por todas. Alguns petistas acreditam que ele será abatido no Congresso e no escândalo da Lava-Jato. Mesmo que isso venha a ocorrer, o peemedebista ainda tem tempo para revidar os golpes. E reunir o baixo clero, aquela turma insatisfeita com Dilma.

Para governar durante os próximos três anos e meio, a presidente deverá entregar o que parece mais caro a ela e a determinados setores do PT, como, por exemplo, ministérios com nomes do partido ou ligados diretamente à legenda; e uma pauta mínima em defesa dos direitos humanos. Note que tudo isso por culpa e obra de Dilma — não dá para terceirizar erros.

Se Cunha não ganhou a guerra contra Dilma, os setores — e interesses — por ele defendidos podem festejar.

Outra coisa

Existe na Polícia Federal uma preocupação em reforçar os depoimentos dos delatores da Lava-Jato com provas robustas. A partir das indicações dos colaboradores da investigação, os agentes e delegados montam um roteiro do que foi recolhido até agora para evitar brechas ou questionamentos na Justiça. O receio é de que o Supremo Tribunal Federal (STF) possa absolver acusados — inclusive os presos das últimas fases da apuração — por falta de provas.

Para os investigadores, as próprias doações em forma de propina devem especificar as saídas de dinheiro das empreiteiras para os caixas de campanha. É que, em tese, os repasses para partidos e candidatos, caso tenham sido registradas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ganham a chancela de legais, dificultando eventuais condenações. Apesar da preocupação com o cruzamento das provas com as indicações dos delatores, policiais se mostram confiantes de que, até o indiciamento, essas provas estejam expostas.