Corrente de comércio do país recua 16,7%

Marta Watanabe 

24/08/2015

No primeiro semestre do ano, o Brasil fechou com superávit comercial de US$ 2,22 bilhões, mas ao custo de uma queda de 16,7% na corrente de comércio. Dados da Organização Mundial do Comércio (OMC) mostram que o enfraquecimento do setor externo brasileiro na primeira metade do ano foi maior que o dos principais mercados.

Na comparação dos valores em dólar, a corrente de comércio chinesa encolheu em igual período, mas em ritmo menor, com recuo de 6,8%. A dos americanos, 3,9%. No bloco da União Europeia, também na comparação em dólares, a redução também foi grande, de 14,8%, mas ainda assim ficou abaixo do encolhimento do comércio brasileiro. A corrente mundial caiu 11,4%. Os dados se referem a 70 economias do mundo, cujos dados a OMC acompanha mensalmente e que representa cerca de 90% do comércio global.

A disparidade entre a queda das trocas comerciais do Brasil com a do resto do mundo mostra que a retração econômica tem peso importante e que a redução do comércio brasileiro não resulta somente de fatores que afetam a todos, como queda de preço das commodities e falta de reação maior dos mercados mundiais.

"Todos os mercados estão sendo afetados com queda de comércio, mas o que está despencando mesmo no Brasil é a importação", diz Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior e sócio da Barral M Jorge Consultores. O recuo nos desembarques, diz, deve-se à redução da atividade, elevação do custo de produção interno e o encarecimento do importado por conta da desvalorização do real frente ao dólar.

A queda de importações não é algo necessariamente negativo, pondera Barral, porque a depreciação da moeda nacional também pode propiciar a substituição de bens finais e de insumos comprados do exterior. Seria, diz, um primeiro passo para restabelecer cadeias produtivas. O problema, aponta, é que a importação de bens de capital também está em queda, o que demonstra que a eventual substituição de importações não acontece no mesmo ritmo em que caem os desembarques. "A redução nesses bens mostra que não há investimentos e confiança no mercado interno."

De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, a importação de bens de capital caiu 15,1% de janeiro a julho contra iguais meses de 2014, na média diária. Na mesma comparação, a importação total encolheu 19,5% e a exportação recuou 15,5%, sempre na média diária.

Para Barral, o quadro do primeiro semestre não deve ser revertido rapidamente. "Devemos ter superávit comercial perto de US$ 10 bilhões, mas com grande perda de corrente de comércio."

Uma alta no preço das commodities poderia ajudar a mudar esse quadro, mas isso deve demorar a acontecer, avalia o ex-secretário. "Esses preços chegaram a um novo patamar, o que significa que devem continuar nesse nível por bom período." Para ele, a alteração de quadro deve acontecer somente no médio prazo, com uma recuperação maior da atividade internacional. Isso resultaria no aumento do custo do petróleo e levaria à alta dos preços de commodities. Mas é algo que deve acontecer dentro de três a cinco anos.

Uma política industrial mais agressiva voltada para a exportação também poderia ajudar, afirma Barral. Embora programas desse tipo demorem a dar resultado, a exportação, diz ele, volta a entrar no planejamento de médio prazo das empresas, como resultado da desvalorização cambial e do fraco desempenho do mercado interno.

"As empresas querem manter nível de produção e a exportação é a única alternativa", diz o ex-secretário. "Muitas iniciativas estão sendo tomadas agora e podem dar resultado a partir do ano que vem. Em 2016 devemos ter uma melhora do saldo comercial da indústria. Isso não quer dizer necessariamente superávit, mas na verdade redução de déficit, já que há, em alguns setores, saldos negativos estruturais."

Lia Valls, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV), diz que a recuperação da exportação de manufaturados pode acontecer, mas sem explosões. "A produção brasileira perdeu muita competitividade e a retomada das exportações atualmente esbarra na dificuldade de financiamento", diz. As reações mais perceptíveis, por enquanto, estão em produtos como aviões e aços laminados, e em mercados específicos, como os EUA.

Dados do Ministério do Desenvolvimento mostram que, de janeiro a julho, os embarques de manufaturados para os americanos cresceram 5,3% em relação a iguais meses de 2014, enquanto a exportação total do Brasil na mesma classe de produtos recuou 9,4%.

A composição da pauta de exportação brasileira é outro fator que dificulta a reversão da tendência de queda da corrente de comércio, diz Rodrigo Branco, pesquisador do Centro de Estudos de Estratégias de Desenvolvimento da Uerj (Cedes-Uerj).

As commodities metálicas e agrícolas, diz Branco, dominam a pauta de exportação e por isso o efeito da queda de preços desses produtos faz maior diferença para o Brasil. Segundo o ministério, mesmo com a queda de preços, os produtos básicos representam atualmente 47% do valor das exportações totais brasileiras. "Há muita concentração em commodities e pouca diversificação de pauta, o que dificulta uma reação via elevação de embarque de manufaturados, mesmo com um câmbio mais favorável."

O que tem ajudado muito, lembra ele, é a balança de petróleo e derivados, que deve fechar o ano com déficit muito menor que o de 2014 e dar uma contribuição positiva no saldo comercial. De novo, porém, um componente importante para o resultado negativo menor é a queda de importação de combustíveis, por conta da fraca demanda doméstica, apesar das elevações na quantidade exportada de petróleo bruto.

Valor econômico, v. 16, n. 3826, 24/08/2015. Brasil, p. A4