Vacina tem 100% de eficácia em teste

 

CESAR BAIMA

O globo, n. 29944, 01//08/2015. Sociedade, p. 24

 

Vacina contra ebola teve 100% de eficácia em teste com 3.500 pessoas. Para a OMS, resultado é promissor e pode dar fim aos surtos da doença. O teste de uma nova vacina contra o ebola realizado na Guiné teve resultados considerados muito promissores, dando a ela o potencial de evitar futuras epidemias como a que matou mais de 11.200 pessoas no Oeste da África desde o início do ano passado. As análises preliminares do primeiro experimento da chamada fase 3 do imunizante, uma das últimas antes que seu uso seja aprovado para a população em geral, indicam uma eficácia de 100% na proteção contra o vírus da cepa “Zaire”, responsável pelo surto atual, e foram publicadas ontem no site do periódico científico “Lancet”, um dos mais respeitados na área médica.

YOUSSOUF BAH/APPrevenção. Profissional de saúde limpa o braço de um homem antes de aplicar a vacina, em março deste ano: eficácia comprovada

— Este é um avanço extremamente promissor — comentou Margaret Chan, diretora-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), durante a apresentação dos resultados do teste, conduzido por pesquisadores da própria OMS com a colaboração do Ministério da Saúde da Guiné, da organização humanitária Médicos Sem Fronteiras, do Instituto de Saúde Pública da Noruega e várias outras instituições. — Uma vacina eficaz será mais uma importante ferramenta de combate tanto para o atual quanto para futuros surtos do ebola.

DESENVOLVIMENTO EM TEMPO RECORDE

Inicialmente desenvolvida pela Agência de Saúde Pública do Canadá em meados do ano passado e posteriormente licenciada pelo laboratório farmacêutico Merck, Sharp & Dohme (MSD), que assumiu a responsabilidade pela pesquisa, manufatura e distribuição do imunizante, a vacina, por enquanto conhecida apenas como VSVEBOV, tem como base o vírus da estomatite vesicular, que causa doenças em animais, mas não em seres humanos. Enfraquecido, ele recebeu um gene do ebola para produzir uma das proteínas expressas pelo vírus mortal na sua superfície, levando o sistema imunológico a fabricar previamente anticorpos que o atacam imediatamente em caso de infecção. A rapidez na criação e testagem da vacina, que levou apenas um ano contra os habituais dez ou mais que novos imunizantes demoram para serem desenvolvidos e aprovados, está sendo vista como um grande sucesso de um esforço global de saúde pública.

— Este trabalho em tempo recorde marca um ponto de virada na história da pesquisa e do desenvolvimento na área de saúde — disse Marie-Paule Kieny, vice-diretora-geral da OMS que lidera os esforços em torno de pesquisas sobre o ebola na instituição. — Sabemos agora que a urgência em salvar vidas pode acelerar esta pesquisa e seu desenvolvimento. Vamos colher os resultados positivos desta experiência para criar um sistema global de pesquisa e desenvolvimento preventivo de modo que, se tivermos outra epidemia de uma doença grave, o mundo inteiro possa agir rápida e eficientemente na elaboração e no uso de ferramentas médicas que possam evitar uma tragédia em grande escala.

Embora a decisão de testar logo a vacina contra o ebola tenha sido tomada em outubro do ano passado, quando a epidemia no Oeste da África estava em um de seus momentos mais graves, o experimento só teve início de fato em março deste ano. Então, o número de novos casos da doença já tinha diminuído bastante na Guiné, o que impediu sua realização no modo considerado padrão para este tipo de ensaio clínico, no qual uma população sob risco de contrair o vírus seria dividida em dois grupos: um receberia o imunizante e outro um simples placebo, e os resultados, isto é, quem e quantos de cada grupo acabaram doentes, indicariam a eficácia da vacina.

Assim, cientistas foram obrigados a adotar um formato alternativo para o teste, conhecido como “anelar”, e similar ao usado para erradicar a varíola entre os anos 1960 e 1970. Nele, pessoas que tiveram contato direto com um caso confirmado de ebola e indivíduos que tiveram contato com estas pessoas, ou seja, em “anéis” em torno do doente, receberam a vacina imediatamente ou após um “atraso” deliberado de três semanas. Ao todo, o ensaio clínico envolveu quase oito mil pessoas em 90 destes “anéis”, das quais pouco mais de 3.500 deram seu consentimento e foram efetivamente vacinadas — 2.014 imediatamente e 1.498 com o atraso de 21 dias. Por motivos de segurança, mulheres grávidas ou amamentando e menores de 18 anos não receberam o imunizante.

Ao fim de dez dias após a vacinação, período mínimo de incubação do ebola, ninguém nos “anéis” que receberam a vacina imediatamente adoeceu, enquanto entre os que foram imunizados tardiamente foram registrados 16 casos da doença. Em ambos os grupos, porém, ninguém que foi vacinado ficou doente mais de seis dias após a imunização. Com base nestes resultados, os pesquisadores calculam que a vacina foi 100% eficaz na prevenção da doença, tendo contribuído ainda para a chamada “imunidade de manada”, em que mesmo quem não recebeu a vacina acabou protegido pela quebra das cadeias de transmissão do vírus.

— A premissa é que, ao vacinarmos todas as pessoas que tiveram contato com um infectado, criamos um “anel de proteção” que impede que o vírus se espalhe ainda mais — explica JohnArne Røttingen, diretor da Divisão de Doenças Infecciosas do Instituto de Saúde Pública da Noruega e chefe do comitê de avaliação do estudo. — Esta estratégia nos ajudou a seguir a epidemia dispersa pela Guiné e nos permitirá continuar com as ações, como forma de intervenção na saúde pública a partir de agora.

PROTEÇÃO PARA PROFISSIONAIS DE SAÚDE

Assim, embora o trabalho em torno da nova vacina ainda esteja longe de terminar (não se sabe, por exemplo, quanto tempo ela demora para começar a proteger os vacinados nem a duração da proteção), o sucesso do teste levou a OMS a encerrar a escolha ao acaso de quem recebe o imunizante para que todas as pessoas que estiverem sob risco de serem infectadas sejam de fato vacinadas. Entre elas estão principalmente os profissionais de saúde, grupo que acabou se tornando uma das maiores vítimas da epidemia no Oeste da África. Além disso, a partir de agora, todos os novos “anéis” que forem identificados vão receber a vacina imediatamente, e o imunizante também será administrado em menores de 18 anos, inicialmente em jovens de 13 a 17 anos e posteriormente em crianças com 6 a 12 anos, à medida que sua segurança for sendo comprovada.

— Paralelamente à vacinação em anéis, estamos conduzindo ensaios com a mesma vacina nos profissionais da linha de frente da saúde — conta Bertrand Draguez, diretor médico da organização Médicos Sem Fronteiras. — Estas pessoas têm trabalhado incansavelmente e posto suas vidas em risco todos os dias para cuidar dos doentes. Se a vacina é eficaz, então já começamos a protegê- las do vírus. Todos os países afetados devem iniciar imediatamente e multiplicar a vacinação em “anéis” para quebrar as cadeias de transmissão e imunizar seus profissionais da linha de frente da saúde.