Correio braziliense, n. 19073, 15/08/2015. Economia, p. 8

A Câmara contra-ataca

Paulo Silva Pinto

O governo se empenha em mostrar uma agenda positiva para o país, na tentativa de neutralizar a crise em seus aspectos práticos e também simbólicos. Afinal, quando muita gente acha que as coisas estão ruins, tudo fica muito pior, já que boa parte dos movimentos dos atores econômicos depende de expectativas.

Não é só o governo que tem essa preocupação: também o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), quer mostrar esforços para tirar o país do atoleiro em que se encontra. No caso dele, um incentivo extra é contestar a ideia de que vem aprofundando ainda mais a crise econômica ao atacar o Executivo, trabalhando pela aprovação de matérias que prejudicam o equilíbrio fiscal.

Um dos trunfos com que Cunha conta é a aprovação de uma proposta de emenda à constituição (PEC) sobre a reforma tributária. Há boas chances de chancelar o texto em dois turnos até dezembro e jogá-lo no colo dos senadores. “Mostraremos que fizemos a nossa parte e que caberá a eles se debruçar sobre o tema com a mesma celeridade”, diz o deputado Hildo Rocha (PMDB-MA).

Um detalhe nada irrelevante está no fato de que o texto a ser aprovado não existe ainda. Caberá a Rocha providenciá-lo. Aliado próximo de Cunha, o maranhense foi escolhido para presidir a comissão que analisa todos os projetos em tramitação sobre a reforma tributária.

Foram encontrados 96 PECs, 217 projetos de lei complementar e 1.094 projetos de lei ordinária nos 10 dias de trabalho da comissão. As PECs, agrupadas por afinidade, já estão nas mãos dos integrantes da comissão para análise. A mais antiga é de 1991.

A comissão tem mais 20 dias para se debruçar sobre os textos. Pode pedir mais um mês. Mas, no que depender de Rocha, isso não acontecerá. Depois da consolidação de uma PEC, haverá outra comissão para analisá-la, com prazo de 30 dias prorrogáveis por igual período. “Como todos os partidos estarão presentes, vamos criar um consenso sobre a matéria. E, então, ficará fácil aprovar em plenário”, explica.

Para Rocha, a PEC não deverá tratar da cobrança do Impostos sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na origem ou no destino, algo que poderá ficar para ser resolvido depois, por meio de lei. “Isso é polêmico. Mas, qualquer que seja o sistema ser escolhido, exigirá uma longa transição”, explica.

Ainda assim, ele prevê outras mudanças fortes. Por exemplo, unificar todos os sistemas de arrecadação nos estados, eliminando os fiscos das prefeituras. “Os municípios são ruins para arrecadar. Além disso, são muitos”, afirma. Impostos sobre propriedade de imóveis se tornariam estaduais, com os recursos repassados às cidades.

CPMF para a Previdência

Uma das ideias mais radicais de Rocha diz respeito à Previdência. Ele defende que se eliminem todas as contribuições, incluindo a de patrões e empregados. Seriam substituídas por um tributo sobre as transações financeiras, ou seja, a velha CPMF, direcionada exclusivamente ao financiamento das aposentadorias. “O maior problema fiscal do país é o deficit da Previdência, que deixaria de existir.”

No caso do ICMS, Rocha defende que seja concentrado em uma pequena lista de produtos, incluindo energia elétrica e combustíveis, com alíquotas bem maiores do que as atuais. Em compensação, a maior parte do que entra no carrinho de supermercado ficaria isenta. “Isso levaria a uma redução muito grande das máquinas de arrecadação”, explica Rocha.

A simplificação seria, de fato, algo muito bem-vindo pelo contribuinte, sobretudo as empresas. Elas se queixam de que, no Brasil, além de a carga tributária ser elevada, se gasta muito com a complicação, que exige muitos funcionários e serviços terceirizados.

O problema da CPMF é o efeito cascata. Um processo que envolve várias transações fica muito caro. A concentração do ICMS em alguns produtos também tende a gerar distorções. Quem ficar isento vai comemorar, mas quem estiver nos setores com elevação de alíquota vai se queixar muito.

Mas o sistema tributário brasileiro é tão ruim que uma mudança tem grande chance de ser comemorada. Desde que seja resultado de uma discussão ampla e profícua. O que foi feito com a reforma política na Câmara, sob patrocínio de Cunha, não deixou boas lembranças. Quem sabe agora ele consegue agradar.


Ventos da China

A desvalorização do yuan nos últimos dias não será um problema para o país, afirma Alejandro Hardziej, estrategista em renda fixa do Banco Julius Baer, em Zurique, na Suíça. Ele argumenta que, mesmo com a recente queda de valor da moeda chinesa, está 28% mais barata em relação ao real desde o início do ano.

Além disso, as exportações para lá não representam uma parcela tão grande de nossas exportações quando comparadas ao Chile, por exemplo. Aqui são 3% do Produto Interno Bruto (PIB). Lá são 8%.

Do ponto de vista da política monetária norte-americana, o movimento chinês tampouco deverá causar grandes alterações, atesta a economista do banco Suan Joho. Ela prevê alta moderada da taxa básica de juros dos Estados Unidos, de 0,25 ponto percentual em setembro ou outubro, passando de 0,25% ao ano para 0,50%. No início do próximo ano, viria mais 0,25 ponto.

De modo amplo, Hardziej aposta que o pior já passou para a economia brasileira. “Os ajustes estão sendo feitos, o que é bom. Mas a recuperação será muito lenta”, alerta.