Título: Senadores contra novo imposto
Autor: Correia, Karla ; Filizola, Paula
Fonte: Correio Braziliense, 11/09/2011, Política, p. 2/3

Levantamento feito pelo Correio revela que, neste momento, a maioria absoluta dos parlamentares rejeita a criação de um tributo, nos moldes da CPMF, para bancar gastos com a Saúde. Após a votação na Câmara, Senado vai definir qual será a fonte de financiamento no setor

Sem tempo hábil para criar, durante a tramitação na Câmara, uma nova fonte de recursos para a Saúde dentro da Emenda 29 ¿ que regulamenta os percentuais mínimos a serem investidos no setor ¿, o governo escolheu o Senado como o campo de batalha onde se desenrolará a discussão sobre um possível novo imposto. Nos moldes da extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), o tributo seria a solução dos sonhos, acalentada pelo Palácio do Planalto para suprir a carência por verbas no setor, que será consideravelmente aumentada com a provável aprovação da regulamentação do texto.

Na dura realidade do plenário, contudo, a tarefa será árdua. Levantamento feito pelo Correio com 59 dos 81 senadores mostra que, nesse momento, 45 parlamentares ¿ maioria absoluta dos integrantes da Casa ¿ são contrários à criação de mais um imposto. Apenas oito senadores defendem a ideia do novo tributo e seis declaram que vão esperar o resultado da votação na Câmara ou a orientação do governo antes de definir por qualquer posição (veja a opinião de cada um no quadro abaixo)

"Está em jogo uma necessidade de financiamento de R$ 60 bilhões ao ano", diz o presidente do Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Antônio Carlos Figueiredo Nardi, defensor da criação de uma fonte de recursos específica para o setor.

Os números mostram que o maior desafio para o governo será encontrar uma "barriga de aluguel" para sua proposta. As declarações dos senadores deixam transparecer que o principal empecilho para a criação de um tributo, no momento, é a imagem negativa da medida no bolso do eleitorado, a pouco mais de um ano das eleições municipais. "Todo o esforço tem que ser feito para que não aumente a carga tributária", diz o senador Jorge Viana (PT-AC). Para uma grande parte dos entrevistados, uma saída viável seria a elevação dos tributos incidentes sobre bebidas alcoólicas e cigarros, dois itens cujo consumo em excesso está ligado a problemas de saúde. Por isso, na visão de alguns parlamentares, nada mais justo que esses setores contribuam para atenuar os males que eles próprios provocam.

"Beber não é algo obrigatório, é uma opção, tanto quanto fumar. A criação de um imposto não encontra espaço no Senado, neste momento", vaticina o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE). A medida, no fim das contas, também elevaria a carga tributária. Afinal, é um aumento de imposto. Mas encerra um discurso politicamente correto, mais palatável para o eleitor e mais fácil de ser defendido nos palanques eleitorais.

Arrecadação As propostas, contudo, são variadas. Além da taxação de bebidas e cigarros, alguns defendem que uma parcela ainda não definida dos recursos do DPVAT ¿ seguro pago a vítimas de acidentes de trânsito ¿ seja revertida para o setor. Outros parlamentares acham que uma saída seria a tributação de grandes fortunas. Há inclusive aqueles que defendem uma alternativa polêmica e tão impopular quanto a criação de um imposto: a legalização dos bingos no país.

Casa que representa o jogo de interesses das unidades da Federação, o Senado está diante de sinais contraditórios dos governadores, muitos dos quais também relutam em abraçar a criação de um tributo. A aposta do Planalto é de que eles assumirão o papel de pressionar os congressistas a embutir na regulamentação da Emenda 29 a nova fonte de recursos para a saúde.

O governo federal vende a ideia de que está em uma situação confortável na discussão, porque teria cumprido a determinação da lei de reajustar anualmente o volume de verba destinada à saúde com base na variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). Mas já deixou claro para o parlamento que, se não houver a definição da origem dos recursos adicionais para o setor, tende a enterrar a regulamentação da emenda.

De acordo com Nardi, são os governos estaduais que enfrentam os maiores problemas para cumprir a regra que os obriga a destinar 10% de sua arrecadação para o setor. "Ao menos 13 estados não investem o suficiente. Ao passo que acima de 90% dos municípios investem o preconizado pela emenda", afirma o presidente do Conasems.

Na prática, gastos em áreas como saneamento, pagamento de pessoal e até merenda escolar são usados com frequência para maquiar o volume de recursos destinados por governos estaduais para o setor.

O professor de finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB) José Matias Pereira afirma que o maior problema do financiamento da saúde é a má gestão dos recursos destinados para a área. "A ideia de ressuscitar a CPMF na forma de um outro tributo é totalmente descabida", diz o especialista. "A dificuldade de se encontrar quem defenda abertamente a criação de um tributo no Congresso é um reflexo da pressão social. O eleitorado está deixando claro que não está mais disposto a tolerar nem os problemas de gestão na saúde, nem tampouco novos impostos."

O que está em jogo

R$ 222 bilhões Total arrecadado pelo governo com a CPMF entre 1993 e 2007. As alíquotas variaram de 0,2% a 0,38%.

R$ 60 bilhões Estimativa do financiamento anual necessário para bancar a regulamentação da Emenda 29, que estabelece percentuais mínimos a serem investidos na Saúde pela União, estados e municípios