O globo, n.29.945, 02/08/2015. Economia, p. 30

 

Acordo sim, pacto não

 

A notícia boa da semana passada foi a capacidade de os governadores e a presidente Dilma se reunirem e concordarem sobre algo. Há clima para acordos em alguns pontos, mas não há possibilidade de pacto, resumem participantes do encontro. O país continuará em muita incerteza política. Dilma fez, na reunião, um diagnóstico claudicante da crise e, de novo, não admitiu seus erros.

Apresidente disse que as promessas da campanha foram feitas em outra conjuntura, diferente da atual, e culpou a crise internacional, a alta do dólar e a queda das commodities pelo aumento da inflação e piora do quadro fiscal. Não houve qualquer alteração brusca nestes meses. Os dados divulgados pelo Tesouro na quinta-feira e pelo Banco Central na sexta mostram que a despesa que mais aumentou (108%) foi a rubrica subsídios e subvenções porque o Tesouro está “despedalando”. Foram gastos postergados no ano passado e que estão sendo quitados agora. Quanto à inflação, há impacto do dólar, mas ele está longe de ser a razão para o salto deste ano. As commodities têm o efeito baixista nos preços. O fator mais relevante é o tarifaço da energia elétrica, feito para corrigir as distorções criadas pelo próprio governo.

A dúvida é a seguinte: em algum momento a presidente Dilma fará um diagnóstico sincero da crise ou continuará apostando que seus interlocutores e o país não têm memória ou discernimento? O que ela recebe de herança maldita ela mesma plantou no mandato passado. O país sofre as consequências dos erros da política econômica e do adiamento, por razões eleitorais, das correções de rumo.

Durante os primeiros seis meses do ano, em que sua popularidade se liquefez e o Congresso aprovou medidas lesivas aos cofres públicos, Dilma nunca procurou os governadores. Recebeu conselhos e os ignorou. Seria normal uma reunião em começo de mandato com todos os governadores para conversar sobre a pauta comum. Dilma só saiu do seu isolamento quando recentemente foi procurada por um grupo pequeno de governadores que mostrou a ela que o diálogo entre os membros da Federação faz parte da rotina republicana. Não há clima agora para a formação de nenhum pacto, mas felizmente ainda há espaço para entendimentos em pontos específicos.

Um acordo possível é contra a insensatez do Congresso, principalmente da Câmara, de criar despesas públicas. Os parlamentares legislaram no primeiro semestre como se não houvesse amanhã, aprovando despesas como o fim do fator previdenciário, o subsídio ao diesel, o reajuste das pensões e aposentadorias pela fórmula do salário mínimo, o aumento dos servidores do Judiciário. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ameaçado pelas revelações da Lava-Jato, promete se vingar na pauta do poder que preside. A ameaça enfraquece o legislativo. A Câmara não pode ser usada para uma vingança pessoal. O aumento de despesas não afeta apenas o Executivo. Põe em risco a estabilidade econômica.

Uma conversa entre os chefes dos executivos federal e estaduais tem a chance de criar uma barreira contra esse risco. Se o pacto pela governabilidade é impossível, pelos erros da presidente Dilma e pelo tamanho da fissura entre os grupos políticos, pelo menos que haja o bom senso de ver que os tesouros, federal e estaduais, têm que ser protegidos. É do nosso bolso que sai o dinheiro para cobrir as despesas públicas.

O segundo semestre tende a ser tenso na política e na economia por inúmeros fatores. O TCU terá que se manifestar sobre as contas da presidente Dilma de 2014. São tantos e tão volumosos os atrasos na transferência para os bancos públicos que não são apenas atrasos contratuais, mas sim operações de crédito proibidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Se recomendar a rejeição das contas da presidente Dilma, o TCU pode dar munição para uma briga política, mas o órgão tem que ser técnico e reprovar os absurdos praticados pelo governo Dilma nas contas públicas. É com isso que o TCU tem que ter compromisso, sob pena de sepultar o mais importante ordenamento fiscal existente no país. O país terá novas manifestações populares. Não há sinais de melhora na situação econômica. O ano continuará difícil, mas acordos podem desanuviar um pouco o ambiente.