De saída da Bolsa

 

ANA PAULA RIBEIRO

O globo, n. 30003, 29//09/2015. País, p. 17

 

Estratégia visa a reduzir danos em meio à queda no valor das ações. Cenário nos mercados piorou depois que Brasil perdeu grau de investimento. Governo deve adiar abertura de capital da Caixa Seguradora para 2016

A recessão e a perda do grau de investimento pelo Brasil levaram empresas de diferentes setores a desistirem de negociar suas ações na Bolsa de Valores. Este ano, 12 companhias já pediram para cancelar seu registro na Bovespa e, assim, fechar o capital, informa ANA PAULA RIBEIRO . Com as ações baratas, os controladores aproveitam para recomprá- las e evitar uma depreciação maior da empresa. O grupo inclui o BicBanco, a Souza Cruz e a Vigor. Este ano, a Bolsa brasileira perdeu 42% de seu valor em dólar. O mau momento no mercado deve levar o governo a adiar para 2016 a abertura de capital da Caixa Seguradora, prevista para novembro. O governo pretendia arrecadar R$ 4 bilhões com a operação. Com o valor das ações das empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo ( Bovespa) minguando a cada mês, devido à recessão da economia, cada vez mais administradores optam pela estratégia de fechar o capital. O movimento não se restringe a um setor específico: vai da indústria alimentícia a bancos. Só este ano, já foram aprovados na Comissão de Valores Mobiliários ( CVM) seis pedidos de fechamento de capital e cancelamento de registro, e outros seis estão em análise. No ano passado, apenas cinco registros foram cancelados. E a fila deve crescer. A Estrela, tradicional fabricante de brinquedos, ainda não registrou o pedido, mas pretende fazê- lo. Segundo o presidente da companhia, Carlos Tilkian, a curto prazo não se espera uma recuperação das ações nem do setor de brinquedos, prejudicado pelos anos de dólar em patamar baixo.

— Entendemos que, pelas regras da Bolsa hoje e pelo momento da companhia, faz mais sentido fechar o capital. Daqui a alguns anos, com uma mudança na economia brasileira e no setor de brinquedos, podemos voltar — disse.

Ao fechar capital, a Estrela espera economizar com as taxas de CVM, Bolsa, auditorias trimestrais e publicações de balanço e fatos relevantes. Além disso, a empresa quer evitar os custos de uma operação de aglutinação de ações, já que seus papéis caíram para menos de R$ 1 e há uma pressão da CVM para evitar a presença das chamadas penny

stocks ( ações baratas demais) na Bolsa — outro fator que deve fazer com que mais companhias peçam o cancelamento de seus registros.

Já foram aprovados este ano os pedidos de cancelamento de registro de Cia. Objetivo, GTD Participações, Cia. Cacique de Café Solúvel, Brazil Hospitality Group ( BHG), Indústria Verolme ( Ivesa), Banco Industrial e Comercial ( BicBanco) e Souza Cruz — sendo que o fechamento de capital destas duas últimas já está em andamento.

A CVM ainda analisa os pedidos de Marina Iraas cema Park, Arteris, Companhia Celg de Particpações, Banco Daycoval, Redentor Energia e Vigor Alimentos. A Estrela ainda não registrou o seu.

No caso da Vigor, pesou ainda outra questão. A empresa participava do Novo Mercado, mas a pulverização de ações não estava enquadrada nos requisitos de governança corporativo exigidos.

— Como tínhamos de sair do Novo Mercado, resolvemos fechar o capital. Na verdade, queríamos fazer um IPO ( oferta pública inicial de ações, na sigla em inglês), mas, diante das circunstâncias do momento no mercado internacional, esse projeto ficou para depois — afirmou o presidente da Vigor, Gilberto Xandô.

Na avaliação de Paulo Funchal, sócio da consultoria Grant Thornton, é natural que em momentos de crise aumente o número de pedidos de fechamento de capital, já que algumas companhias passam a achar que o mercado não vale mais a pena. Foi o caso da British American Tobacco, que decidiu fechar o capital da Souza Cruz em um momento de dólar alto. Na moeda americana, a Bolsa já perdeu neste ano 42,2% de seu valor.

RECOMPRA, OPÇÃO DE 70 COMPANHIAS

Em muitos casos, empresas que anunciam o fechamento de capital estão com um valor muito aquém do seu recorde histórico. As ações da concessionária de rodovias Arteris, por exemplo, acumulam queda de 56,8% em relação a sua máxima histórica, em 22 de maio de 2013. Desde que anunciou o fechamento de capital, a empresa viu o valor de seus papéis subir 14,9%. Isso costuma acontecer quando os acionistas minoritários veem chance de o valor pago ficar acima daquele estipulado inicialmente pelo controlador — que costuma se basear no valor negociado nos pregões anteriores.

Outra operação utilizada pelos administradores é a recompra de ações. No ano, cerca de 70 já foram anunciadas, entre as quais Banco do Brasil e Ambev. Embora adotar essa estratégia não seja suficiente para recuperar de forma significativa o preço das ações, essa operação é vista como positiva do ponto de vista financeiro para as companhique possuem caixa. Isso porque vão comprar um papel que está em baixa, deixar em tesouraria e depois revender em uma situação melhor.

— É uma janela de oportunidade do ponto de vista de gestão financeira, mas só para a empresa que tem caixa. Mas não adianta querer brigar com o mercado, que é muito maior que a empresa — disse Funchal.

Segundo especialistas, ainda vai demorar para o valor das ações no mercado brasileiro se recuperar. Mesmo aquelas consideradas sólidas e com perspectiva de crescimento estão sofrendo com o ambiente político.

Mas, se a curto prazo a incerteza é grande, a médio prazo a expectativa é que os investidores, em especial os estrangeiros, voltem a olhar para a Bolsa brasileira. James Gulbrandsen, sócio da gestora de recursos americana NCH Capital, diz que os estrangeiros estão atentos às oportunidades, que aumentaram depois do rebaixamento do Brasil pela Standard & Poor’s, pois este deixou o dólar mais caro e a ação em reais, mais barata.

— Tem uma onda de dinheiro lá fora que quer investir no Brasil. Estão só aguardando a resolução da situação política — disse.

Os estrangeiros querem companhias com boa gestão e liquidez. E, como a Bolsa está barata para eles devido à valorização do dólar, é possível encontrar barganhas. Gulbrandsen cita o setor financeiro ( grandes bancos, Cielo e Cetip), Drogasil e Ambev.

Frederico Sampaio, diretor de renda variável da Franklin Templeton, concorda. Ele diz que, em meio à turbulência, o Brasil está muito barato.

No ano, o saldo de estrangeiros na Bolsa está positivo em R$ 17,66 bilhões. No entanto, no acumulado do mês até o dia 24, há saída líquida de R$ 205 milhões.

 

IPO da Caixa Seguradora pode ficar para abril

 

Com a piora da situação econômica, a instabilidade dos mercados e a descrença dos investidores em relação à economia brasileira, o governo deve adiar a oferta pública inicial de ações ( IPO, na sigla em inglês) da Caixa Seguradora para 2016. A operação de abertura de capital estava prevista inicialmente para outubro ou novembro, mas, com a conjuntura adversa, as instituições financeiras que coordenam o processo ( Banco do Brasil, UBS e Goldman Sachs) recomendaram à Caixa que a operação seja adiada para abril do ano que vem. O problema é que o governo contava com os recursos da operação para reforçar as contas de 2015 e agora terá de abrir mão dessa receita.

Segundo fontes envolvidas na operação, o retorno para o Tesouro ( em dividendos e tributos) foi estimado em R$ 4 bilhões. No fim do primeiro semestre, a Caixa fez uma operação semelhante com sua corretora e captou R$ 602 milhões. O negócio foi considerado um sucesso e era um dos incentivos para fazer o mesmo com a Caixa Seguradora.

Mas a conjuntura mudou, e, para os bancos, a operação teria risco alto se o governo prosseguisse com a venda, podendo o preço das ações ficar abaixo do previsto.

Segundo um interlocutor do governo, outro fator torna a operação ainda mais arriscada: o Congresso ameaça votar o projeto de Lei de Responsabilidade das Estatais para regulamentar dispositivos da Constituição, definir diretrizes para a organização dessas empresas, mecanismos de fiscalização e governança interna. Qualquer investidor ficará receoso de participar do IPO, diante da possibilidade de mudanças nas regras, diz a fonte.

— O ativo é de boa qualidade, mas quem vai querer comprar neste momento? — indagou uma fonte do governo.

Questionado, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, confirmou que o IPO poderá ser adiado:

— Estamos construindo as etapas necessárias para criar as condições e avaliando o mercado para definir se vamos fazer este ano.

Segundo fontes ligadas à Caixa, com a conclusão dessas etapas, o processo de IPO poderá ocorrer a qualquer momento de 2016, dependendo da melhoria das condições do mercado.