HENRIQUE GOMES BATISTA
O globo, n. 30003, 29//09/2015. Mundo, p. 24
O presidente Raúl Castro, de Cuba, estreou na Assembleia Geral, na 1 ª visita aos EUA após 1959. Foi ovacionado. Se o assunto do dia na ONU foi a crise síria, o personagem foi Raúl Castro. Ontem, ele discursou pela primeira vez na Assembleia Geral e foi o mais aplaudido entre os 36 líderes que falaram no dia de abertura da 70 ª sessão do órgão, que deve reunir mais de 150 chefes de Estado e governo, um número recorde. Com uma fala de menos de 15 minutos, o presidente cubano atacou fortemente o imperialismo, falou sobre os problemas que ainda assolam o mundo e defendeu o fim do embargo econômico que seu país ainda sofre dos Estados Unidos.
Raúl fez uma defesa de vários países e citou nominalmente a presidente do Brasil, Dilma Rousseff. Saudou nações que vivem “lutas importantes”, como Venezuela, Equador, Caribe ( pela escravidão), Porto Rico ( que “precisa ser totalmente independente dos EUA”), Argentina ( pelas Ilhas Malvinas), Brasil ( por seu recente desenvolvimento social), Irã e Rússia.
Com um discurso forte, que lembra as palavras e os temas da Guerra Fria, o presidente cubano disse que os direitos humanos continuam a ser uma utopia para milhões de pessoas. Raúl citou seu irmão, Fidel Castro, e disse que ainda existem 795 milhões de pessoas que sofrem com a fome, 781 milhões de adultos analfabetos, e que morrem diariamente 17 mil crianças por doenças curáveis. E defendeu que o Estado de bem estar social está “praticamente extinto” na Europa.
— É na pobreza e na desigualdade que se devem buscar as causas dos conflitos — disse ele, ovacionado de pé ao fim do discurso.
Raúl afirmou, ainda, que o povo sírio deve resolver internamente seus conflitos, e que o Oriente Médio precisa ser respeitado. E lembrou dos problemas do câmbio climático, que geram a desertificação do continente africano.
— Me somo aos países caribenhos e africanos. Reclamamos para eles um tratamento justo, de transferência de tecnologia e recursos financeiros.
Defendendo uma reforma na ONU, o presidente cubano disse que a União Europeia precisa assumir sua responsabilidade pela atual crise dos refugiados que tentam chegar ao continente.
— Vemos que ainda se destina por ano US$ 1,7 trilhão em gastos militares, enquanto a pobreza e a desigualdade continuam no mundo — disse Raúl, que voltou aos EUA após 56 anos sem ir ao país.
INDENIZAÇÃO POR ANOS DE SANÇÕES
No fim de seu discurso, ele falou da retomada das relações de Cuba com os EUA e pediu o fim do embargo econômico e indenização pelos anos das sanções:
— Depois de 56 anos, as relações diplomáticas foram restabelecidas entre Cuba e os Estados Unidos, e agora tem início um longo e complexo processo até a normalização. Isso só será alcançado quando acabar o bloqueio econômico, comercial e financeiro; for devolvido a Cuba o território ocupado ilegalmente na base naval de Guantánamo; acabarem as transmissões de rádio e televisão e o programa de subversão e desestabilização contra a ilha; e quando o nosso povo for compensado pelos danos humanos e econômicos que ainda sofre.
Mais cedo, o presidente Barack Obama disse em seu discurso que, “inevitavelmente”, o embargo acabará. Hoje, os dois deverão ter uma reunião bilateral na sede da ONU, em Nova York:
— Por 50 anos, os EUA buscaram uma política de Cuba que não conseguiu melhorar a vida do povo cubano. Nós mudamos isso. Continuamos a ter diferenças. Vamos continuar a defender os direitos humanos. Mas vamos abordar estas questões através de relações diplomáticas, aumentar o comércio e os laços — disse Obama, lembrando que a mudança não será “do dia para a noite”.