Mea-culpa internacional

 

HENRIQUE GOMES BATISTA

CATARINA ALENCASTRO 

 

Ao discursar na Assembleia Geral da ONU, a presidente Dilma admitiu que o modelo econômico que adotou, baseado no consumo, chegou ao limite e atribuiu a crise vivida no país, além de fatores externos, a “razões fiscais internas”. A Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, atacou a atual política econômica de Dilma. - NOVA YORK- A presidente Dilma Rousseff usou os 20 minutos de que dispôs no discurso de abertura da 70 ª sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas ( ONU) para prestar contas da conturbada situação política e econômica que enfrenta no Brasil. Admitiu que o modelo que adotou para estimular a economia em seu primeiro mandato chegou ao limite. Culpou a crise internacional, como costuma fazer, mas também se referiu a “razões fiscais internas”. E disse que está realizando ajuste nas contas, com corte de despesas e de investimentos. Também se referiu indiretamente ao escândalo revelado pela Operação Lava- Jato, ao dizer que o Estado tem sido vigiado pelas instituições, e que o governo e o povo não aceitam a corrupção. Em recado velado à oposição que tenta seu impeachment, disse que o “Brasil continuará trilhando o caminho democrático e não abrirá mão das conquistas pelas quais tanto lutamos.” A seguir, os principais trechos do seu discurso:

DON EMMERT/ AFPLegalidade. Ao discursar, Dilma disse que os juízes devem julgar “com liberdade e imparcialidade, sem pressões de qualquer natureza” e “desligados de paixões político- partidárias”

CRISE ECONÔMICA

“Por seis anos, buscamos evitar que os efeitos da crise mundial que eclodiu em 2008 no mundo desenvolvido se abatessem sobre nossa economia e nossa sociedade. Por seis anos, adotamos um amplo conjunto de medidas reduzindo imposto, ampliando crédito, reforçando o investimento e o consumo das famílias. Aumentamos os empregos, aumentamos a renda nesse período. Esse esforço chegou agora no limite, tanto por razões fiscais internas como por aquelas relacionadas ao quadro externo. A lenta recuperação da economia mundial e o fim do superciclo das commodities incidiram negativamente sobre nosso crescimento. A desvalorização cambial e as pressões recessivas produziram inflação e forte queda da arrecadação, levando a restrições nas contas públicas. O Brasil, no entanto, não tem problemas estruturais graves, nossos problemas são conjunturais. E, diante dessa situação, estamos reequilibrando o nosso Orçamento e assumimos uma forte redução de nossas despesas, do gasto de custeio e até de parte do investimento. Realinhamos preços, estamos aprovando medidas de redução permanente de gastos. Enfim, propusemos cortes drásticos de despesas e redefinimos nossas receitas. Todas essas iniciativas visam reorganizar o quadro fiscal, reduzir a inflação, consolidar a estabilidade macroeconômica, aumentar a confiança na economia e garantir a retomada do crescimento com distribuição de renda. Hoje, a economia brasileira é mais forte, sólida e resiliente do que há alguns anos. Temos condições de superar as dificuldades atuais e avançar na trilha do desenvolvimento”.

MOMENTO DE TRANSIÇÃO

“Estamos num momento de transição para um novo ciclo de expansão mais profundo, mais sólido e mais duradouro. Além das ações de reequilíbrio fiscal e financeiro, de estímulo às exportações, também adotamos medidas de incentivo ao investimento em infraestrutura e energia. No Brasil, o processo de inclusão social não foi interrompido. Esperamos que o controle da inflação e a retomada do crescimento e do crédito contribuam para uma maior expansão do consumo das famílias”.

CORRUPÇÃO

Os avanços que logramos nos últimos anos foram obtidos em um ambiente de consolidação e de aprofundamento da nossa democracia. Graças à plena vigência da legalidade e ao vigor das instituições democráticas, o funcionamento do Estado tem sido escrutinado de forma firme e imparcial pelos poderes e organismos públicos encarregados de fiscalizar, investigar e punir desvios e crimes. O governo e a sociedade brasileiros não toleram e não tolerarão a corrupção. A democracia brasileira se fortalece quando a autoridade assume o limite da lei como o seu próprio limite. Nós, os brasileiros, queremos um país em que a lei seja o limite. Queremos um país em que os governantes se comportem rigorosamente segundo suas atribuições, sem ceder a excessos. Em que os juízes julguem com liberdade e imparcialidade, sem pressões de qualquer natureza e desligados de paixões político- partidárias, jamais transigindo com a presunção da inocência de quaisquer cidadãos”.

CONFRONTO DE IDEIAS

“Queremos um país em que o confronto de ideias se dê em ambiente de civilidade e respeito. Queremos um país em que a liberdade de imprensa seja um dos fundamentos do direito de opinião. E a manifestação de posições diversas, direito de cada brasileiro. As sanções da lei devem recair sobre todos os que praticam e praticaram atos ilícitos, respeitados o princípio do contraditório e da ampla defesa. Essas são as bases de nossa democracia, e valho- me de recente manifestação de meu amigo José Mujica, ex- presidente uruguaio, que disse: ‘ Esta democracia não é perfeita porque não somos perfeitos. Mas temos que defendê- la para melhorá- la, não para sepultála’. Que fique consignado que o Brasil continuará trilhando o caminho democrático e não abrirá mão das conquistas pelas quais tanto lutamos”.

CONSELHO DE SEGURANÇA

“Para dar às Nações Unidas a centralidade que lhe corresponde, é fundamental uma reforma abrangente de suas estruturas. Seu Conselho de Segurança necessita ampliar seus membros permanentes e não permanentes, para tornarse mais representativo, legítimo e eficaz”.

CLIMA

“Em Paris, em dezembro próximo, devemos fortalecer a Convenção do Clima, com pleno cumprimento de seus preceitos e respeito a seus princípios. As obrigações que assumirmos devem ser ambiciosas — inclusive no que se refere a apoios financeiros e tecnológicos aos países em desenvolvimento e às pequenas ilhas —, em sintonia com o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. O Brasil está fazendo grande esforço para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, sem comprometer nosso desenvolvimento. A ambição continuará a pautar nossas ações. Por isso, anunciei, ontem, aqui na ONU, nossa INDC ( Intended Nationally Determined Contributions, conjunto de compromissos dos países na área climática). Será de 43% a contribuição do Brasil para redução das emissões de gases de efeito estufa até 2030, com base no ano de 2005. Somos um dos poucos países em desenvolvimento a assumir meta absoluta de redução de emissões”.

POBREZA

“Desde 2003, políticas sociais e de transferência de renda contribuíram para que mais de 36 milhões de brasileiros superassem a pobreza extrema. O Brasil saiu, ano passado, do Mapa Mundial da Fome. Isso evidencia a eficácia de nossa política, chamada Fome Zero, que agora se transforma no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 2. Consideramos importante assegurar condições dignas e justas para o mundo do trabalho. O desenvolvimento sustentável exige a promoção do trabalho decente, a geração de empregos de qualidade e a garantia de oportunidades”.

OLIMPÍADAS

“O Brasil espera, de braços abertos, os cidadãos de todo o mundo para a realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016 no Rio de Janeiro. Será oportunidade única para difundir o esporte como instrumento fundamental de promoção da paz, da inclusão social, da tolerância, por meio da luta contra a discriminação racial, étnica e de gênero. Será também ocasião para que possamos promover a inclusão de pessoas com deficiência, uma das prioridades de meu governo”.

PORTINARI

Há poucos dias, foram reinaugurados aqui na sede das Nações Unidas os murais chamados ‘ Guerra e Paz’, do artista brasileiro Cândido Portinari, doados à ONU pelo governo do meu país, em 1957. A obra denuncia a violência e a miséria, e exorta os povos a buscar o entendimento. É um símbolo para as Nações Unidas quanto à sua responsabilidade de evitar os conflitos armados e de promover a paz, a justiça social e a superação da fome e da pobreza”.

 

No PT, ataque ao ajuste

 

A Fundação Perseu Abramo, mantida pelo PT, lançou um documento com duras críticas à política econômica do governo Dilma Rousseff. O texto diz que o ajuste gerou desemprego, aumentou a informalidade e desvalorizou o salário real.

Entre as cerca de 200 pessoas presentes ontem ao lançamento, estavam líderes petistas como o presidente da sigla em São Paulo, Emídio de Souza, o ex- governador Tarso Genro, o senador Lindbergh Farias e o ex- ministro Paulo Vannuchi, diretor do Instituto Lula. O presidente da fundação, Márcio Pochmann, disse que o documento foi enviado ontem à presidente.

Batizado “Mudar para sair da crise, alternativas para o Brasil voltar a crescer”, o texto diz que “a racionalidade do ajuste é a defesa dos interesses dos rentistas” e propõe redução da taxa de juros e preservação dos gastos sociais.

— O ajuste está produzindo os resultados contrários ao que pretendia. O governo tomou como dele um programa que não era seu. Estamos tentando criar clima social adequado para se fazer a mudança — disse o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos que elaboraram o texto.

Para Lindbergh, o ajuste afetou a popularidade de Dilma:

— Nada vai desgastar mais a presidente do que o desemprego chegar em março a 10%. Isso vai inviabilizar o governo. Queremos aumentar a pressão sobre o governo. Dizer: estamos do seu lado, Dilma, mas temos que reorientar a política econômica.