Alemanha busca alternativa à China e faz acordo com Brasil em terras-raras

Daniel Rittner 

20/08/2015

De olho em reduzir a dependência da China no fornecimento de terras-raras, que são um conjunto de 17 elementos químicos usados como matérias-primas estratégicas na indústria de alta tecnologia, a Alemanha pretende estabelecer uma nova parceria com o Brasil no setor.

A presidente Dilma Rousseff e a chanceler Angela Merkel devem assinar hoje um acordo que prevê a promoção de pesquisas conjuntas e o desenvolvimento e implementação de tecnologias sustentáveis para o suprimento de terras-raras. O embaixador alemão em Brasília, Dirk Brengelmann, confirmou que um "memorando de entendimentos" será firmado, mas preferiu não entrar em detalhes. "Isso será anunciado amanhã [hoje]", disse o embaixador.

O acordo permitirá, no futuro, identificar oportunidades de investimento na exploração de novas jazidas minerais - embora o objetivo inicial seja mais focado em pesquisa. A Alemanha tem atuado com um grupo seleto de países, como Cazaquistão e Mongólia, na busca por alternativas de fornecimento. Hoje, a China provê mais de 90% de todas as terras-raras. Esses materiais devem movimentar US$ 8 bilhões em exportações globais em 2018, o dobro do verificado em 2012.

Segundo fontes do governo brasileiro que acompanharam a negociação com os alemães, o objetivo brasileiro é não ser identificado como um mero fornecedor de terras-raras no futuro, mas absorver tecnologia e conhecimento científico para a transformação dos metais em produtos de maior valor agregado. Um dos exemplos mencionados é o lantânio. Trata-se de um insumo para a fabricação de catalisadores usados no processo de craqueamento do petróleo - ou seja, no refino do óleo cru em derivados.

Em maio, o governo chinês anunciou a retirada de restrições - como tarifas e cotas - que haviam sido impostas à exportação de terras-raras. Essas restrições foram condenadas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), em um processo movido pelos Estados Unidos, que recebeu a adesão da União Europeia e do Brasil como "terceiras partes".

As barreiras chinesas, no entanto, soaram como um importante alerta do controle de Pequim sobre o comércio dos insumos metálicos. Uma autoridade brasileira avalia que a China está em situação privilegiada, porque domina a produção anual de terras-raras, que tem ficado entre 120 mil e 140 mil toneladas por ano, enquanto a demanda atinge 200 mil toneladas. Há um consenso de que o espaço tende a ser ocupado por quem chegar antes.

A Alemanha já tem um programa de € 60 milhões com poucos países, do qual o Brasil fará parte, para a cooperação em matérias-primas estratégicas. O objetivo não é fazer investimentos imediatos, mas facilitar o intercâmbio de informação e de pesquisadores. Com isso, espera-se a identificação de oportunidades e a capacitação de recursos humanos.

De acordo com uma fonte, as duas maiores instituições nacionais com conhecimento em terras-raras - Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e Centro de Tecnologia Mineral (Cetem) - têm quadros antigos e falta de reposição para o pessoal próximo da aposentadoria. Por isso, a cooperação alemã pode ser decisiva em renovar expertise nos laboratórios brasileiros e no domínio do processo de isolamento dos óxidos encontrados nesses metais - o que permite o uso na indústria.

Ontem, Brasil e Alemanha já firmaram acordos de cooperação para a conservação florestal e a regularização ambiental de imóveis rurais na Amazônia e em áreas de transição para o Cerrado. Ao todo, serão investidos cerca de € 54 milhões (quase R$ 200 milhões) em recursos integralmente providos pelos alemães.

A assinatura foi feita pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e pelo embaixador Brengelmann horas antes da chegada da chanceler. Uma parte do desembolso, no valor de € 23 milhões, se destina ao projeto de regularização ambiental de imóveis rurais. O contrato de contribuição financeira terá quatro anos de duração e apoiará o cadastro ambiental rural (CAR) de propriedades de agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais de Rondônia, do Mato Grosso e do Pará. A previsão é que sejam adquiridos produtos, serviços e insumos para o CAR.

Outros € 31,7 milhões serão destinados ao Fundo de Transição Arpa para a Vida. Esse fundo, segundo o ministério, é um "mecanismo inovador e com metas ambiciosas", como a de consolidar e segurar o financiamento sustentável de unidades de conservação em uma área igual ou superior a 60 milhões de hectares, o equivalente ao território da França.

Entre 12 e 15 acordos serão firmados por Dilma e Merkel. Um dos principais focos é a ciência e tecnologia. A chanceler ficará menos de 24 horas em Brasília e voltará a Berlim hoje à tarde.

Tratado Mercosul-UE depende dos 2 países, diz Monteiro

O acordo comercial entre Mercosul e União Europeia depende, "fundamentalmente", do Brasil e da Alemanha, disse ontem o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Armando Monteiro Neto, após participar de reunião com a presidente Dilma Rousseff e um grupo de 12 empresários brasileiros, um encontro preparatório para visita ao país da chanceler alemã Angela Merkel, que chegou ontem à noite em Brasília e foi recebida pela presidente Dilma com um jantar no Palácio da Alvorada.

"Pela importância da Alemanha, pelo iminente acordo Mercosul-União Europeia, ou pelo menos com o inicio da troca de ofertas com a União Europeia, esse acordo depende fundamentalmente de dois parceiros: o Brasil, pelo protagonismo que tem no Mercosul, e a Alemanha, pelo peso que tem na União Europeia", afirmou o ministro.

Monteiro disse que a presidente Dilma não fez uma mensagem especial para renovar os pedidos de confiança e otimismo na retomada do crescimento, porque os acordos comerciais com a Alemanha são positivos por si só. "A nossa pauta foi tão densa e toda conectada com a agenda de promoção econômica, que já era intrinsecamente uma pauta positiva e de confiança no país", afirmou..

Monteiro disse que os acordos com a Alemanha envolvem empresas brasileiras que já têm forte presença internacional, com enfoque nas áreas de serviços, infraestrutura, proteínas animais, setor siderúrgico e químico.

Participaram da reunião Benjamin Steinbruch, da CSN, Carlos Fadigas, da Braskem, Carlos Mariani, da PIN Petroquímica, Gunnar Nebelung e Waldemir Loto, da Amaggi, Marco Stefanini, da Stefanini, Paulo Tigre, da DHB, Pedro Faria, da BRF, Pedro Wongtschowski, da Ultrapar, Rubens Ometto, da Cosan, além de Ralph Lima Terra, da Abdib, e Ingo Plöger, do Conselho Empresarial da América Latina (Ceal).

Valor econômico, v. 16, n. 3824, 20/08/2015. Brasil, p. A2