Grupo propõe mudar câmbio e juros para reindustrializar país

Denise Neumann 

29/09/2015

O Brasil precisa de uma política de desenvolvimento que ofereça uma saída além do ajuste fiscal e ela passa pela reindustrialização do país. A partir dessa premissa, um grupo de 15 economistas e empresários começou a debater propostas e chegou a um documento-base com seis medidas resumidas em duas páginas. Chamado de "Grupo Reindustrialização", esse "think tank" defende um arranjo macroeconômico com juros básicos e de mercado bem menores que os atuais, câmbio competitivo e redução das tarifas de importação, além de retirar a definição da política cambial do Banco Central.

Coordenado pelo professor Yoshiaki Nakano, diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EESP-FGV), o grupo reúne Luiz Carlos Bresser-Pereira (FGV), Mário Bernardini (Abimaq), Edgard Pereira (Unicamp), Clemente Ganz (Dieese), Antonio Correa de Lacerda (PUC-SP), Nelson Marconi (FGV), entre outros, e no embrião, ainda em 2014, teve conversas com o hoje ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. Para o grupo, o conjunto de seis medidas de política econômica deve ser implementado junto com "um" ajuste fiscal (o atual é considerado insuficiente) e com estabilidade de preços.

A dupla juros-câmbio é a que traz mais potencial de polêmica nas medidas defendidas, embora uma parte da indústria talvez não concorde com uma proposta considerada fundamental pelo grupo. Eles sugerem reduzir as tarifas de importação da alíquota média real atual de 7,5% para 4,5%, com corte maior nas matérias primas e insumos intermediários. "Com preços macroeconômicos certos, a indústria compete", sustenta Bresser-Pereira. "Nos últimos anos elogiaram o aumento da produtividade da agricultura e disseram que a indústria era ineficiente, mas a agricultura teve preço para ser lucrativa e aí pode investir. A indústria não teve essa possibilidade", defende Bernardini.

O corte das tarifas alfandegárias deve ser feito junto com o ajuste cambial proposto, na visão do grupo. Eles defendem retirar do Banco Central a definição da política cambial e querem a adoção de um regime com piso real para a taxa de câmbio, com baixa volatilidade e que garanta competitividade às empresas ao longo do tempo. Esse piso correspondia, no segundo trimestre, a R$ 3,60. Mantido o valor real dessa taxa nominal, a indústria teria condições de ampliar exportações e voltar a atender parte do mercado doméstico "perdido" para importações.

"Para o câmbio, essa é a grande oportunidade", diz Bresser-Pereira. Essa mesma janela de oportunidade ainda não existe para as mudanças que o grupo defende no mercado de juros. A sugestão é adotar "juros básicos e de mercado compatíveis com os dos principais concorrentes do país". Um ajuste fiscal efetivo abriria espaço para juros menores, enquanto outras mudanças (e um caminho mais consistente de redução) viriam com alteração nos mecanismos de gestão da dívida pública.

Nesse ponto do debate, o grupo incorporou uma visão muito defendida por Nakano, para quem um conjunto de "anomalias" reduz a eficácia da política monetária no Brasil e para consertá-las basta uma alteração de regras operacionais. O grupo, contudo, reconhece que o momento atual - de forte falta de confiança - não é adequado para essa mudança, que passa por acabar com títulos pós-fixados, alterar as regras que permitem a chamada "zeragem automática" no financiamento diário de carteiras de títulos públicos no mercado aberto e reduzir o imenso volume de operações compromissadas do Banco Central com o mercado financeiro que hoje funcionam como um 'overnight' e fazem com que quase R$ 1 trilhão gire diariamente no mercado tendo como garantia papéis emitidos pelo Tesouro. "O momento de fazer isso é quando os juros estiverem caindo", diz Bresser.

O grupo lista algumas das "anomalias" que eles veem no mercado de juros no país. A convivência de títulos pós e pré-fixados dá um caráter ambíguo à política monetária, diz Edgar Pereira, da Pereira & Associados e professor da Unicamp. Essa ambiguidade permite que o investidor pule de um título para o outro, alterando a referência das operações monetárias, o que reduz sua capacidade de agir sobre a demanda.

Nakano critica o volume das operações compromissadas - que hoje somam mais de R$ 900 bilhões. Além dessas operações de curtíssimo prazo renderem quase o mesmo que um título de longo prazo (o que tira eficácia da política monetária), as compromissadas do BC indicam que mais de 40% da dívida mobiliária federal é financiada diariamente. "Essa liquidez atrai especulação", diz ele.

Para esse grupo de economistas, o arranjo (ou desarranjo) macroeconômico dos últimos anos foi determinante para tirar competitividade da indústria. Por isso, defendem, a reindustrialização passa por juros e câmbio. Entre as seis medidas, não há nenhuma de política industrial. Além das quatro já citadas, eles ainda propõem reduzir a carga de impostos sobre investimentos e produção (desonerando totalmente a exportação e os investimentos produtivos) e reter parte da receita de exportação de commodities atrás de um fundo para reduzir a constante pressão pela apreciação cambial.

Valor econômico, v. 16, n. 3851, 29/09/2015. Brasil, p. A3