Vale corta segunda parcela de dividendos pela metade

Camila Maia, Fernando Torres e Francisco Góes 

29/07/2015

A diretoria da Vale propôs o pagamento de US$ 500 milhões em dividendos aos acionistas, representando metade do valor anunciado em 30 de janeiro. Segundo a mineradora, o montante menor reflete o cenário "mais incerto para os preços de commodities minerais e o foco da companhia na preservação de seu balanço". A expectativa é que a proposta seja bem recebida pelo mercado.

A Vale já distribuiu a primeira parcela de US$ 1 bilhão em dividendos aos acionistas em 30 de abril. Se o montante da segunda parcela for aprovado pelo conselho, a Vale vai distribuir US$ 1,5 bilhão aos acionistas em 2015, abaixo dos US$ 2 bilhões previstos anteriormente. Mesmo assim, o dividendo mínimo de 25% do lucro líquido ajustado deve ser apurado ao fim do ano.

Entre os investidores, existe a visão de que o ideal, no atual cenário de preços deprimidos para as commodities, seria a Vale reduzir ou até mesmo suspender o pagamento da segunda parcela do dividendo deste ano para preservar a situação do fluxo de caixa da companhia. A diretoria da companhia optou por uma solução intermediária: reduziu o dividendo mínimo, mas não cortou totalmente a segunda parcela.

Decisão surpreende, pois era tradição da Vale cumprir o pagamento do dividendo anunciado no começo de cada ano

A decisão surpreende pois até hoje era tradição da Vale cumprir o pagamento do dividendo anunciado no começo de cada ano. Mas em recente entrevista, o presidente da Vale, Murilo Ferreira, reconheceu que as condições de mercado haviam mudado. Um dia depois da fala de Ferreira, o Bank of América Merrill Lynch divulgou relatório indicando que a Vale poderia alterar o pagamento da segunda parcela dos dividendos de 2015.

A distribuição prevista de US$ 1,5 bilhão de dividendos para o ano representará uma queda de 64% em relação ao total de US$ 4,2 bilhões pagos em proventos pela mineradora em 2014. Em 2013, o desembolso havia sido de US$ 4,5 bilhões, já menor que os US$ 6 bilhões pagos em 2012.

Ao fim de junho, a dívida líquida da Vale em dólares, de US$ 26,2 bilhões, representava 2,92 vezes seu lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) acumulado em 12 meses. Um ano atrás, esse índice estava em 1,12 vezes.

O conselho vai discutir a proposta da diretoria em uma reunião em 15 de outubro. Se aprovada, o desembolso será feito em 30 de outubro, correspondendo US$ 0,097 por ação ordinária ou preferencial em circulação. Os dividendos serão distribuídos com base na posição acionária de 15 de outubro.

Na visão de analistas, a mudança no valor do dividendo exigiu negociações com os acionistas, em especial com a Previ, fundo de pensão que faz parte do grupo de controle da Vale e é um dos principais acionistas da mineradora. Para os analistas, a Previ conta os dividendos da Vale para fazer frente aos seus compromissos com os aposentados do Banco do Brasil.

Para 2016, existe ainda a possibilidade de que a Vale venha a não pagar dividendos aos acionistas uma vez que a empresa vai continuar comprometida com altos investimentos em seus projetos prioritários e as condições de preços do minério de ferro não devem se alterar de forma significativa.

A mineradora marcou para o dia 22 de outubro, antes da abertura do mercado, a divulgação dos resultados financeiros do terceiro trimestre. O relatório de produção da companhia no período será divulgado no dia 19 de outubro, também antes da abertura do mercado. A mineradora marcou duas teleconferências para o próprio dia 22. O primeiro, em português, está marcado para às 10 horas. O segundo, em inglês, acontece às 12 horas.

Ações sofrem em razão da crise do setor e China

Francisco Góes e Rodrigo Rocha 

As preocupações do mercado com a China e o mau humor dos investidores com o setor de commodities levaram as ações da Vale a fechar com uma das maiores quedas do dia na BM&F Bovespa. A ação preferencial da mineradora caiu 7,37%, cotada a R$ 13,19, e a ordinária recuou 7,47%, para R$ 16,59. Em Nova York, os recibos de ações da empresa fecharam com queda de 9,96%, a US$ 4,07. "O humor dos investidores com as commodities foi muito ruim", disse um analista da área de mineração.

A queda das ações da Vale seguiu o desempenho negativo das principais mineradoras nas bolsas internacionais. Uma nota do Credit Suisse disse que relatório do banco de investimentos Investec alertou para a difícil situação das empresas do setor de commodities. Segundo a análise, Glencore e Anglo American podem perder quase que totalmente o valor de mercado caso os preços das matérias-primas sigam pressionados.

As ações da Glencore negociadas em Londres caíram 23,54%, a 0,743 libras. Durante o dia, os papéis da companhia alcançaram a mínima histórica. Analistas atribuíram o recuo dos preços das ações da Glencore a uma combinação de fatores, incluindo os fracos indicadores macroeconômicos da China, e o receio de que a empresa tenha dificuldades de executar um plano de US$ 10 bilhões de ajustes em tempo hábil, reduzindo a dívida em um terço, para cerca de US$ 20 bilhões, até o fim de 2016.

Pedro Galdi, analista da Whatscall consultoria, disse que a queda nas ações da mineradora brasileira se relacionou com o cenário de retração na China. Galdi citou o fato de o lucro das maiores empresas do setor industrial chinês ter recuado 8,8% em agosto na comparação com igual mês de 2014. Galdi disse ainda que as ações de outras grandes mineradoras, como Rio Tinto e BHP Billiton, também caíram. Mas na visão do analista no caso das ações da Vale, além de China, pesa também o cenário brasileiro, marcado por crise política e econômica e pela possibilidade de novo rebaixamento da nota de crédito do Brasil, o que pode ter consequências para a própria Vale.

As ações das mineradoras sofreram ontem, apesar da relativa estabilidade no preço do minério de ferro que, segundo Galdi, tem ficado na faixa dos US$ 56 por tonelada tendo como referência o produto com 62% de teor de ferro. "Há continuidade da preocupação do mercado com a China", resumiu outro analista ouvido pelo Valor.

Valor econômico, v. 16, n. 3851, 29/07/2015. Empresas, p. B5